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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

É MELHOR NÃO IR AO MC DONALD'S


Tita

08.06.10

 

Há, de facto, coisas que não têm interesse nenhum para mim. Como os espelhos de distorção da Feira Popular. Como o Mc' Donald's. Como... ia dizer mais umas, mas tenho de desviar já porque me lembrei de uma coisa que tem imenso interesse para mim. A opinião da minha mãe. A minha mãe é subtil mas vigorosamente contra o Mc Donald's.

 

Quando é contra, a minha mãe faz humor desqualificante. Uma das sua formas favoritas de desqualificar é pelo nome das coisas, das pessoas, das organizações e dos factos. Troca o nome. E põe um ar distraído pelo caminho. Quando o meu cão já a estava a incomodar um bocado, chamava-lhe Guilherme. Enfim, não era para me irritar a mim. Menos mal.

 

Mc Donald's. Nunca foi capaz de dizer. Este nome. Esta marca. Nunca. Mc Land, quando está menos ácida. Donald, quando está mesmo irritada. A ligação com o pato é propositada e evidente. Surge quando alguém foi lá. Bom, eu nunca tive que aturar isto porque, de facto, estou de acordo com ela. Mac Land do Donald. É o que o Mc Donald's é. A casa de repasto dos patos que gostam de carne servida de um modo extraordinário.

 

Deve ser das pessoas mais inteligentes que conheço. La mamma. Sabe gerir a própria agressividade. Melhor, sabe agredir sem o risco de levar o troco. Brilhante! Mesmo quando exagera. Andou dez anos a abusar com a ex-mulher de um dos meus irmãos. Trocou Inês por Ivone. Que escândalo! Ninguém pode esquecer Inês. É um nome lindo. Faz parte da parte trágico-romântica da história de Portugal, segundo as lendas. E segundo "A Castro", que tivemos que ler no secundário. Disse la mamma. Disse muito bem. O que pensa ela? Também sei fazer o jogo. Ivone!!! Diariamente. Talvez eles se tenham separado também à conta disto. Ainda estou para saber. Sobre o peso da coisa.

 

Eu gostava da Inês. Ainda chamei la mamma à atenção. Assim mesmo: "mamma, já chega. É indecente!". Esteve-se nas tintas. Riu-se. Claro, conhecia o jogo. Olhava para mim com aqueles olhos espertíssimos a sorrir. E sorria como quem diz: "Fui eu quem te ensinou a fazer isso. Mete lá a viola no saco". E, de facto, a Ivone gostava de ir ao Donald de vez em quando. Nada a fazer. Porém, apenas de vez em quando. Ela não foi justa com a Inês. Embora, claro o problema da Inês para a mamma pouco ou nada tivesse a ver com o Mc Land.

 

A dificuldade de fazer coisas por aprendizagem, é que existirá sempre um elemento artificial que nos denuncia. La mamma nasceu assim. Eu, bem, eu creio que não. Apesar das possibilidades genéticas. Talvez tenha herdado este belo hábito. No entanto, não creio. Parece-me que aprendi com ela. É que faço muito bem. No entanto, por vezes, acontece-me levar o troco. E ela nunca. Não. decididamente, não nasci assim. Não sou, pois, brilhante a agredir. Só mesmo muito irritante e desagradável. O que se nota. E é mau.

 

Para além do Mc Donald's, la mamma não suporta gente gorda. O que, não por acaso, tem tudo a ver. Andava eu há pouco tempo, muito recentemente, a reflectir porque sinto o mesmo. Mas não me lembrava da mamma. Desta coisa que ela tem contra o excesso de peso, pois. Imaginei uma explicação plausível para o meu problema: o facto de ter ficado refém de um paquiderme no secundário. Tinha apenas 14 anos. Poucas possibilidades de escolha, portanto. Do meu ponto de vista, claro.

 

Era uma pequena atleta, eu. Fazia 40 horas de desporto por semana. A minha melhor amiga chamava-se Maria Carlos Nogueira. E era magra, comme "il faut". Como eu. Também era uma pequena atleta. Inseparáveis. Fazíamos parte de três equipas desportivas. Entravamos em torneios inter-escolas. Daqueles à séria para escolas.

 

Em geral, ganhávamos. De resto, a Klitas virou jogadora federada de basquete. Era um bocadinho mais alta do que eu. No basquete entrava mais nos pontos em lançamento na passada. Quando não era possível passava-me a bola para trás. E eu era "something" nos lançamentos de longa distância. Sempre que uma de nós marcava, ela vinha a correr e saltava-me para cima com os braços e as pernas. Um abraço tão absurdo que me atirava invariavelmente para o chão. Uma vergonha! Porém, com ela... ora, nada a fazer! Sei que me sentia humilhada com aquilo. Porquê, não me apetece dizer.

 

 No volei, as manifestações públicas de afecto eram diferentes. Os bloqueios e os remates à rede eram com ela. A posição 6 era minha. Sempre. No entanto, é verdade que, quando ia para a 1, o jogo até podia acabar ali. Já explico. Mas era melhor na 6. Recuperava bolas impossíveis. Como? Sei lá. Cinco, doze, vinte por jogo. As que fossem necessárias. Mesmo ali a bater no chão. Ou a quilómetros das linhas. Depois, as passadoras e as rematadoras, como a Klitas, que as metessem lá do outro lado. Em condições de se esmagarem no chão, de preferência. Nestes casos, não havia muito tempo para a dita me vir com os números dela. Era o segue jogo. Graças a Deus!

 

No entanto, quando era a minha vez de servir, começavam os risinhos. Das minhas colegas claro. Era a hora do descanso, em princípio. Não muito. Um bocadinho. Sou canhota. Tinha um serviço por cima muito forte em que, além do mais, a bola parecia que se transformava num melão quando chegava ao lado de lá. Nem sei como fazia aquilo. Técnica especial não era. Era só bater de esquerda. Pronto. Nem sempre era fácil fazer mais de três pontos nos serviço. O que já era bom. Dava para ganhar muitos jogos. 

 

Mas uma vez ganhei um set por 12-0 (na altura era só até aos 12). Porque comecei na 1. Isto não é normal. Mas aconteceu. Como nunca mais. Eu disse ganhei. Disse muito bem. Foi absurdo. Embora, há que dizê-lo, a outra equipa também não jogava lá aquelas coisas. Tudo se conjugou. Foi o que foi. A meio, a gargalhada era geral. Porque eu estava com a fé toda, e não falhava uma. As outras, que não eram boas, mas também não eram assim tão más, foram ficando gradualmente péssimas. A certa altura, a Klitas já estava sentada no chão. Assim, como se estivesse no banco de suplentes. Lugar onde nunca estava. Na verdade, não era preciso jogar. Ninguém precisava de jogar. A nossa equipa ou a outra. Nem eu. Eu só precisava de manter aquela fé toda. E assim foi.

 

Confesso que não era capaz de escolher onde queria meter a bola. Nem sempre lhe acertava da mesma maneira, aliás. Não era capaz. Simplesmente. Mas que parecia que sabia, parecia. Menos à Klitas, que me conhecia muito bem. Assim, as chapadas de felicitação que levava, sempre que acertava com o serviço nos seios ou na cara das meninas da equipa contrária, ou quando a bola entrava mesmo no último centímetro de um dos cantos que ficam no fim da quadra de lá, aterrorizavam-me. Chapadas dadas pela Klitas, claro. Muito feminina, mas uma bruta! Vinha sempre dizer: "Ouve lá, tu inventas, e sai tudo certo. Tens uma grande lata!". Eu fugia por onde podia com a bola na mão. Como não podia ir para muito longe, era apanhada. E gritava-lhe em pânico: "Larga-me. Deixa-me ir servir, caraças! Ainda não ganhámos o jogo. Tenho que me manter concentrada. Olha o árbitro! Olha a cena! Olha a Margarida Leite (a nossa treinadora). Socorro!".

 

No entanto, preferia aquilo aos beijos e abraços no meio do chão. Ela batia-me porque achava que os meus serviços tinham qualquer coisa a ver com estar a gozar com as pessoas. Talvez. Mas eu não fazia por mal. Saia-me. E se não fossem aquelas agressões afectivo-idiotas da Maria Carlos, o meu gozo seria absoluto.

 

Porém, a Klitas era cruel. Éramos da mesma turma também. Não me perdoou a gorda. A gorda que se veio "alapar" em mim. Fiquei esmagada. Eu era uma adolescente que prezava a sua reputação. Não queria andar com a gorda nos intervalos. Como é óbvio. Nem mesmo que se sentasse ao meu lado nas aulas. Evidentemente. Depois, tinha a Klitas. Que me ocupava por inteiro. Dei a entender isto. Mas a gorda era uma chata de galochas. Não tinha vergonha. Ignorou o meu mal-estar e caiu-me em cima. Decidira que eu haveria de ser a sua amiguinha inseparável. Ainda hoje estou para saber porquê. A Klitas lixou-me logo. "Andas com a gorda, não andas comigo!". E eu: "Epá... Ó klitas, não me faças isto, por favor!". E ela: "Larga a gorda!". E eu: "Ela é que não me larga!". E ela: "Deixa-a sozinha!". E eu: "Não tenho coragem.". E ela: "Então, só estamos juntas nos treinos e nos jogos". E eu: "Mas porque não podemos estar as três? Ajuda-me lá nisto.". E ela: "Deves pensar que eu estou para ficar sentada nos intervalos e nos "furos". E passar a vida a ir comprar bolos ao bar. Tem mas é juízo! Ainda por cima, é o pessoal todo a gozar. Tudo a chamar baleia. Olha, desenrasca-te".

 

E eu não me desenrasquei. Fiquei a amiguinha inseparável da gorda. Como a gorda queria. E portanto, enchi-me cá dum ressentimento... contra a Kelitas? Não. A Klitas estava certíssima. Contra a gorda!

 

Assim, pensei que a minha agonia relativamente à obesidade, que até hoje se mantém inalterável, vinha daqui. Desta tristíssima passagem da minha vida de adolescente. Só agora percebo que não. Agora que reflecti melhor.

 

É muito anterior. Muito anterior. Remonta à infância. Á mamma. Um dia a mãe estava muito irritada com uma senhora de grandes dimensões que a seguia um bocado por todo o lado. Eu reparava nisto. Que a senhora andava sempre a querer conviver com a mãe. Porém, imaginava que a mãe também querida conviver com ela. Até que apanhei um choque. Em conversa com uma amiga, basicamente a mamma disse que não tinha paciência para aturar "aquele bezerrão". "Bezerrão", pensei eu. O que será um "bezerrão"? Não vi imediatamente que era um bezerro enorme. Porque não me parecia razão suficiente. Ou seja, a mãe não  podia estar aborrecida com a senhora só por ela ser gordíssima. Portanto, não tinha ideia do que era aquilo. Só podia ser um grave defeito de carácter. Sou pouco esperta, portanto.

 

Calei-me. E fui investigar. Saber o que era um "Bezerrão". Não perguntei directamente a ninguém, para não revelar os segredos da mãe. Mantive-me por longo tempo numa investigação discreta. Uma investigação que durou pelo tempo em que o meu irmão António demorou a sair-se com esta: "olha-me para aquele bezerrão!" Olhei ansiosa para a televisão. Ao fim de várias semanas de espera ia finalmente saber o que era um "bezerrão". Mas ele já sabia? Como? Bom, não importa. Espetei os olhos. Afinal era um actor infinitamente gordo. Um "bezerrão". Pois. Claro. La mamma odiava gordas. Afinal, era um defeito da personalidade. Das gordas. As pessoas não tinham nada que comer sem destino. Era isto que a mãe pensava firmemente. A infância marca-nos. Se marca!

 

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