VARIAÇÕES
Tita
26.02.07
Todos nós temos Amália na voz. O que quer isto dizer? É sabido que foi o António Variações quem o escreveu.
A propósito de ouvir esta canção, um amigo, que nunca foi pessoa para perder muito tempo em quaisquer actividades analíticas. Desatou a rir. Depois expressou-se mais especificamente, dizendo: "isto é um disparate. Mas é muito divertido!". Riu-se de novo com genuína satisfação. No fim do riso manteve o sorriso e as suas bochechas gordas estavam demasiado coradas.
Também me ri com aquela particular conjuntura no seu todo. Porém, tenho de confessar que não percebi onde queria ele chegar. Provavelmente, ele, que é meio inglês, e não escocês, também não queria chegar muito além do whisky que no momento saboreava. Pois é. É dos tais que gozam a vida e gozam com ela. Deve ser por isso que não é um alcoólico, como o Vinicius de Moraes era. Mas também não tem quaisquer pretensões. O meu querido amigo. Isso é bom. Gosto dele como é. Porque é autêntico nos seus defeitos e virtudes. E do Vinicius , noutro plano. O plano do avião sobre o Rio de Janeiro sob o sol da Guanabara.
A imagem do Variações tem talvez uma ligação, voluntária ou involuntária, com a história de Portugal e com as origens da nacionalidade. Viriato, Vasco da Gama e Camões. O homem lembra ou não lembra cada um deles e parece ou não parece uma composição de alguns pedaços de todos? É o que me parece.
Eventualmente, se tivesse vivido noutras épocas, António poderia ser visto como um guerreiro, um navegador ou um poeta. Por causa da imagem, claro. Mas viveu publicamente na década de oitenta do séc. XX. E foi, antes de mais, observado como um cantor com um grande ar de bichona.
Só que imediatamente Variações dá a volta perfeita a este particular contexto inicial, alterando-o irreparavelmente. Transforma-se no cantor da música que cai bem no ouvido. Neste processo em que surge ou nasce faz uma razia muito close ao pimba.Que, enquanto conceito instituido, ainda não existia. Mas alimentava os espíritos dos seus gurus, intérpretes e seguidores. Ou seja, a maior parte da população portuguesa votante e pré-vontante.
No entanto, António Variações vai parar definitivamente aos limbos. O som ficou ali por entre os planos do fado, da música de raiz tradicional e da pop, conquistando a osmose perfeita entre estas três tipicidades.
Mas para o que importa, todos os ouvidos (uns mais interessados do que outros é certo) lhe atenderam à musica. Foi então por aqui, por este canal, que passou a palavra. As palavras que escreveu, assim como quem não quer a coisa ou como quem não quer coisa nenhuma. Variações, que não era de modo nenhum um poeta escreveu coisas muito importantes que rimavam para poderem ser cantadas. Porque antes de mais nada ele queria era ser cantor.
Esta importância (a das palavras cantadas) vem, como é óbvio, da sua imanente sensibilidade, lucidez, honestidade, sentido crítico, inconformismo e, por que não, revolta. Tudo isto me parece mais ou menos incontestável. Na verdade, parece que o homem queria sempre dizer alguma coisa quando escrevia para cantar. Isto, para ele, era uma inevitabilidade. Fosse o processo consciente ou não. Veja-se, por exemplo, como ele gostava da "Maria Albertina". Gostava mesmo. Tanto que não resistiu a perguntar-lhe porque razão foi ela chamar "Vanessa" à filha. Aqui está expressa uma proximidade. Uma identidade. Uma preocupação. Não está?
Creio que esta questão está intimamente ligada à identidade de Portugal. Como quase tudo o que artisticamente António fazia. Daí ele ter-se lembrado de Amália. Arrisco eu.