É O SEGUINTE
Tita
06.07.07
Era preciso ter muita lata para dar um título a este post no preciso momento em que o começo a escrever. E não sei exactamente do que vou falar. Assim, nas primeiras impressões próprias conscencializadas, não tenho assunto. Acho que é a primeira vez que isto me acontece assim, de uma forma tão definida.
É claro que outros momentos houve em que comecei a escrever e acabei a dizer coisas que, no inicio, não foram imaginadas. Porém, sempre tinha algo para começar. Alguma coisinha parvinha, pelo menos. Hoje não. Hoje nada. E ESCREVO. Estou a escrever. Enquanto o faço, concentro-me na busca do assunto. Um assunto qualquer. Mas, até agora, nada.
Parei. 3 segundos. Lembrei-me . É o seguinte: Ontem fui ver o "13 Ocean ...". Era isso ou o Manoel de Oliveira naquele filme com um nome francês. Não quero explicar porque razão é que as opções se resumiam a isto. Para o que importa, as escolhas eram estas.
Olhei para o cartaz (?) promocional do (novo) filme francês do Manoel de Oliveira. Estava um casal de idosos (?) sentado à mesa de um jantar (presumo eu, que iam ou estavam a jantar). Achei, foi quase uma certeza, vi como que iluminada, que o filme era aquilo. Aquela cena, apenas. Filmada de vários ângulos. Possivelmente sem falas. Uma ou duas lágrimas. Dois ou três sorrisos. Três ou quatro movimentos de mãos. Quatro ou cinco...bocejos do público.Não me interessa falar do Manoel de Oliveira porque considero que ele também não se interessa pelas pessoas normais que vão ao cinema. E, no entanto, o que importa é que ele seja feliz.
Mas o Manoel de Oliveira tem 100 anos. Se não são 100 são 99. Não. É quase certo que tem 100 anos. Feitos há pouco. Até recebeu não sei o quê, embora saiba que foi dinheiro, do Ministério da Cultura para fazer mais um filme por causa disso. Da idade, ao que me pareceu. Tenho vontade de chorar. Não quero ver esse filme. E quase me sinto obrigada.
No entanto, pode ser que a saúde de ferro, lucidez e óptimo aspecto do senhor, autênticos milagres, inexplicabilidades, tenham uma razão de ser e/ou sirvam algum propósito elevado (até agora, têm servido para absorver subsídios do Governo, prémios em conceituados Festivais de Cinema Europeu - onde se recebem animais de ouro, ou penas de cristal, ou, possivelmente, câmaras em rapé, o que não é fácil - bem como servem, sobretudo, para chatear). De acordo com os padrões normais, o Manoel de Oliveira é um idoso.E deixemos, finalmente, o Manoel de Oliveira em paz. O padrão normal que nos guia na identificação de idosos é a idade. E depois o aspecto físico.
Chapéus de padrão quadriculado sobre a cabeça pendida ao peito, bengalinha de madeira, joelhos arqueados pelas artroses, mãos secas e venosas. Depois do 70, um individuo torna-se idoso. Não importa o que ele produz e os dotes que revela. O aspecto que tem. É um idoso. O Manoel de Oliveira tem um brilho de vida no olhar. Afinal, cá está o Manoel de Oliveira de novo. Como é isto possível? Um sorriso de saúde as costas rectas por mais tempo do que as minhas.. E faz coisas de uma exigência intelectual que me transcende o comum dos mortais de 30 anos. Tem 100 anos. Podia apostar-se que não tem mais de 70. Porém, 70. Seria sempre um idoso.
Como disse, apesar de não deixar de o fazer, não estou interessada em falar do Manoel de Oliveira enquanto cineasta. Não gosto. Estou ressentida. A transposição do Simão Botelho para um écran ainda me causa pesadelos hoje. Sinistro, porém entediante. É preciso ter muito talento para fazer coisas sinistras capazes de matar as almas de tédio. O meu ressentimento vem do facto de, por uma vez, por aquela vez, ter dado crédito ao homem e ter ganho não sei quantas dezenas de minutos de vida em sofrimento. Esta o Manoel de Oliveira vai ficar a dever-me para sempre. Também não me interessa falar dele enquanto pessoa. Não o conheço de parte nenhuma. Não tenho por onde andar.
O que quero é falar de idosos. O meu pai tem 79 anos, a minha mãe 69. O meu pai é bastante idoso, portanto. À minha mãe falta um ano. Sinto-me ressentidíssima com isto. E já vou explicar porquê. A palavra idoso é absolutamente detestável, apesar das boas intenções supostas. Um dia, se tudo correr dentro da normalidade, todos vamos ter mais de 70 anos. Haveremos de ser idosos. E como vamos odiar saber isso! Um idoso é um individuo de muita idade. Muita idade! Não com muitos anos de vida, como se canta nos "parabéns a você", note-se. Idade demais, pois. Demais. Porquê? Para quê? Talvez para estar vivo. Artroses demais. Comprimidos demais. Despesa social demais. Demasiada tristeza. Porque ser idosos é ser doente. Então, todos os doentes são idosos. Todos os inúteis são idosos. Porque todos os idosos são inúteis.
Os meus pais resolvem problemas com uma energia, com uma lucidez, com uma capacidade resolver que eu não tenho. Os meus pais sentem-se e são mais capazes do que os filhos em quase todas as coisas que importam. Os meus pais fazem mais quilómetros a pé numa semana do que eu num mês inteiro. Ando, contudo, a tentar habituar-me à ideia de que eles são idosos. Que, na verdade, não são pessoas para fazer nada do que realmente fazem. Não compreendo como eles não se convencem de que são idosos. Quase todos os dias aparecem notícias na televisão a dizer isso. "Um idoso de 72 anos perdeu-se em pleno Rossio". Ou "a nova política para a terceira idade...".
As generalizações sociais são decisões mentais, na generalidade, estúpidas. De um género de estupidez que magoa, faz mal. Esquecem sempre os ângulos concretos da vida. Tenho a certeza de que a grande maioria das pessoas incluídas no escalão etário dos idosos, não o são. Doentes, inúteis ou pobres de espírito. E, ainda que sejam tudo isto, ainda que vivam estas situações, não são idosos. São apenas doentes, inúteis ou pobres de espírito. Embora eu não acredite em pessoas assim. Só, talvez, em doentes. Nunca em pessoas a mais. Com que direito nós declaramos que certas pessoas têm idade demais?