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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

COISAS GIRAS DE BRINCAR


Tita

13.01.10

 

 

 

 

Um dia, não sei de que parte importante da semana, o pai e a mãe entregaram-me aos cuidados de um jovem adulto muito simpático. Era dono de uma pequena oficina de fazer coisas que não eram carros. Penso que era o seu hobby. Tinha uma mesa grande de madeira, um torno, serrotes, pregos e outras coisas assim giras de brincar.

 

Este dia aconteceu muito antes de ter sido atropelado e muito depois de ter morrido nos braços apertados da mãe ao colo dela. Como se deveria morrer. Talvez eu gostasse dele e da oficina dele. Com toda a certeza, os meus pais gostavam dele. Eu já tinha brincado naquela oficina. Sempre com poucas liberdades. Sempre com alguém por perto e com uma ou outra criança por companhia. Talvez. Imagino que sim. Não tinha idade para hoje me lembrar.

 

Vejo sem ver o pai e a mãe a descer a estrada a pé. Lado a lado, como de costume. Mas não acredito que dessem as mãos. Talvez fossem a falar. Já alheados de mim. Eu berro um choro que me leva a alma pela boca. Não sei o que ele faz. A minha cabeça não é mais alta do que a cintura dele. Não me lembro. Não me lembro. Mas acho que ele mostrou o pénis dele. Hoje sei que se chama assim. Mostrou-mo. A mim que não queria ver nada. Que não vi nada. Que ceguei naquela enxurrada de lágrimas que me encheu os olhos, me molhou a cara e a boca e as palmas e as costas das mãos pequeninas.

 

O pai e a mãe continuavam a andar, descendo a estrada solitária, mas segura. Iam seguros. Calmos. A falar da vida de um modo. Certamente, a pensar da vida de outro. Não pensavam em mim. Não falavam de mim. Não sei nada disto, mas sei. Soube ali, naquele momento, porque os vi a andar para lá. Para lá de mim. E eu ali. Apesar de não ter visto. Compreendi que já não vinham. Não voltariam atrás. E eu precisva tanto! No meu primeiro momento de vida em que perdi completamente a esperança. Se eles voltassem porque me sentiam a vida, tudo tinha sido diferente. Assim, antes pelo contrário, conheci o meu primeiro ataque de pânico.

 

O pânico ataca por poucos minutos. Provavelmente, nem um minuto ou dois. O corpo não permite mais. Quedei-me, então, calado, trémulo, espantado, confuso  e... curioso. Confusão! Senti a confusão a desequilibrar-me, ficando, no entanto, de pé. Não sei o que aconteceu do mau que foi. Talvez lhe tenha tocado no sexo porque ele mandou. Talvez, quando lhe toquei uma fantasia qualquer me tenha tocado a mim. Talvez, então, nessa fracção de segundo em que a fantasia curiosa ocorreu, eu lhe tenha tocado por voluntariedade. E o ódio de mim pesou-me em cima, esmagando-me. Sei isto. Embora não me lembre. Mas sei.

 

Eu disse que ia dizer ao pai. Ele disse que ia dizer ao pai. Eu acreditei que a culpa era minha. Tive vergonha do pai. Tive medo do pai. Tive medo que ele contasse ao pai. Mas não queria. Não queria. Se eu fosse contar ao pai, ele é que ia contar ao pai e não me deixava mais entrar na oficina. Não sei era muito importante poder ir para ali brincar. Importante era que não se soubesse porque não poderia ir mais para ali. Tinha que continuar a querer ir brincar ali na oficina e não querer voltar lá mais. 

 

O que terá acontecido depois do que aconteceu? Fiquei a brincar pelas horas que se seguiram até o pai voltar? Com medo que o pai voltasse porque, além do mais, tinha muita vergonha? Tenho a impressão que sim. Que brinquei humilhado com objectos e com pedaços de objectos. Humilhado na liberdade de mexer onde queria, brincar com o que queria. Como nunca pudera antes. Senti que recebia um prémio de consolação. Por ter perdido tudo. Aceitei grato. Morri um bocadinho, sendo eu tão pequenino. E eu nem sabia o que era perder tudo aquilo que sentia que perdia ali naquele momento. Perdia. E ganhava o poder de mexer onde queria. Brincar como queria naquela oficina. Como, acredito, sempre quis.

 

Mas, estou certo, a verdade era outra. A verdade é que eu não queria brincar. A verdade é que eu precisava de manejar aqueles objectos, daquele modo aleatório, para me distrair. Distraído, acalmei-me. Por isso brinquei mais. Cada vez mais concentrado. E os músculos do meu corpo distenderam-se com o passar dos minutos. Totalmente. Restou a angústia calada, calma. A primeira dor.  Não aconteceu mais nada. E tudo o que aconteceu foi tudo para mim. Para sempre.

 

Gostava de ter outro nome.

26 comentários

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    Sara 14.01.2010

    Vim reler e Sting estava a tocar outra vez!
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    Tita 14.01.2010

    Coincidências! Entãi, estás esclarecida?
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    Sara 14.01.2010

    Ahhh e como tenho a mania dos horóscopos, não acredito em coincidências. Para mim as coisas geralmente têm um proposito, quando acontecem.

    POr exemplo, ainda bem que durante o Natal mudei de ideias, porque com a quantidade de encontros imediatos que o minipreço proporcionou....

    Beijocas
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    Tita 14.01.2010

    Tabém não acredito em coincidências. Acredito que é natural que as pessoas se cruzem se estão na mesma rua todos os dias.
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    Sara 14.01.2010

    Nunca tinha acontecido antes! Durante semanas.
    Acabeio de falar com uma amiga ao telefone que me passou umas informações que precisava, pusemos a conversa em dia e me deu o site que actualmente utiliza para mostrar o trabalho fotografico dela. Dá uma olhada se quiseres. Ela tem coisas que acho vais gostar. O nome dela é carla Kogelman.
    http://www.imagecreative.nl/about_artist.php?member=918
    Beijocas
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    Tita 14.01.2010

    Gostei muito. Muito humana, muito sensível. Tecnicamente óptima. Obrigada.
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    Sara 14.01.2010

    Uma muito boa amiga, alguem por quem tenho o maior respeito e admiração. Alguém completamente fora do comum, na forma de ser e viver, que se aceita como é com toda a sua diferença.
    Um ser Humano fantástico na minha opinião (embora gere controversia para outras pessoas) e alguém com quem estableci uma comunicação muito boa muito facilmente. Embora essa comunicação na grande maioria das vezes não seja verbal e tenha mais a ver com a partilha de momentos, de emoções, estados, visões. A comunicação inicial era de tal forma que às vezes a Carla começava a falar comigo de coisas da vida dela, convencidissima que eu obviamente sabia, qdo eu na realidade não fazia a minima ideia.
    Gostamos das mesmas coisas... gostamos de viajar, de marionetas (ambas trabalhamos com), de praia, de sol, de mar, de entrar num carro e ir ver sem rumo, decidindo à medida que acontece. Fiz isso com ela algumas vezes, cá em POrtugal, na Holanda, em Italia e em Paris.
    Tem um lado de criança muito bem desenvolvido e assumido. No ano pasado em Grathem, cada vez que saia de casa com a Jackie e o Simon (casal de amigos) encontravamos a carla deitada em terra batida a fotografar uma galinha, debaixo de uma mesa atrás de um gato, dobrada de forma ficar de pernas para o ar num banco. Ainda tentamos criar um movimento de vamos perseguir a carla e tirar-lhe fotografias, a tirar fotos.... mas cansavamo-nos muito mais rapidamente que ela! Mesmo sendo ela a mais velha (idade fisica) dos 4...
    Dispersei.... acho que tou com saudades dela... e da Holanda.... tenho de lá ir este ano.... matar saudades.... andar de bicicleta... tomar os pequenos almoços mais fantásticos de que consigo lembrar e trabalhar.
    beijos
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    Tita 14.01.2010

    Não sei porquê, mas não me surpreende nada a descrição que fazes da Carla e da amizade que desenvolveste com ela. Não sabia que em Amesterdão se tomam os mehores pequenos almoços do mundo. Também gosto de me meter num carro e andar sem destino certo. Beijos
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    Sara 14.01.2010

    RElativamente aos pequenos almoços de A'dam, sempre foram normalissimos para mim. Os pequenos almoços são tomados, em casa (quinta) de um casal de amigos, que vive no Sul, na provincia de Limburg, na pequena terrinha de Grathem. A Carla vive em Amersfoort, mas muitas vezes qdo eu fico com a Jackie e o Simon a Carla vai-me visitar.
    A Jackie e o Simon é que têm uma grande cozinha com uma grande mesa, onde se tomam uns pequenos almoços colossais, demoradissimos, todos juntos. Uns a lerem o jornal, outros a dormir em pá, outros a falar um bocadinho. Claro que no inicio está tudo muito azuratadpo e no fim do pequeno almoço, esta tudo em grande conversa. A ultima vez que lá estive voltei mais gorda. Pequeno almoço às 8h30 chá às 11h00, almoço às 13h00, chá às 16h00, Jantar às 18h30, seia... lolololololol :D
    E o pequeno almoço, almoço e jantar são refeições com mais de uma hora a comer e a conversar, com tudo o que tem de direito. :)Yogurt de sobremesa, chá ou caf´+e final, etc, etc, etc
    Sa ultima vez, fui ver programação a um festival em Maastricht, com a jackie e fiquei 1 semana acho. Foi bom muita conversa com a jackie e o Simon, muitos espectáculos, muitos passeios a pé, de bicicleta, viagens de carro constantes, muita comida, muita paz, muito tempo para pensar, chorar, rir, trocar ideias. São muito lucidos eles. Muito abertos os dois. E com um sentido de Humor que eu adoro.
    Espraei-me outra vez. Os meus amigos assumem um papel MUITO importante na minha vida.
    Beijocas
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    Tita 15.01.2010

    Adorei a descrição. Mas, sem querer brincar, mas brincando, pergunto: e esse pessoal tem tempo para trabalhar?
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    Sara 15.01.2010

    Tem, e é benm mais produtivo que a grande maioria do funcionário público. Eles têm um bed & breakfast na quinta, organizam actividades culturais na quinta e no antigo celeiro (http://www.opkapittelsbos.nl/index.php?pid=13), têm um acordo com o Turismo para passagem de uma bycking route por lá, entre outras coisas.
    O Simon no topo é Intercontinental Stuart da KLM e a jackie é Jornalista Cultural e TRabalha como freelancer. Além disso a Jackie trabalha em conjunto com um Jan qualquer cioisa, para o Limburg Festival, um Festival em Venlo entre outras coisas.
    Trabalham muito, ambos mas tratam-se bém. Alimentam-se, fazem exercicio, dormem e têm sempre amigos e familia em casa a trabalhar também, a ajudar ou apenas de visita.
    Devo dizer que são só os dois a fazer tudo isto e não têm empregados.
    Beijocas
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    Tita 15.01.2010

    Pronto. estou muito mais descansada! Achaste que isto era para responder, portanto? Beijos
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    Sara 15.01.2010

    :P
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    Tita 19.01.2010

    Sabes que mais? tenho que escrever outro post rapidamente. Incomoda-me o assunto deste que está ,mesmo aqui a abrir o blog. Mas não me incomoda pelo tema em si numa postura de quem se arrepia muito com a questão. É só proque eu sou do fácil, da leveza e da boa disposição. Não estou a fim de vir ao blog e encarar logo um assunto assim pessado por muito tempo.
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    Sara 19.01.2010

    Isto hoje ta atribulado... às vezes acho que era mais facil marcar um café de 30 minutos e despachar tudo!

    Percebo-te! Eu nunca o teria posto ai para começar! Era completamente desnecessario.
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    Tita 19.01.2010

    Desnecessário não era porque, como sabemos, é necessário falar dos sentimentos das crianças que são vitimas de pedofilia. É sempre necessário. Sempre. Porque, enfim, ao que parece, os pedófilos é que interessam. E toda a gente se esquece. Do futuro. As crianças são o futuro, não são? E se pensarmos que o futuro é o presente de todos os dias, já vês. Não sei se queres ir tomar um chá ao sitio do costume às 13.30h. Queres? tenho que carregar o Iphone e aproveito. É que não estou a conseguir responder-te por telefone.
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    Sara 19.01.2010

    Percebo principiio! Mas já tinha estado e continua a estar em diferentes posições!

    Deverias ´começar a escrever a sério, sobre temas que te interressam (estes ou outros). E usar a tua escrita para marcar a diferença, abrir olhinhos, por as pessoas a discutir coisas que de facto interessam (como por exemplo a perspectiva da criança).

    Estarei às 13h30 no sitio do costume. Agora vou voltar ao trabalho.

    Beijos
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    Tita 19.01.2010

    Não tenho tão altas expectativas para a minha escrita. Para já escrevo porque me dá prazer. Então, está combinado. 13.30h no sitio do costume.
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    Sara 19.01.2010

    Isso é uma contradição.... e o prazer não tem de estar dissociado de trabalho....

    Acho que v~~ao ser uns 30 mins muito animados hoje...

    Vi uma versao no youtube desta canção (A o I'm tired of using technology) cantada por uma fulana.... muito interessante a versao.... e o 1º ou segundo sentido desta letra também é muito bom.

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    Tita 19.01.2010

    Enfim, foram animados o que baste. Não achas? Sobre a música, por acaso gosto. Depois dizes-me onde encontrar a tal versão no YT
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    Anónimo 19.01.2010

    Isso de meter o bedelho, não sou lá muito bem, pois não?
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    Anónimo 19.01.2010

    Mas a propósito de meter o bedelho, não tenho nada contra o Nesquik mas o Ovomaltine é muito melhor!!!
    E não tenho percentagem na publicidade, é apenas gosto pessoal!
    O Nesquik foi bom em tempo antigos tal como o Ovomaltine foi bem melhor, mas nem tudo é como o vinho do Porto!
    Há coisas que melhoram outras que pioram com o tempo!
    Estás a ver o que faz a falta de posts interessantes! Fala-se de trivialidades...
    Boas escritas!
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    Sara 19.01.2010

    Acabou de descer 20 pontos na minha consideração anónima!!!!! OVOMALTINE?!?! :0

    A proposito a Anónima tem nome próprio? Como a posso tratar?
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    Anónimo 20.01.2010

    Ok... Prometo dizer o meu nome assim que recuperar esses 20 pontos perdidos!
    (Tenho lá culpa que gostem de açucar com chocolate! Eu sou pelo chocolate negro, do amarguinho!!!)
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    Tita 20.01.2010

    Creioque não perdeu 20 pontos em nada, mas se acha que sim, é consigo,.
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