HOJE PODEMOS FALAR
Tita
25.04.17
Andava eu no 10.º ano quando a professora de Filosofia nos informou que uma das grandes reações logo após a Revolução do 25 de abril foi a corrida aos cinemas onde eram exibidos filmes pornográficos. Com efeito, segundo a senhora, viam-se filas intermináveis na zona da Avenida da Liberdade junto ao hoje desativado Cinema Olympia. Também havia muitos senhores a vender na rua revistas pornográficas (que até as crianças podiam comprar) e a prostituição entrou em alta, espalhando-se sobretudo pela zona da Baixa. Portanto, com a liberdade política surgiu imediatamente a democratização sexual (masculina), uma vez que, antes, a pornografia e a prostituição estariam apenas ao alcance de algumas bolsas, segundo a mesma fonte.
Até aqui nada de novo, pensei na altura. A “liberdade sexual” dos homens era total e apreciada na ditadura. Só não era democrática, como referi. No mais, por décadas mantiveram-se as desigualdades quanto ao género, as quais teimam em perdurar. De facto, na escola onde eu andava, as meninas não eram muito bem vistas se faziam sexo, sendo certo que os meninos continuavam a ser uns heróis em função das mesmas práticas.
Não obstante os importantes factos que antecedem, hoje não quero ir por aí. Hoje só me apetece sublinhar que o que mais importa do discurso da minha professora de Filosofia é o facto de ela o ter podido proferir. Contar uma estória da história aos seus alunos e alunas.
Embora não saiba sentir o que isso é, acredito que o que mais mal fazia à alma das pessoas subjugadas pela ditadura era não poderem falar sem medo. Na verdade, não sei o que significa falar com medo. Desconfiar de um e de todos. Construir muros de solidão individual com reflexos profundos no tecido social. Obliterar o amor e a solidariedade entre os homens e mulheres deste país. Não. De facto não sei como não se falava na ditadura.