Orçamento do Estado, Soul music, o Povo e as Drogas
Tita
17.10.10
Andava aqui por casa a fazer o que ainda não foi feito - e não estará concluído tão cedo - enquanto ouvia uma coisa chamada Soul Train. Trata-se de uma colectânea de 5 cds de conteúdo muito Motown gravado ao som da respectiva época áurea. Claro que ouvir o Al Jarreau a cantar o Lean on me é um prazer que não vale a pena descrever. Assim como não vou perder tempo a falar do incontornável Rainy Night in Georgia, pelo Brook Benton. A questão é que estou com uma dor de cabeça monumental. Já tomei um comprimido. Agora estou à espera que passe.
Entre ontem e hoje, ouvi cada música dos 5 cds. Em conclusão, nunca mais perco esta minha mania de recorrentemente recorrer ao autoflagelo. Deve ser a história da culpa católica. Tantos rugidos a cheirar a álcool e metais revoltados a abrir, destruiram quase irremediavelmente o meu sistema nervoso. Acrescento ainda que o melhor que a Tina Turner fez na vida foi separar-se do Ike. Portanto, ainda bem que o homem lhe batia. Para a motivar a dar o passo decisivo, quero dizer.
De modo que passei para uns easy moods do Michel Legrand. Instrumental. Está a tocar. Mas tenho que ir ali desligar rapidamente. É que estou com a sensação de aeroporto e com a impressão que não fiz o check in. Acresce que não gosto muito de andar de avião. Tenho medo. Tenho medo, uma vez que, estou certa, se pedir para pararem aquilo para eu sair, ninguém me vai ligar nenhuma. Bem, tenho mesmo que ir ali desligar. Senão isto aqui vai ficar péssimo. Volto já. Já voltei. Demorei cerca de 2 segundos. Foi um bom tempo. Começo a sentir os efeitos. Estou a ficar calma. Resta dizer que, graças ao Xanax, sempre voo. Estou, portanto, perfeitamente disponível para viajar. É pois preciso usar de algum cuidado quando se criticam as drogas
Quando abri a página do Sapo para entrar no editor do blog estava lá a notícia que o PCP ía chumbar o OE. Eu disse notícia? Enganei-me. Não me lembro quando foi a última vez que o Partido Comunista aprovou um Orçamento. Provavelmente não estava atenta. De qualquer modo, o actual secretário-geral (como é que ele se chama? ... ah, Jerónimo de Sousa!) argumenta que "o partido votará contra devido aos insuportáveis sacrifícios para os trabalhadores". Creio que, na óptica do PCP, todas as medidas, de todos os governos e em qualquer conjuntura, implicam sempre "insuportáveis sacrifícios" para os trabalhadores. Para além de considerar que é uma vergonha ser assim tão demagógico e hipócrita, também acho que alguém devia informar Jerónimo que não é presidente de nenhum sindicato.
Era só um pequenino apontamento sobre a vida política nacional. Foi uma onda estranha que me tomou. Mas felizmente já se desfez. Como acontece a todas as ondas. Do mesmo modo que não gosto de discutir futebol, detesto falar de política. E, note-se, gosto muito de futebol e de política. Também gosto de pasteis de bacalhau. Mas tento comer em casa. Aquela imagem do copo de vinho tinto e do pastelinho é esmagadora. De facto, a política e o futebol despertam paixões de taberna, café da esquina, rulote ou autocarro. É em qualquer sítio onde calha o povo encontrar-se.
Observar o povo a fingir que se preocupa a sério com os problemas colectivos é demais para mim. O povo quer é saber de bola, de aconchegar o estômago e comentar da vida alheia. A este propósito, vou aqui introduzir um trecho do Pessoa. É pequenino e reza assim: " O povo é bom tipo. O povo nunca é humanitário. O que há de mais fundamental na criatura do povo é a atenção estreita aos seus interesses e a exclusão cuidadosa praticada, tanto quanto possível, dos interesses alheios". Sim. É do "Livro do Desassossego" de Bernardo Soares. Por fim, esclareço que não tenho simpatia particular por nenhum partido. Mas que, porém, sinto uma especial antipatia pelo PCP. No mais, sou orgulhosamente sócia do Benfica.
Mencionei as drogas a fechar o segundo parágrafo. Volto ao tema para dizer que a cocaína, a cafeína e a nicotina foram as únicas que me convenceram. Não sei muito bem que conclusão retirar daqui. Pode ter a ver com problemas de tensão. Tenho a pressão baixa. Para mim, abandonar uma grande paixão nunca constituiu problema insuperável. Faço uma coisas destas na mais completa descontracção no agir. Embora com a plena consciência que a dor... a dor dói. Por vezes, muito. Mas basta ser verdadeiramente necessário. Deixar. Assim, quando for verdadeiramente necessário, a nicotina também será abandonada.
Claro que estou a falar do meu instinto de sobrevivência. Está em forma. Melhor, sempre esteve. Nunca me faltou. Agradeço-lhe do fundo do coração. Já agora, também agradeço ao coração por saber bater-se tão bem com a dor. Nunca tive que lhe dizer "pára deixa de bater/eu não te acompanho mais". E, contudo, sempre vivi uma estranha forma de vida. No entanto, tenho um coração dependente. Conclui-se assim que há dependências boas. E voar é preciso.