A MANSÃO
Tita
05.08.07
Descobri que a minha avó era doente mental. Não a verdadeira mã da mã nem a verdadeira mã do pa. Mas a outra. A Bubu . Tinha olhos azuis e o cabelo todo branco. Neste aspecto, nas cores, era do género da avó verdadeira, mã do meu pa.
A Bubu foi mais minha avó do que as outras duas porque viveu mais tempo próxima de mim do que elas. E a culpa não é de ninguém.
Sempre soube que a Bubu estava internada na psiquiatria. Este facto significava para mim que existia uma organização na "Mansão" no que diz respeito ao lugares onde se deviam acomodar as pessoas que lá viviam. Os critérios subjacentes a tais definições, desconhecia e não me importava com isso. Porque não me era importante saber.
Eu própria também vivia na "Mansão" com os meus pais num local próprio. Neste caso, porém, compreendia intuitivamente a razão. Em princípio, existia uma separação clara entre quem cuidava e quem recebia cuidados.
Sucedia-me, porém, por vezes cuidar de mim e, outras vezes, ser cuidada. As pessoas internadas eram, em geral, cuidadas, mas também se cuidavam entre si. Por vezes, até, cuidavam das pessoas que cuidavam delas. Era tudo muito promíscuo, bem vejo. Indisciplina nos afectos. Era o que isto significava tudo. Está correcto. A organização deve ser organizada para os afectos poderem fluir sem dsiciplina.
Nunca falámos sobre isso muito profundamente, mas estou convencida que foi a minha mãe quem me convenceu a ser netinha da Bubu. Quer dizer, preparou o clima, deu calor ao contexto.
Em nada estranho o facto de a minha mãe me ter confiado a alguém com problemas mentais. Porque nunca me aconteceu nada de mal, mas só coisas de bem. De qualquer modo, a minha mãe arrisca muito no que respeita às emoções. Não me lembro de tê-la visto perder alguma vez na "Mansão".
Hoje soube que a Bubu tomava muitos medicamentos e injecções, sendo certo que isso explicava a sua calma infinita. Fazer isto à Bubu, era organizá-la para a libertar para os afectos. Talvez. E que vivam as boas drogas. Se elas existem e o sofrimento se esvai.
Lembro-me de entrar pelo espaço do internamento psiquiátrico e ouvir gritos estridentes, corpos catatónicos ou baba no queijo das mulheres que gemiam. Aconteciam estas coisas com algumas, diariamente. Nunca vi a Bubu assim. Não sei porquê. Diariamente eu entrava por ali sozinha. Podia procurar a minha mãe, a Bubu ou andar a ver outra coisa qualquer. Tudo (estas vulgares viagens) começou com cerca de 3 anos.
Penso que a vida cá fora não é tão grata a nós, que lhe damos o nome. Vida. Nem nós lhe mostramos gratidão por ser o que é. A nossa vida, Na vida normal, a minha mãe mostrava-se muito menos mágica e pouco sorria. Vi-a perder muias vezes. Até comigo. Embora eu tenha perdido muito mais com ela. O melhor era nunca ter havido um jogo.
O meu pai só sentia para dentro e queria mandar em tudo de toda a gente. Sobretudo nos pensamentos. Nos actos, mandava mesmo. Creio que tenho dificuldades em perdoar-lhe. E eu tento muito. Talvez o ideal fosse libertar-me dele. Também tento muito.
Muito estará perdoado, porém, nada está esquecido. Eu previa isto no passado enquanto o assistia. Sabia que o futuro seria assim. Hoje o meu pai tem 79 anos e quer, do mesmo modo odioso que sempre quis, viver um projecto, exclusivo seu, recentemente inventado. E estica a mão em direcção aos nossoas cabelos. Soferá imenso se não os conseguir agarrar firmemente. Dou um passo rápido para trás. Não me apanha!
Hoje recuso-me. Já posso. Recuso-me com a dor de saber que está certo recusar. E com a culpa de quem não tem bem a noção do que está a fazer. Talvez eu não volte a ver o meu pai. Ele foi-se embora, estando presentemente a arriscar-se a morrer sozinho. A culpa ocupa uma parte de mim. Não me parece justo.
Nós, todos nós, temos a impressionante capacidade de tirar sentido à vida. Não me parece certo.