URGÊNCIAS!
Tita
13.08.07
Comigo quase tudo é urgente. Quero saber como acaba. O livro. O Filme. A peça. A história. O caso. A casa em construção. Não gosto de fases ou de etapas. O livro só me faz sentido total quando o leio pela segunda vez. Por isso retive tão pouco das centenas que já li. Apenas repeti uns quantos. A ansiedade impede-me de olhar os detalhes. Só gosto de detalhes depois de saber onde me vão eles levar. Sobretudo, depois de saber que não me levarão a nenhum lugar desagradável. A isto se chama desconfiar de tudo. Ter um traço marcante na personalidade que faz doer.
Viver sem confiança na vida tem várias implicações, também elas, negativas. Dúvida. Receio. Pessimismo. Porém, espantosamente, diria, tudo isto se dilui no momento do acto mau que acontece. Que acaba por acontecer porque é impossível não acontecerem coisas negativas. Aquelas que, precisamente, mantêm a referida insegurança, e que são temidas em abstracto. No momento em que elas se dão, a desconfiança esvai-se. Não há como desconfiar de um facto consumado. A dúvida desfaz-se. Não faz sentido desacreditar os cinco sentidos e a remanescente actividade cerebral. O receio autoliquida-se . Não pode manter-se sobre algo que está para vir porque isso é, então, um acontecimento presente. O pessimismo deixa de ter lugar. Não há mais expectativas. Em face da situação, o teste. Da força. Do carácter. Da coragem. Do optimismo. Em geral, verifica-se a passagem com distinção.
Ter urgência em saber o fim significa ter medo dele. É este medo que não permite a paz para viver cada pedaço pequeno, grande, médio ou mais ou menos das coisas que fazem parte da vida.
Por outro lado, que interesse terá olhar para as coisas como elas são? Para a casa como ela é. Para o carro como ele está. Para o emprego como ele se mostra. Para a namorada ou namorado como se revela. Para as limitações actuais próprias da relação amorosa. Qual é o interesse em olhar para estas coisas como se elas fossem apenas realidades sem dinâmica que preste? Para quem tem pressa em ver o fim, esta abordagem seria aproveitável. Estancar tudo, olhar e concluir. Que estável!
Porém, a ansiedade não reside apenas no medo do que virá. Ela monta um determinado tipo de desejo. O desejo de mudança. Mudança permanente. Mudança na evolução, de preferência. Ou mudança por destruição para começar outra coisa diferente, se assim tem de ser, mas esperando que não.
O que fazer quando não se gosta do quadro cuja moldura nos enquadra, para além da primeira opção, ou a hipótese fácil (estourar com a porcaria da madeira)? Esperar o momento certo para mudar. Enquanto isso, ir recolhendo todos os dados e objectos que serão necessários quando esse momento chegar. E se o momento certo não chegar? O que fazemos aos dados e objectos recolhidos? Queimamos juntamente com a moldura? Ou esquecemo-los e penduramos a moldura bêbados de frustração? Pessoalmente, acredito na existência do momento certo. Porque a sua vinda também depende um pouco de nós que o esperamos.
Mas recolher dados e objectos não é coisa que ocupe o tempo de uma pessoa com a dignidade que sempre se impõe. Necessariamente, o individuo deve procurar outras fontes de desenvolvimento físico e emocional. E esta obrigatoriedade é que é o mais difícil de tudo. É que a falta de entusiasmo numa ou duas áreas da vida de um ser humano é infecto-contagiosa em relação à outras. Eis aqui um grande desafio. Pelo menos, para mim.