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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

AZUL - Cap VI


Tita

14.09.16

Teresa: Olá, Madalena. Como estás?

Madalena: Teresa?

Aquela voz. Era-lhe tão familiar. Aquele timbre tão suave. Por instantes Teresa saiu dali embalada pela voz que se projetava no ar, flutuando para a envolver como um abraço quente. Não a ouvia há vinte anos. Lembrou dolorosamente ao regressar.

Teresa: Madalena?

Com a mão sobre a porta, Madalena olhava para Teresa com calma. Muito consciente de que se encontrava na posição de quem nada tinha a dizer nem qualquer interesse que desejasse ver satisfeito. Lembrou-se igualmente do tempo que passou sem ver Teresa. E acentuou esta ideia no seu espírito. “Uma ausência de vinte anos é quase uma morte”. Uma ressurreição neste contexto não lhe fazia sentido. Mandou-a entrar. Já na sala, apontou para o sofá de veludo sangue de boi de três lugares. O velho conhecido sofá da casa dos pais de Madalena. Já era antigo há vinte anos atrás.

Madalena: Senta-te. Queres tomar alguma coisa?

Teresa ficou de pé no meio do tapete em frente ao sofá.

Teresa: Não, obrigada.

Deu dois passos em direção à janela. Mas podia ter virado para a porta da rua.

Teresa: Vim por um impulso... Achava que nem estavas.

Madalena: Estou a fazer o doutoramento. Como soubestes do meu regresso a Lisboa? Não cheguei há muito.

Teresa: Foi lá no escritório. Acabaste o curso em Coimbra e ficaste por lá a dar aulas, não foi?

Madalena: Sim.

Ficaram momentaneamente caladas. Depois Madalena ouviu-se inopinadamente perguntar:

Madalena: Como está o Diogo?

Teresa: O Diogo? O Diogo morreu.

Madalena: Morreu?

Teresa: Sim. Há dezoito anos. Estivemos casados dois anos apenas. Morreu com um cancro.

Madalena: Um cancro... Dois anos depois. Ninguém me disse nada... Os meus pais. Hum... Claro. É natural. Mas tu estavas grávida e...

Teresa: É uma rapariga. Chama-se Clara.

Madalena: Ah!

Teresa abriu a boca. Ia dizer alguma coisa. Acabou por desistir. Aproveitou o movimento para encher o peito de ar e fixou-se no rosto de Madalena como que à espera de uma indicação sobre o que fazer. Madalena nada fez. Teresa espantou, por fim, o silêncio:

Teresa: Casaste?

Madalena afastou rapidamente os olhos das unhas onde estavam. Olhou para Teresa e riu-se.

Madalena: Casei? Mas porquê? Imaginas que depois do Diogo se atravessar na minha vida eu mudaria tudo?

Teresa: Não é assim.

Madalena: O que não é assim?

Teresa: Eu é que atravessei o Diogo na tua vida.

Madalena: De qualquer forma, nunca lhe guardei ressentimento. De resto, ele não teve culpa de nada. Usaste-o. E para isso enganaste-o. É simples.

Teresa: Eu não uso as pessoas, Madalena.

Madalena: Só se mudaste depois disso. Na altura, não o fazias de facto na maior parte das vezes. Porque não precisavas. Mas quando precisaste, usaste. Toda a gente.

Teresa: Não é verdade.

Madalena: A verdade... Pois a verdade. Falas em verdade. Tu que mentiste tanto. Não percebes que mentiste? É espantoso. Se não percebes é porque não sabes que a verdade é. Independentemente do que desejamos que as coisas sejam. A verdade transcende o nosso ego e as nossas construções. A verdade são os factos. E de facto tu usaste-o. E a mim.

Teresa: Cada pessoa tem uma consciência. Eu agi de acordo com a minha. Não queria fazer mal a ninguém. Por vezes não podemos contar tudo às pessoas. É pior. Acredito.

Madalena estava de costas viradas. Não parecia já interessada em prosseguir por aquele caminho. Pelo menos para já. Mantinha a serenidade e não tinha pressa em ouvir explicações. Nem estava certa de as querer, aliás. Na verdade, apenas lhe interessava saber o que Teresa fora ali fazer. O que queria hoje. O passado estava mais que explicado. Era sentido. E morto.

Teresa: Tens alguém?

Teresa compreendeu demasiado tarde o que acabara de perguntar.

Teresa: Desculpa. Não queria...

Madalena: Não te preocupes. Tenho uma pessoa.

Teresa: Claro. E os teus pais?

Madalena: Os meus pais mudaram-se para a casa de Bragança e deixaram-me esta. E tu?

Teresa: Eu? Eu não tenho ninguém. Desde que o Diogo morreu que não tenho nenhuma relação séria com ninguém. Enfim, só uns namorados. Agora não tenho ninguém.

Madalena sorriu suavemente.

Madalena: Eu só queria saber onde moras.

Teresa levantou-lhe os olhos.

Teresa: Não brinques. Não acredito.

Madalena: Como queiras.

Teresa: Não voltei a apaixonar-me.

Madalena: Mas tu não estiveste apaixonada pelo Diogo.

Teresa: Eu gostava muito do Diogo.

Madalena: Toda a gente gostava muito do Diogo. Mas e a vossa filha, com quem se parece ela? Contigo ou com o pai?

Teresa: Se não te importas, preferia não falar sobre a minha filha.

Madalena: E porquê?

Teresa: Não importa.

Madalena: Como queiras.

Teresa: Olha Madalena, este assunto entre nós afinal nunca me deixou em paz. Depois de te saber de volta, algo muito extraordinário se passou. Foi como se tivesse acordado de uma espécie de sonambulismo. De repente parece que o tempo não passou.

Madalena sorriu.

Madalena: O tempo não passou e nada aconteceu.

Sustentava o sorriso largo na face morena, que avançou na direção de Teresa. O seu ritmo interno parou provisoriamente. Uma pausa para dar início a uma nova toada. Talvez mais rápida.

Madalena: Não acredito em ti, Teresa. De contrário, terias aparecido muito antes. Mas ainda que não estejas a mentir ou a imaginar, a verdade é que hoje, ao fim de vinte anos, já não posso fazer nada por ti.

Parou e lançou de novo:

Madalena: Talvez agora precisasses de um amigo. O problema é que tu não tens amigos. Nunca tiveste. E eu não posso ser tua amiga.

Teresa: De facto não mudámos muito. Tu conheces-me e afinal ainda te lembras bem de mim. Não te vou dizer que não. Há muitas pessoas que gostam de mim. No entanto, sabes bem, detesto partilhar a minha intimidade. Além disso, nunca fui pessoa para me andar a lamentar. Não tenho portanto nenhum amigo no sentido em que estás a falar.

Madalena: E ainda menos foste pessoa de ouvir lamentos.

Teresa: Bem sabes que nunca tive paciência para certos sentimentalismos. A maioria das pessoas é dada ao exagero. As mulheres adoram um drama ou uma bela comédia. Não importa. Desde que tenham um pretexto para verter uma lágrima. Enfim, digo pretexto para não falar em interesse. Já os homens parece que não percebem bem certas coisas. É como se algo dentro deles não estivesse bem afinado. Seja como for, estou-me a dispersar. Nada disto interessa para aqui.

Madalena: Ora o choro, Teresa. Que mal te faz o choro.

Teresa: Faz-me mal a falsidade ou pelo menos o exagero.

Madalena: Não podes deixar de saber que nem todas as lágrimas são falsas.

Fez uma pausa que Teresa não desejou aproveitar. Prosseguiu, então.

Madalena: E as outras mentiras, também as detestas?

Teresa: É verdade que nem todas as lágrimas mentem. Mas mesmo as verdadeiras são essencialmente inúteis e desmotivadoras.

Madalena: Claro que não te interessa ver que a questão não se coloca nesses termos. O que importa é se é ou não é sentido. No entanto, tu ainda valorizas menos os sentimentos do que as lágrimas. Deve ser porque as lágrimas ainda se veem.

Teresa: As pessoas têm de ter a atitude certa para enfrentar os problemas. Chorar não adianta e, creio eu, enfraquece o espírito.

Madalena: Sabes, hoje em dia na minha vida já não me interessava discutir este assunto contigo. Jamais te procuraria. Afinal o que queres?

2 comentários

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    Tita 15.09.2016

    Assim, nesses termos, não vai de certeza. Mas acontecerão coisas.
  • Comentar:

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