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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

O SEGREDO


Tita

30.12.10

 

 

Olhei para ela. Tinha mais ou menos a minha idade. Mas parecia mais velha. Talvez fosse da maquilhagem. Pensei que tinha caído. Talvez parecesse mais velha do que eu porque estava ali no chão demasiado próxima de um banco de jardim do Parque Eduardo VII. Gosto de ir almoçar ali àquela esplanada ao pé dos patos. Come-se mal. Mas não é isso que me importa. Preciso de fumar alguns cigarros em paz e do oxigénio que Lisboa me corta. Especialmente nos dias piores. Pedidos dos meus pulmões. Tinha as meias de vidro rotas e não queria levantar-se. Esta não vontade era nítida na expressão gestual do corpo inteiro. Gostei do casaco de tweed. Bonitos cabelos ondulados também. Castanhos. Claros. Como os meus. Não lhe resisti sem qualquer motivo que me justificasse. Perguntei-lhe muito próxima se precisava de ajuda. Não tinha o hábito de beber. Foi a primeira informação que me deu. Aliás, nem tinha bebido grande coisa. Mas tomava xanax. Eu também. Aceitou a minha ajuda para nos sentarmos lado a lado no banco que ainda ali estava. Tínhamos ambas tempo. Não sei porquê. O sotaque. Muitos anos a viver fora daqui. E no entanto, eu, que nunca vivi em mais lado nenhum, vi a familiaridade. Parecia-me alguém. Chamou-me Jane. Tinha um nariz pequeno e recto na cana do nariz. Como o meu. De repente falava num inglês fluído que tropeçava na proporção das medidas de bourbon e na gramagem do xanax que engoliu. Aposto que foi bourbon. Jack Daniel’s. Tenho a certeza. Por isso nem perguntei. Éramos amigas há mais de 10 anos. Foi o que me disse. Jane era a sua melhor amiga. Queria dizer-lhe que o pai morreu nesse dia. Olhei-a bem no fundo dos olhos verde-azeitona. Senti uma bala. Disparada do meu olhar castanho-escuro. Fui aos patos porque aquele dia era um daqueles dias piores. O meu pai amanheceu morto. Chamaram. Mas ele não abriu os olhos verde-azeitona. Sempre foi teimoso. “Jane tenta dizer em português, por favor. Tenta dizer o nome do meu pai. É o nome mais bonito do mundo. Vá, Jane tenta! Di-nis Fran-co Pe-rei-ra Figuei-re-do”. Fiquei surda. Dinis franco Pereira Figueiredo. O meu pai… Caí de joelhos demasiado próxima daquele banco de jardim do Parque Eduardo VII. As meias de vidro ficaram rotas nos joelhos. Além de tudo, para além de tudo, a verdade é que ela era minha irmã.

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