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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

MARIA FILOMENA MÓNICA NA TV


Tita

04.03.07

 
Eu acho que o Eça se sentia extremamente magoado com o Dâmaso "trés chic". Nem sei se não foi por causa dele que se foi embora para o estrangeiro escrever sobre Portugal. É facil pensar num plano de fuga e executá-lo se nos andam a oprimir demais. A culpa deve ter sido do Dâmaso. Não de Portugal. Portugal terá sido o amor ao longe de quem e a quem se escreve cartas de amor. Se eu fosse o Eça, tinha-me acontecido isto. Como não sou, vivo aqui com este amor angustiado pelo meu país, inventando pré-literatura sem categoria literária.
 
Há uns tempos ouvi uma senhora muito abalizada a falar sobre o Eça na televisão. Maria Filomena Mónica. Como uma grande baliza cheia de bolas que parece ser, ela disse e disse. Devolvendo bolas à vez. Claro que há aqui um contra-senso. Se bem que as balizas servem para receber bolas, é certo que o objectivo do jogo, no momento da equipa que defende, é evitar isso mesmo. Que as bolas entrem. Neste aspecto, ninguém quer ter uma baliza cheia de bolas. Nem ninguém, muito menos,  quer ser a própria  baliza. Já viram os jogadores furiosos a dar pontapés nos postes e mesmo nas redes? É porque não estão contentes com as bolas que lhes entram pela baliza dentro. Por outro lado, não interessa falar na equipa que ataca. Essa, é óbvio, quer a bola na baliza. Quando isso acontece é uma alegria orgástica que se dá. Só que a baliza é dos outros. 
 
A senhora fartou-se de explicar o autor e a autoridade dele que, até parecia, era ela quem lha dava. Assim como quem descobre a pólvora, que toda a gente já conhece e usa mas não sabe explicar. Que é como quem diz, ninguém quer explicar a pólvora. As pessoas sem serem umas grandes balizas são inteligentes. Assim, basta-lhes saber que é muito intensa, explode, faz feridos, e essas coisas assim. A pólvora. É por isso que fingem (fingimos) sempre que acreditam (acreditamos) na pólvora descoberta pelos outros. Não querem (não queremos) magoar os sentimentos de ninguém. Todos nos calamos (todos se calam) com vergonha de dizer: “Olha lá, tu não descobriste nada”. Ou:  "Desculpa mas estás a inventar”. Ora, isto é pelo menos uma demonstração de grande delicadeza e compreensão para com o próximo.
 
Nisto, eu estou quase como sempre com o O’Neill . "Há mar e mar/ Há ir e voltar". Não se deve nem vale a pena explicar a arte em particular. E uma série de outras coisas muito importantes em geral. É que perdemos o tempo precioso de aprender. Acresce que, como dizia um amigo meu, “o meu sucesso é sempre um mal entendido”. Porquê? “Porque os meus leitores constroem entendimentos que eu jamais idealizei”. E agora digo eu própria: não há dúvida que o texto finalizado só o está depois de ser escrito e a seguir a ser lido fora da autoria original. Um texto, um bom texto, o único que existe, vê o seu poder paternal partilhado por muita gente sentidamente disposta a assumir tamanha responsabilidade. 
 
Aquela senhora televisiva foi convidada mais uma vez para falar num programa de televisão. E explicava o Eça. Invocava factos simples, logo inexplicáveis: o Eça pertencia à classe social x. Mais tarde foi aceite na classe x+1, mas não lhe foi concedido o estrato respectivo. Daqui e a partir também de outras factualidades também sem interesse nenhum para o que importa do Eça partia para a explicação da obra. Nada a fazer. É deixá-la falar.
 
Não deixa este de ser um modo de agir natural. Porque já nos habituaram a isso. Fiquei a assistir àquilo cheia de um mau pressentimento. Estamos habituados a ser o repositório dos estudos, criticas, ensaios, palavras ditas, produções dos outros. Sobretudo dos outros que não têm nada de verdadeiramente criativo e terno para partilhar. Daqueles que não produzem vida na vida de ninguém, Dos que são vazios porque não dão nada. Não sabem fazer trocas de humanidade. Porque também não têm nada para a troca. O que sabem é falar de construções. Edificações urbanas que consomem os espaços verdes. São incapazes de fazer um elogio. Mesmo ao jardim do Eça. É demais!
 
Ali estava ela, exibindo o seu bilhete de identidade. Sim. Ela não falava do Eça. Falava de si própria, usando escandalosamente o Eça que para sorte dela está sob um determinado aspecto, no aspecto prático, morto e não a pode questionar. Houve palavras ouvidas e vistas naquele dia  que ainda hoje me estão à frente dos olhos. Como se na altura  tivesse tomado um ácido a trip não estivesse completamente ultrapassada.
 
Afirmou-se que a grande tragédia do Eça enquanto escritor era ser português. Pois se não fosse era universalmente conhecido. Como é que ela sabe que o homem queria ser universalmente conhecido? Um escritor tem de escrever. Não tem como fugir duma fatalidade destas. Um escritor não quer ser conhecido. Quer ser lido. Por alguém. Não tem que ser por toda a gente. Nem por alguém muito importante. Oupelo mercado americano. Um escritor só precisa de escrever e ser lido. O resto são projecções que lhe são alheias.
 
Foi sublinhado que Portugal é pequeno e periférico. Pois. E então? A Bélgica é pequena. O luxembrugo. O prato da sopa. A colher de café. As jóias da coroa. Os diamantes da Merylin. Um chapéu. Um relógio. Um homem. Uma mulher. O World Trade Center era mínimo. O planeta.
 
O tamanho das coisas é relativo. Como esquecer isto e dizer convictamente: isto é pequeno. E mais, as relatividades não têm importância nenhuma, sob pena de, sem querer, nos andarmos a nivelar por baixo. Portugal é periférico em relação a quê? A quem? A que como? A que quando? A que onde? A que porquê?  Nos Estados Unidos, por exemplo,  é bom sinal viver na periferia do centro. Mas quem precisa dos conceitos americanos? Só mesmo os americanos e os crédulos.
 
Maria Filomena Mónica disse que se fosse, por exemplo, americana seria muito mais conhecida do que é. Tenho a impressão que os padrões de exigência americanos são elevados em muitas matérias. Isso pode servir para muita coisa ou não servir para nada, dependendo de quem analisa, ganha ou perde com o facto. Se ela fosse americana, não era portuguesa. É o que se compreende. No mais, não sabemos o que mudaria na essência das coisas. Que estação televisiva lhe abriria as portas para dizer bem da América? Se ela fosse americana, seria capaz de, sentidamente, dizer bem da América?
 
Ela disse que não lhe apetecia traduzir os seus próprios textos para inglês. Não sei se não disse que não tinha “pachorra” para isso. Também não sei porque haveria de dar-se ao trabalho. Mas isso é porque eu desconheço o trabalho dela. Só li dois livritos e uns artigos de opinião. Talvez não me tenha dado ao trabalho. De certeza não me dei ao trabalho. Sou indolente, abstraída e desinteressada, pequena, periférica e ridícula. Falo do que não sei. Talvez deva ser punida por dizer o que  senti. A senhora, percebe-se, jamais será castigada por falar do que nunca poderá saber.
 
Filomena afirmou que a língua portuguesas “lixava” (não sei se disse assim) os escritores portugueses porque o resto do mundo não sabe, nem quer saber português. Os nossos autores não são traduzidos. Os tradutores não traduzem a partir de línguas que desconhecem.
 
Bom, mas os tradutores estrangeiros é que devem traduzir as obras portuguesas? A obrigação de nos divulgar é dos outros? Nós queremos ser divulgados? Eu não sei. E posso não saber. Sei que houve uns quantos japoneses que decidiram aprender português só para saber o que Amália dizia na voz. Também não sei que significado pode este facto ter.
 
 Era um programa interactivo. Havia pessoas a telefonar. Todas a cumprimentaram com respeito e vivacidade numa espécie de deferência feliz. Uma telefonou até com o único propósito de lhe dizer que tinham amigos ou parentes comuns. Mónica não ligou muito a isso. Às afinidade expostas por esta especial telespectadora. Mas gostou do resto. Do conteúdo dos outros telefonemas cujo conteúdo era mais ou menos isto: O Eça está Morto! Viva a MFM ! A entrevistadora sorria com cuidado e admiração. Só podia estar confusa. Também não sei.
 
Realmente este meu desejo que todos os dias se vivifica num esforço sofrido de inadaptação é muito forte. Não interessa a mais ninguém, senão a mim mesma. Por outro lado, vai interessando a algumas pessoas porque as aborrece severamente. O meu virar de costas é verdadeiro, sentido e consciente porque sou capaz de segurar entre as mão o que me cai mal e deixá-lo cair, ou não, conforme os riscos. Cinismo ? Talvez e não.
 
Apetecia-me desatar aqui a explicar uma série de coisas. Mas não me parece que o deva fazer. Sobretudo, por uma questão de coerência. No mais, por convicção. Os factos, sem grandes explicações, falam por si. Se todos nós temos Amália na voz, onde anda o Portugal que fez nascer o Eça de Queiroz? Más videiras não fazem um excelente vinho. Portugal é bom. Indiscutivelmente. E sem explicações. É bom. Produz bons frutos. É bom.
 
No momento, e de há longos momentos para cá, Portugal anda triste, deprimido e humilhado. Não sei como conseguimos fazer isto a um pai.
 

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