CEIA DE NATAL
Tita
23.12.07
Estava a pensar no interesse que podem ter as coisas que eu aqui escrevo. Compreendo que há quem venha aqui ler. Não quero que ninguém me responda a isto. Estou apenas a reflectir.
Por vezes, escrevo porque já não escrevia há algum tempo. Por vezes escrevo porque algo se passa comigo. Por vezes escrevo porque tenho as minhas opiniões. Olho para o que acabo de dizer, e vejo que o assunto sou sempre eu em diferentes ângulos . A coisa está centrada em mim. Dai a questão. Porque hão-de haver pessoas interessadas nisto? É pobre, quero dizer. Eu acho. Sinceramente.
Podia dar informações preciosas. Coisas que poucas pessoas soubessem. Mas não. Podia opinar com encanto e imaginação sobre aspectos muito bem compreendidos da vida. Mas não. Podia escrever sem conteúdo mas com um estilo vertiginoso que divertisse ou fizesse sonhar. Mas não. Mas não posso fazer nada disto porque não sei.
Ando sempre a reflectir. Cada vez que aprendo coisas novas, compreendo que tenho mais dúvidas. Quando mais fundo se vai mais complexa é a realidade. Não sei, até se reflicto como devo. Deve haver uma regra, um método, para proceder à reflexão. Não tenho. Tenho o meu. Pouco cientifico. Muito parcial.
Não gosto de olhar para dentro de mim e verificar emoções mal justificadas. Não gosto de reflectir sobre isso, e fazer o esforço de mudá-las. O pior é que tem de ser. Depois de saber.
Na sexta feira tive vontade de não pagar uma conta. Ou seja, tive oportunidade de não pagar uma conta. Uma conta de supermercado. Sai sem pagar decidida a não pagar. Mas voltei atrás. Fui levantar dinheiro, e voltei atrás para pagar. Eu não queria pagar. Este foi o impulso. Mas não consegui. Porque o peito me começou a doer e o cérebro ficou branco. Dei meia volta e voltei. Paguei. Podia não o ter feito. Nada me aconteceria, e a culpa ainda era deles. Não interessa porquê. Foi uma situação rara. Ainda bem que paguei. As pessoas ficaram muito aliviadas, e agradeceram-me muito. Foi bom assim. Não percebo porque me confronto com dilemas destes. Porque não sou mais simples? Ou pagava. Ou não pagava. Devia ser assim. Não percebo porque tenho tantas dúvidas. Percebo que queria pagar. Senão, não tinha pago. Ponto final. Não é? Não porque não gosto de ter tido e respondido ao impulso de não pagar.
Ontem, no Canal 1, da RTP, deu um programa incompreensível a seguir ao telejornal. Em prime time , portanto. Organizaram uma ceia de Natal do mais requintado que pode haver. O programa era apresentado por um cozinheiro que supostamente todos devíamos conhecer, mas eu não sei quem é. Havia quatro ou cinco pratos de Natal. Iguarias religiosas (porque, enfim, a quadra é religiosa, acho eu) provindas de regiões diferentes. Da Suécia , do Havai, de França, de Portugal, claro, de... não me lembro. Os convidados, meia dúzia, eram pessoas importantes, por esta ou aquela razão, e havia lá um comandante careca desconhecido, que devia ser importante também. O cozinheiro tinha aquele corte de cabelo que não engana ninguém. Assim queque. Falava como só um chato pode falar. Não conseguia ser um comunicador porque era cansativamente expressivo. Estava em esforço. O que se me pegou imediatamente. Fiquei cansada por contágio. Estava lá o Mário Soares. O menu foi de príncipes . Todos falaram das suas pequenas e curiosas experiências natalícias . Um de cada vez. Totalmente desinteressantes. Mesmo a do ex-exilado António Barreto que passou um Natal a trabalhar na Suíça ou no Luxemburgo , carregando o correio de Natal que era imenso por ser Natal e foi muito duro, até porque estava imenso frio. O Continente do Belmiro de Azevedo patrocinou. Achei que a Simonetta Luz Afonso estava parecida com a Ana Marques, a senhora do PS e de Timor. A Sílvia Alberto era a mais nova de todos. E a mais bonita.
Reflecti. E não percebi nada. Mas que programa era este? Senti-me, como me sinto ainda, e até agora, uma comunista. E não sou. Não posso admitir que a RTP me faça sentir uma comunista nas vésperas do Natal! Não tenho nada contra os comunistas. Nem a favor. Mas pensei nas pessoas pobres e remediadas pobres que só têm a televisão para se distrair. Essas pessoas a verem aquilo. Os velhos, os sós, os pobres, os doentes. Estas pessoas assim, que não têm dinheiro para comprar prendas, que não vão receber prendas, que não têm dinheiro para cumprir os mínimos exigidos por esta época festiva. Terá a RTP pensado em alimentar-lhes pelo menos as almas com um programa destes? Podiam mudar de canal. Mas talvez não pudessem ter mudado de canal. Talvez se instale o conflito do acesso. Não posso ter, pelo menos posso ver. A RTP é uma televisão pública. Não tem o direito de colocar as pessoas nestas situações.
Eu gosto da Judite de Sousa, mas aquele programa com o jovem Salvador Mendes de Almeida... Aterra-me a sua tragédia. Sinto uma pena muito sentida por ele. Admiro-o pela sua coragem. É assim. Simplesmente. Não posso imaginar-me a viver o que ele vive. É um rapaz incomum, talvez. Porém, ainda bem que o Salvador pôde ir para um bom hospital espanhol logo a seguir ao seu acidente de moto. Ainda bem que pôde estar um tempo em Itália. Ainda bem que pode pagar a uma senhora para estar no quarto ao lado do dele durante a noite, e que vem quando ele a chama pelo walkie talkie . Ainda bem que ele tem aquela cadeira de rodas super especial que o sustenta de pé. Ainda bem que tem os médicos e os melhores fisioterapeutas. Ainda bem que teve acesso à tecnologia que lhe permitiu concluir uma licenciatura. Ainda bem que os amigos não o abandonaram. Ainda bem que tem namorada. Ainda bem que ele tem o espírito forte e positivo que demonstra. Ainda bem que pertence a uma família muitíssimo privilegiada . Espero que seja o único tetraplégico deste país, e que Deus o ajude sempre. E a mim também pelo que acabo de dizer.
E, para terminar: quem é o Justin Timberlake