O MEU GATO
Tita
11.07.07
Pois foi. Tiram-me este gato. Era meu. Nem conscientemente sei bem porque razão ele é o núcleo do meu blog. Talvez porque se trata de perda. Não pedra. Por aqui falo de perdas e trato delas. De perdas. De qualquer tipo. Não sei tratar de pedras. Não me roubaram o gato. Tiraram-mo. O que é muitíssimo pior. Quem rouba deseja com um mínimo de intensidade. Quem encontra não age. Encontra e sente. Simplesmente.
É terrível quando alguém a quem devemos confiança (em quem confiamos por força dos sólidos contextos vivenciais que nos levam a confiar) nos coloca em situação de perigo. Neste caso, em perigo de perder o gato. No momento em que tudo se deu não pensei que o gato fosse desaparecer brevemente. Porém, compreendi que o deixava emocionalmente negligenciado. E alinhei nisto. Embora não me sinta culpada. Não tive realmente culpa. Por isso não posso. Naquele momento, precisava de tempo para mudar a situação. Um dia ou dois. Foi o tempo suficiente para o perder para sempre. Senti-me impotente como um doente acamado. Desesperada como uma criança.
Se um amor que não é amor (nem será,mas ninguémsabe), que era algo proveniente de uma grande paixão, estivesse em fase crescente com o tempo (o que, sem que se soubesse, também não estava), com uma coisa desta magnitude viraria os (meuss) olhos para baixo e decrescia. Foi o que sucedeu.
Comprei-o (embora não o tenha pago) numa exposição onde eu fui só para ver. Não queria nenhum gato. Muito menos um gato comprado. Não achava bem porque há muitos gatos abandonados na rua. E tal. Etc. Pois assim sendo. Encantei-me irreversivelmente. Com a beleza? Não. Ele era lindo por todas as razões. Foi a presença de espírito comunicativo. Queria brincar todo cheio de energia. Era um bebé. De cor diferente de todos os outros. Só mais tarde compreendi que era igual ao Garfield, mas vivo. Daí ficou Gaga. O gato Gaga. Faz sentido.
Era um preíodo incomum aquele que eu vivia há 4 anos. Apenas queria estar só. E só a escrever. Gostava de estar em casa a escrever. Podia passar os dias inteiros em casa. Seja isto bom ou mau. Com o meu gato deitado de barriga para cima e depois a rebolar sobre a secretária. Levantava-me de vez em quando. Sempre que necessário. Ele vinha como um cão. Sem o chamar. Imaginava que o som do teclado era um estímulo ou que uma caneta empunhada lhe estava apontada. Esticava a pata. Não me deixava trabalhar em paz. Fazia-me sorrir muitas vezes por dia. Fundamental! Parava para lhe falar. Ou para lhe apertar a barriga gorda. Mas não balofa. Na verdade. era um gato muito magrinho. Percebia-se isso depois do banho.
Todas as manhãs acordava com a cabeça nojenta e com a sensação de ter dormido pouco. Eu. Todas as noites ele vinha enfiar o nariz rosa inexistente no meio dos meus cabelos. Só nos meus. Fazia uns ruídos e parecia que se estava a assoar. Saía-lhe líquido transparente pelo nariz. A meio da noite repetia-se. Na época, eu dormia diariamente acompanhada. Mas sentidamente, para mim, só o meu gato é que ali estava. Demorei demasiado tempo a aceitar este facto. Foi assim. Não por culpa do gato.
Se a alma não é pequena, o espaço no interior do espírito é enorme e cabe muito dentro do peito. Cada entidade tem o seu lugar. Porque cada qual gera o seu próprio tipo de afecto e tem, por isso, a sua função. Nunca se deve economizar nestes espaços interiores. Não devemos empenhar a nossa alma com outras declaradamente pequenas. Ainda que a nossa possa estar apenas em fase de crescimento
Também existe um cão. Que, igualmente, perdi. No dia 31 de Dezembro de 2005. O grande conforto é que não o perdi. Roubaram-mo. Como disse, é muito diferente. Não posso dizer mais nada sobre ele porque ainda aqui está. Foram 10 anos. Uma vida! Para um cão. Devem ter pensado que era mais novo. Perecia.
O meu cão e o meu gato eram muito amigos por culpa do gato. Lambia-lhe (o gato) regularmente a cabeça (do cão) e gostava (o gato) de dormir na cama dele (do cão). Veio muito tempo depois, mas soube integrar-se. Ambos corriam atrás dos gatos. Gente que não era lá de casa, segundo concluiam. Queriam expulsá-los do jardim do condomínio. E conseguiam sempre. Não posso falar mais do meu cão.
O gato perdeu-se por negligência ou pelo chamado desinteresse puro de quem ficou a tomar conta dele por uns dias por querer sem o desejar (ficar comogato por uns dias). Saiu pelo portão que se fechou. Ficou do lado de fora. E ninguém deu pela sua falta. Só umas horas depois. Alguem o encontrou. Ele deve ter achado bem. Melhor do que ficar naquele espaço inenarrável. O pior é que nunca compreendeu porque razão fui eu levá-lo para ali. E o deixei lá. O pior para mim, claro. Ele não é um gatinho voltado para o sofrimento.