Claro que tudo o que eu vou dizer indicia uma feminista a falar. Mas não sou. Como todas as mulheres, sou machista. Sou assim porque tenho culpa. Não a assumo, mas ela tomou-me o ser, e comanda-me as razões e as emoções. Tudo o resto é uma luta. No mais, não sei porque gosto de ser mulher, embora vá gostando. Esta espécie de culpa abstracta de carácter religioso é um aconchego. Tudo o que sirva para nos inferiorizar também nos desresponsabiliza. Não se pede a quem não é capaz. É assim, em regra.
Perante a vontade de Deus, há que baixar a cabeça sem solenidade, com o certo sentido da humilhação. Encostar os lábios ao chão, e comer o pó. Perante a vontade dos homens (e das mulheres, bem entendido) que nos vêm falar da vontade de Deus, o pó colar-se-á nos nossos lábios húmidos de saliva e de lágrimas de arrependimento. Porque a nossa boca está no chão, engoliremos o pó colado nos nossos lábios. Comeremos assim o pó. No fundo, comemos o homem. Porque, é preciso recordar, o homem (não a mulher) do pó veio e ao pó voltará.
Com efeito. E passo a citar, sob pena de não ser acreditada por dizer incredulidades: "A seguir (Deus - logo após a condenação da mulher ao que sabemos) disse ao homem (ao homem, homem, macho, não ao Homem no sentido de ser humano. É que este conceito inapropriado inclui, penso eu, a mulher): Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de onde foste tirado; porque tu és pó e ao pó voltarás".
Portanto quem comer o pó, seja, homem ou mulher, comerá, por assim dizer, o homem. Já num sentido mais actual dos termos, quem injectar o pó por algum tempo, será um junkie mais tarde. E há quem pense que é melhor ser drogado do que paneleiro. Pelo menos, eu já ouvi dizer isto. Quanto a ser preferível ser drogada a lébica, nunca ouvi dizer nada neste sentido. Mas isso é porque, como sabemos, as mulheres não contam. Pouco importa se injectam pó ou comem mulheres. De qualquer modo, mesmo que comam mulheres, não comem pó, comem, talvez....costelas... de homem. Uma sensaboria!
Já se sabe: a mulher é um produto de uma costela do homem: "O Senhor Deus disse: Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele". Aqui tenho de parar a citação. Estou com um bocado de falta de oxigénio no cérebro (Não consigo pensar, o que é natural uma vez que sou mulher). Agora segue-se um pequeno período de catatonia: UMA AUXILIAR. UMA AUXILIAR. UMA AUXILIAR. UMA AUXILIAR UMA AUXILIAR? UMA AUXILIAR?? UMA AUXILIAR?! COMO? UMA AUXILIAR! UMA AUXILIAR? O QUE É UMA AUXILIAR?
Pronto, já estou bem. Continuando: "Da costela que retirara do homem, o senhor Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem. Então o homem exclamou: Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher". Temos que aceitar. Porque vem na Biblia. E "é por vontade de Deus que eu vivo nesta ansiedade". E também foi "Deus que deu luz aos olhos e deu-me esta voz a mim". Á Amália, claro.
Por muito que procure, não consigo encontrar na Biblia o fundamento directo do racismo. Só da xenofobia. Mas, evidentemente, devia lá estar. Penso que há, por esta razão, uma grande falha na Bíblia. O Grande Livro de todas as resposta devia dar-nos a explicação para o facto de, por exemplo, os "pretos" serem inferiores aos brancos.
Porém, voltando ainda ao "Jardim do Éden", percebo agora, porque razão quis Deus retirar ao homem a faculdade (o poder, digo eu) de "gerar" e "dar à luz". Na verdade, as crianças deveriam ser concebidas nas costelas do pai e nascer-lhes por um buraco nas costas. E só assim não é porque foi preciso condenar a mulher às dores de parto. Porque a mulher se deixou enganar pela serpente e enganou o homem. Veja-se que o homem e a mulher comeram a maçã, mas a serpente não. A serpente tem mais personalidade do que ambos e a mulher, sendo mais estúpida do que a serpente, sempre é mais esperta do que o homem. É por esta razão que o único castigo da serpente consistiu em rastejar para sempre. O que não se pode dizer que seja uma má coisa, verificadas todas as vantajens conexas de que as serpentes gozam na vida. Perante tudo isto, só não sei o que dizer da cesariana.
Eu acredito em Deus. Tenho muito menos fé do que aquela que preciso. Mas acredito. Porque sinto. O sentir é algo que é pensado, e faz sentido na alma de uma pessoa. Eu sinto. Por sentir, gostaria de sentir ainda mais. Há uma força que vem disto. Uma força maior do que nós. Muito maior. Que, por vezes, nos afecta. Nos faz ser melhores. De vez em quando. Tenho pena que só me afecte e não me altere. Se me alterasse eu teria verdadeiramente fé. Ter fé é o meu maior desejo. É um sonho. No dia em que eu for capaz de ser justa e limpa; no momento em que eu souber como não sentir as minhas dores; na altura em que eu compreender o que significam exactamente o perdão e a bondade; nesse dia eu serei uma pessoa com alguma fé. Logo melhor. Por isso muito mais forte. É um sonho. E todos temos o direito de sonhar.
Portanto, que se calem o papa e os padres. Que se acabe com os deprimentes cânticos da igreja. Que não se ouçam mais salmos e provérbio recitados. Quer dizer, isto é só uma forma de falar. Ou seja, eu é que não estou para estas coisas, quem quiser, que coma o pó. De resto, a liberdade é um bem fundamental.
No entanto... vale sempre a pena abrir a Bíblia para ler o "Sermão da Montanha".