INTROSPECÇÃO
Tita
26.03.07
Hoje de manhã surpreendi-me num ataque de histerismo que só visto. Não porque fosse de manhã. O que, por razões óbvias, até seria uma boa razão. Mas não. Foi outra coisa. O trânsito. O meu caminho tem uma parte complicada de passar. Muitas faixas de rodagem. Muitos carros. Alguns condutores totalmente a dormir. Outros completamente acordados. Até parece que não existe ali ninguém equilibrado. A fila e a confusão, sem serem enormes, têm efeitos claros sobre os sistemas nervosos em geral.
Os nervos de estar a conduzir às 8h da manha acordam-me sem eu querer. Havia lá na fila um senhor tão acordado quanto eu. Com tantos nervos como eu. Por isso que arrancámos ao mesmo tempo de lugares paralelos para o mesmo sítio. No entanto, como não cabíamos os dois no destino, alguém tinha que ceder.
Não estou habituada a ceder nestas coisas. Mas teve de ser. Porque o homem conduzia uma carrinha grande da DHL. Cedi. Apitei-lhe quando me vi forçada a travar. Para impedir o choque. Fiquei desvairada. Mudei de faixa e aproximei-me dele pela outra lateral. Abri o vidro e mandei-o comprar um carro que aquele era da empresa. Já ouvi dizer que o carro para muitos homens funciona como uma espécie de extensão do pénis. Desmoralizou. Vi na cara dele que desmoralizou. Acelerei. Adeus.
Por outro lado, não percebo porque fiquei tão histérica. Vou então introspeccionar. Introspeccionando verifico que algo me diz que ando frustrada. Masoquista. Irritada. Culpabilizada. Indisciplinada. Má filha. Amiga displicente. Aluna inaplicada. Só sei que não tenho vontade nenhuma de estar aqui. Neste momento histórico. Neste meu espaço de pisar. Não quero.
As únicas coisas que eu gosto de fazer é fumar, beber coca-cola light e to make love. Não necessariamente por esta ordem. Ando a fazer tudo isto talvez até em excesso. Agora vou comer um bocadinho de chocolate preto. Chocolate preto não como em excesso por razões obvias. Também não disse que estava autodestrutiva.
Não me apetece fazer-me bem nenhum. Porque não tenho disposição para fazer esforços para me sentir melhor. Do género, hoje vou fazer uma massagem. É um esforço ir até à massagista. E eu não mereço o esforço. Melhor, eu não quero merecer o esforço.
Estou chateada. Com o quê? Há muitas razões. Mas prioritariamente, estabeleço que não quero pensar em nenhuma delas. Todas as pessoas têm razões para andar chateadas na vida. Não é fácil ser adulto. É muito chato, mesmo. Eu não sou diferente de ninguém. Pelo menos, não quero ser. A menos que seja realmente.
Aliás, as minhas razões não são fortes para ombrear com a minha própria capacidade de encaixe e de dar cambalhotas. Sempre tive jeito para os números de trapézio apesar de, verdadeiramente, só por raras vezes ter subido ao baloiço pendurado lá em cima. Porém, quando fui, fui sem rede. Das poucas vezes que caí, fiquei apenas pendurada pelo pé. Pelo meu pé esquerdo. Não cheguei a estatelar-me no chão. Penso eu. Quero, pelo menos pensar. Senão, já estou irrecuperável. E eu não me vejo como um caso perdido. Sei que me subiu um pouco o sangue à cabeça. De certo modo, como hoje com senhor da carrinha DHL que evidentemente não era dele. Ao menos eu conduzo o meu carro. É positivo.