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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

AZUL - XLIX


Tita

06.10.16

Madalena: Percebo que, digas o que disseres, tu és mãe da Clara e não amante dela. Tenho a certeza de que mil vezes tiveste que fingir que não tinhas medo. Que não choravas. Que tudo estava bem. Não poderia ser de outra forma. Como ensiná-la se não estivesses acima dela? Das suas fraquezas. Das suas ansiedades. A miúda perdia-se. Os pais são pais. Atores, tantas vezes. Talvez tenha sido a falta de alternativas que te obrigou a crer que a tua filha te resolveria todos os problemas do coração. Talvez tenhas resolvido os do corpo com uma ou outra cambalhota que deste com este ou aquele tipo simpático. Talvez, a certa altura, já depois da morte do Diogo tenhas pensado, como me disseste, em voltar para mim e tenhas concluído que eu não te aceitaria. Talvez a própria morte do Diogo não tenha deixado de ser um alívio para ti.

Teresa tinha posta uma máscara de indignação.

Madalena: Não faças essa cara, Teresa. Duvido que o sexo regular com o Diogo não estivesse já a agoniar-te sinceramente. Ao ponto de te confrontar com a mentira. A mentira que tu insistes em dizer que detestas. Se ele não tem morrido, tu não aguentarias o casamento. Tu que tens de viver sempre de acordo com a verdade, ficarias confrontada com a mentira que construíste. As tuas temerárias e sofridas opções.

Teresa: Para que estás a ser tão brutal? Ainda os bons velhos ressentimentos, não é?

Madalena: Não. O nosso caso está resolvido.

Teresa: Sim? E como?

Madalenas: Agora não vamos falar disso.

Teresa: Sabes, Madalena, hoje parece-me que os últimos vinte anos da minha vida foram despojados de sentido. É como se tudo estivesse deitado por terra. Está um vazio tão grande. Uma angústia tão profunda.

Madalena: Lamento muito.

Teresa: Não queria. Não queria que ela se tivesse cruzado com essa Joana.

Madalena: Escuta Teresa…

Teresa: Ela não tem uma filha para proteger. Nem a mãe Amélia que a surpreendeu. Não existe nada que a faça renunciar ao que deseja. E eu, o que faço da minha vida, Madalena?

Madalena: Teresa, tu ainda só tens quarenta anos. Tens tanto para viver. Podes tanto…

Teresa não a ouvia com atenção.

Teresa: Pareço muito dramática, não é?

Madalena: Há certas coisas que é necessário vivenciar para se compreender.

Madalena também não ouvia Teresa.

Teresa: O quê?

Madalena: Tu tens algum razão para recear. Não é nada fácil manter uma relação com uma pessoa do mesmo sexo.

Teresa: Essa é uma das razões pelas quais eu não queria uma vida assim para a minha filha. Nem tudo é homofobia.

Madalena: Olha Teresa, nem tudo é assim tão complicado. Não é fácil mas também não é assim tão complicado. Eu pessoalmente tento tornar a minha existência o mais simples possível. Aceito que o meu interesse por mulheres, a minha natural orientação, não é escolha minha. É assim, Teresa, se eu gosto de mulheres, gosto. Se não gosto de homens, não gosto. Não me vou obrigar a viver de uma forma incoerente porque existem uma série de preceitos, conceitos e preconceitos sociais. Sabes, aproveito esta era de liberdade hipócrita para viver como me parece melhor. E evito definir, logo à partida, a minha própria insatisfação, frustração e o consequente desequilíbrio emocional.

Madalena sorriu. E depois olhou para Teresa com seriedade.

Madalena: Em que pensas?

Teresa: Naquilo que dizes e na Clara. E é verdade. As coisas não são o bicho papão que eu faço delas.

Madalena: É claro que não são. No mais, creio que tu estás em melhores condições do que a maioria dos pais para compreender as motivações da tua filha.

Teresa: Eu que talvez seja lésbica. Não é isso. Madalena?

Madalena: Talvez sejas lésbica? Tu és infernal, Teresa.

Teresa: Não é de mim que importa falar agora. Mas da minha filha.

Madalena: O que pensas fazer?

Teresa: Vejo que não posso fazer outra coisa senão aceitá-la. Se a Clara escolhe aceitar-se, o que posso eu fazer?

Madalena: A Clara escolhe viver positivamente. Vê se metes isto na cabeça.

Teresa: Talvez. Mas eu ainda preferia que as coisas não tivessem que ser assim.

Madalena: Compreendo. Mas são.

Teresa: São.

Madalena: E vais portanto aceitar a namorada da tua filha?

Teresa: Vou esforçar-me muitíssimo.

Madalena: Imagino que sim. Que o esforço vai ser grande. E como te sentes?

Teresa: Em paz, talvez. Não sei. E triste por nossa causa.

Madalena: Nós temos que aguardar. Também estou triste.

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