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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

SOMOS TODOS MUITO BONS


Tita

14.03.11

 

Somos todos muito bons. Mas tão estúpidos que costumamos secretamente “comparar o nosso interior com o exterior dos outros”. As aspas aqui indicam obviamente que não estou a dizer coisas originais dentro das aspas. Foi um amigo que falou nisto no outro dia. Trocávamos ideias sobre autoestima. “Pois, eu visito aqueles sites porno. E às vezes fico lá horas”, dizia ele. E eu: “ o que tem isso?”. E ele: “Sinto-me mal. O vício, sabes?” E eu: “Não vejo onde está o problema. Qualquer um se vicia numa coisa dessas. Por definição é assim”. E ele: “Mas há tipos, amigos meus, que lá vão e não ficam tão obcecados.” E eu: “Quem te disse?”. E ele ficou calado. Acrescentei então: “Esses gajos não te contam o que tu me estás a contar agora. Talvez se sintam tão mal ou pior do que tu. Mas como se riem quando falam do caso, imaginas que estão cool. Tu também lhes deves parecer cool. Porque não lhes dizes como te sentes. Também te ris para eles, claro”. E foi aqui que ele soltou a frase. “Pois. Comparamos sempre o nosso interior com o exterior dos outros”. Ora nem mais. Somos tão bons que mostramos o nosso exterior no nosso melhor. Que é para ver se os outros se sentem menos do que nós quando secretamente o comparam com o interior deles. Assim, podemos fingir todos que somos todos muito bons.

 

O processo descrito cansa-me. Estou farta de pessoas impecáveis e bem sucedidas. Como eu. Eu significa toda a gente. Gente que sabe sempre o que diz e faz, dizendo e fazendo sempre as coisas mais acertadas. Cansa-me o brilhantismo e a pertinência. Estou saturada de feitos cheios de qualidade e bom senso.

 

Por outro lado, fico impressionada com a crítica. Enquanto críticos, somos todos muito exigentes. Isto é porque fingimos que somos todos muito bons. A crítica finge que aspira à excelência. Como se fosse um motor para a melhoria das coisas. Porém, no que se repara é que a critica só serve para contrariar. As pessoas e os factos que nos contrariam. A Clara Ferreira Alves é muito boa naquilo que faz. Por isso não percebo porque razão se disse no outro dia no Jugularque um texto dela era pobrezinho. A Clara Ferreira Alves tem direito a não ser brilhante em todos os momentos da vida em que está acordada. Nunca me preocupei em saber das suas preferências políticas ou das suas crenças estruturais. Sinto verticalidade e coerência. Também inteligência. A Clara Ferreira Alves é capaz de escrever textos pobrezinhos e dizer disparates. Era o que faltava que não fosse. Mas não era o caso, por acaso. Mas e se fosse? Tudo que é bom da Clara Ferreira Alves não passaria a pobrezinho e medíocre. Uma mulher tem direito a estar cansada. Sempre que estiver, terá a minha compreensão porque já disse coisas que me ensinaram coisas. Agradeço-lhe. Se não fosse humana, seria brilhante em todos os momentos. Ou seja, uma grande maçadora. Assim, é das mulheres portuguesas públicas que mais me prende a atenção. Talvez também por me parecer integra. E disto eu gosto muito. É integra no que me aparece. Logo, je l’aime.

 

Todos somos pessoas banais. E isto é muito bom. Só é má a parte em que não se aceita este facto. Por vezes fazemos coisas boas, mais ou menos ou excelentes. Por vezes temos mérito, pouco mérito, muito mérito ou mérito nenhum. Por vezes estamos cansados e só queremos ir para casa. A genialidade anda sempre acompanhada da estupidez pura. Por outro lado, a estupidez pura às vezes tem rasgos de génio. E isto ainda se aplica à Clara Ferreira Alves, que não é nada estúpida, antes pelo contrário. Mas serve para qualquer um de nós, que temos mais probabilidades de fazer coisas estúpidas do que brilhantes e que, em geral, somos apenas produtores banais. Acredito na excelência dentro de cada um de nós. Se não andarmos a fugir da nossa autenticidade, ela acabará por surgir aqui e ali. Nem sempre estúpidos. Nem sempre excelentes. Nem sempre banais. Mas nunca melhores do que os outros em termos globais. Por muito que uma verdade destas doa a alguns, muitos, de nós.

 

Acresce que estamos sempre a qualificar e a agrupar as coisas e os factos em conjuntos e grupos. Quem não cabe num é metido ou mete-se noutro. Quem não encaixa em nenhum é metido no grupo que está contra ou é desqualificado por não ser suficientemente mau e vai para este grupo. Li o que escreveu um sociólogo sobre “Os Homens da luta”. Pareceu-me que estava a lutar contra eles porque não concebia que estes tipos até agora não podem ser encaixados. Não se pode dizer que eles “acabaram por dar impacto ao evento que precisamente pretendiam ridicularizar”. Como é óbvio, ao aparecerem no Festival da Canção “Os homens da luta” foram capazes de sacudir para longe o nosso tédio. Mais nada. Por mim digo: ainda bem que valorizaram o Festival da Canção com isso. Não foram lá para ridicularizar nada. Este sociólogo fez uma declaração estúpida, portanto. E confirmou o que eu tenho vindo a dizer. Somos banais e a maior parte das vezes dizemos coisas estúpidas. Temos que ser compreensivos uns com os outros. Eu sou compreensiva com este sociólogo publicável. Mesmo que me irrite que o tipo ande cheio de si próprio. Nu, no fundo ele sabe que não é assim tão bom. E eu também sei. Qualquer um de nós percebe isto. Basta não compararmos o nosso interior com o exterior dele.

 

Ainda sobre o festival da canção, eu tenho boas recordações. Era uma coisa do tempo dos dois canais RTP. Faz parte da minha história de vida em crescimento crucial. Não queria que caminhasse em passo agoniado para a morte. Por isso obrigo-me a ver anualmente a coisa. Como um dever de lealdade para a cumprir. Atravessar uma verdadeira seca. Lá estava eu este ano outra vez. Desanimada.

 

Inesperadamente, diverti-me imenso. Os “Homens da luta” fizeram o favor de me fazer este favor. Eu não ando em luta nenhuma e nunca telefono para concursos. Foi tão bom, que liguei pela primeira vez o número. No fim, senti que ganhei. A participação e a vitória destes tipos não foi um facto destrutivo, mas um fenómeno desconstrutivo. Um balão de oxigénio. Agora é melhor repensar os propósitos do Festival RTP da Canção. Acho. Não sei. Acresce que não fui para a manifestação “À rasca”. E se fosse seria apenas para registar o que de eventualmente divertido se pudesse passar por lá. Lamento.

 

Sei lá o que foram os “Homens da luta” fazer ao dito festival. Talvez promoverem mais um bocado as coisas que andam a fazer. O seu trabalho. Não acredito que pensassem que ganhavam. Também não foram para lá gozar. Têm de ganhar dinheiro para viver e procurar por isso o seu nicho de mercado. Eventualmente, teriam mais convites para festas académicas. Como o Quim Barreiros já teve quando se deu a onda Quim Barreiros. O pessoal das universidades que lá estuda tem gostos diversificados desde que a cena seja para o incomum. Claro que os homens da luta nada têm a ver com o Quim Barreiros. Por mim, ainda bem. Não telefonava para lado nenhum por causa do Quim Barreiros. Talvez seja por causa do bigode demasiado farfalhudo e de concomitantemente estar sempre a cantar sexo. Parece que não faz em qualidade ou qualquer coisa assim.

 

Bom mas os "Homens da luta" apresentaram-se à RTP e ao público que sente muito pelo Festival da Canção como são. São um bocado anárquicos. Dizer que “são maus actores cómicos” e que “Ricardo Araújo Pereira é Ricardo Araújo Pereira” é querer outra vez meter as coisas em caixinhas muito organizadas. Há o Herman, há o Nicolau, há os “Malucos do riso”, há o Bruno Nogueira, há o “Gato Fedorento”. Caixinhas de estilos de humor. É preciso meter os tipos da luta numa destas caixinhas? Parece que sim porque dá mais conforto à cabeça. Isto é democracia. Igualdade e uniformidade. O que é diferente agrupa-se em diferentes grupos no objectivo da inclusão. Na verdade, em democracia há liberdade a mais. Se não se organiza a vida de toda a gente, ninguém se entende. É preciso qualificar as coisas de uma maneira qualquer. Não importa se bem ou mal. Importa arranjar uma fórmula para dizer o que é. Assim já sabemos todos do que estamos a falar. Em democracia ter parâmetros é muito importante. No império da crítica é necessário dar os nomes aos bois que é para dizer que este boi é bom e aquele é mau. O bom é meu amigo. E o mau é detestável. Falo da democracia portuguesa.

 

É verdade que nem sempre me ri com as cenas dos tipos na SIC Radical quando resolviam estar na luta. Gostava mais do "Carlinhos o machista gay". Mas muitas vezes ri-me. Se estes gajos estão a gozar com alguma coisa, é mesmo com as parvoíces revolucionárias e com todos os revolucionários e contrariadores em geral que são apenas isto. Ou seja, com os idealistas da canção, da guitarra e do bigode Cheguevara. Aquele pessoal que gosta imenso de estar nas manifs, mas pouco faz pelo próximo. Os homens da palavra e da cervejola que nunca foram capazes de ultrapassar com sucesso a questão do generation gap e depois, sem riscos e quando há oportunidade para isso, clamam que estão contra o mundo em geral. 

 

Neste quadro, o tipo de humor dos manos Duarte é outro. Improviso e coragem física, uma lata descomunal e a mania da provocação. Sempre gostei de pessoas que fazem o que lhes apetece e se divertem imenso a fazer isso. Aplaudo quando alguém consegue conquistar alguma coisa sendo assim. Espero que fiquem ricos. Como é óbvio, se começarem a levar-se muito a sério, talvez percam o melhor que têm agora. E talvez percam a graça também.  Não sei se já entraram por aí e já fingem que se preocupam com as cenas sociais e tal. Não leio as entrevistas. Gostei do que vi até à vitória no festival nacional. Faço apenas questão de ver como será na Europa. O meu registo é este. Festivais a cheirar a mofo e cheios de produtos de péssima qualidade, actualmente, vindos sobretudo do leste. Espero que me voltem a divertir. Porque o Festival Eurovisão da Canção é um verdadeiro massacre. E no entanto faz parte do meu património. É muito importante para mim não suportar este concurso e no entanto desejar que tenha, pelo menos, algumas coisas boas.

 

Enquanto Presidente da República, detesto o Cavaco Silva. A pessoa não conheço. Mas espero sempre que ele, o presidente, diga alguma coisa boa. Quero elogiá-lo, por favor. Não gosto de legumes e fazem bem à saúde, pelo que procuro sempre comer bastantes. Não estou, claro, a comparar Cavaco com um legume. Só com a esperança de que haja por ali alguma espécie de vitamina política. A verdade é que tenho que respeitar a vontade democrática e aceitar que este homem vai andar por aí a discursar por mais uns anos. Tem que tirar alguma coisa em condições da horta.

 

Há pessoas desonestas que por vezes não o são. Há pessoas honestas que roubam no supermercado. Fico contente com as duas coisas. Nem todas as piadas saiem bem. Nem todos os discursos são perfeitos. Há textos vazios. Cometem-se erros graves com influência nos destinos nacionais. Há muitas coisas boas e más produzidas por todos nós. Mas sobretudo, não há ideologia nenhuma. Se as pessoas tiverem valores e fizerem o melhor que podem, já não é nada mau. E o cansaço afecta toda a gente. Porque é que não podemos simplesmente fazer merda e pronto? É que fazemos. Todos.

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