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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

PRAZER


Tita

19.01.12

 

 

Viver não é um prazer. É isto que digo hoje. Incluídos os momentos de prazer que tenho o prazer de viver. Como toda a gente. Imagino. Estava aqui a ver se fazia isto funcionar como um espelho. Isto de escrever. De vez em quando resulta. Quando se fazem declarações pró deprimentes é melhor arranjar um método de repor a dimensão mental da realidade.

 

Agora devia começar para aqui a desvelar as minhas causas e motivações. Mas não me apetece nada. Portanto, o artifício do espelho não vai resultar.

 

Talvez deve começar a construir embirrações. Assim como quem dá socos para descarregar. Podia começar a enumerar coisas erradas. Dos outros, claro. Claro porque se fosse para me auto criticar era melhor estar quietinha. Pois se estou de saco cheio comigo.

 

Começo a detestar esta minha confusão de identidade pessoal. Sempre a confundir-me com um barco muito pequeno. Daqueles que as crianças levam impropriamente para as piscinas que não são das suas casas mas onde não está indevidamente escrito “Reservado o direito de admissão”. Porque devia. Uma piscina de hotel é só aparentemente pública. Não percebo como podem as crianças meter os seus barquinhos lá dentro. De qualquer modo, nunca vi nada disso num hotel decente. Estava apenas a conceber uma possibilidade para uma situação verdadeiramente irritante.

 

Siga. Ou melhor, voltando um bocadinho atrás. De facto comporto-me como esses barquinhos de que estava a falar. Ando assim um bocadinho ao sabor do que acontece por baixo, por cima e à volta. Detesto a ideia de ser transportada pelas mãos de uma criança e ser atirada para cima de um charco muito azul. E detesto ainda mais que me saltem para cima. É por isto que viver não é um prazer. Uma pessoa não pode andar na vida a ver-se sob esta forma. Simplesmente o organismo não aguenta. Talvez exista até o risco de vir a padecer de alzheimer quando for idosa. Tenho ponderado esta hipótese. Até faço testes à memória. Reparei que me esqueço dos nomes das pessoas esquecíveis. No mesmo minuto que os ouço.

 

Ainda hoje me apresentaram uma pessoa. Esqueceram-se de dizer o nome. Nem me dei ao trabalho de perguntar. Estava certa de que me esqueceria. De qualquer modo, fiz um esforço para decorar a cara. É que vou encontra-la algumas vezes certamente. É isso. Uma chatice.

 

Hoje vinha a sair quando começou a manifestação de protesto contra as reformas da saúde. Achei que os manifestantes tinham má voz. Notava-se na voz uma grande falta de energia. Quem não se sente com energia não faz uma manifestação. Adia para um dia mais propício. Tudo aquilo parecia uma coisa para não levar a sério. De tal forma que só vi chegar muito lentamente um carro da polícia. De facto não era preciso mais. Apesar da dimensão, no que ao número de pessoas respeita, tratava-se de uma manifestação ordeira, semi silenciosa, desnutrida. Logo, sem esperanças. Tal e qual o António José Seguro. Mas não o tipo da UGT. Este parece mais um leitão preguiçoso, sendo, claro está, uma pessoa que merece todo o respeito por isso. Por ser pessoa.

 

Noto que cada vez me sinto mais de esquerda. O que é dramático. Porque a esquerda não existe, não é?

 

Agora tenho que parar. Vou ter de ir jantar fora. Tenho gente à espera.

 

LEITE-CREME


Tita

14.01.12

 

 

É fácil deixar a marca do açúcar queimado numa travessa de leite-creme. Vi muitas vezes a minha tia Irene fazer isso com um ferro que aquecia previamente na lareira. Tinha os olhos azuis-claros da cor do céu. Quase transparentes. E como tinha um pedaço de sol dentro de si, havia um brilho próprio que lhe iluminava o rosto permanentemente. É por isso que eu sentia que lá fora todos os dias eram quentes e cheios de luz natural. E aquela enorme cozinha de móveis rústicos de madeira escura era sentidamente ainda mais ampla e respirável.

 

Esforcei-me sempre para não perder aquilo que se transformou no meu ritual de prazer infantil. Ver a tia Irene queimar o açúcar do leite-creme. Mais ninguém podia fazer aquilo. Porque não conhecia outra pessoa que tivesse assim um pedaço de sol lá dentro. Só ela podia usar um ferro em brasa para criar um efeito de caramelo e um sabor a sol doce. A tia Irene já morreu há algum tempo. Assim, não como leite-creme. Creio que este doce deveria sair da lista de sobremesas dos restaurantes onde eu vá.

 

Aquilo que se considera “uma má experiencia de vida” é sempre uma ponderação totalmente subjetiva. Ao afirmar isto estou ao mesmo tempo a aceitar que muitas das minhas más experiências não o são para muitos dos demais. A dor é pessoal e a resposta á dor é individual e única malgrado as características universais de todo o ser humano. A dor molda o comportamento.

 

Embora muitas vezes o processo doloroso nos possa reproduzir inegavelmente mais inteiros ou preenchidos, o sofrimento fica na memória para sempre. E pouco importa que já nem nos lembremos das suas origens. As marcas perdurarão. Muitas vezes sinto-me uma travessa de leite-creme onde por cima alguém queimou açúcar e não era a tia Irene.

 

Casa dos Segredos


Tita

05.01.12

 

 

A Teresa Guilherme está anafada e estranha. Não sei se sempre foi estranha. Anafada é que não era. Embora nunca deixasse de ser incompreensivelmente baixa desde que deixou de crescer depois de ultrapassar a idade até à qual isso pode suceder às pessoas. Está anafada e estranha pois. Também está notoriamente mais velha.

 

Em síntese: Teresa Guilherme está anafada, mais velha e estranha, sendo certo que sempre foi muito baixa.

 

Nunca vi a Casa dos Segredos. Nada. Na troca dos canais passei por lá um ou dois minutos. Talvez tenha parado um pouco mais de uma vez em que achei que devia perceber de que falavam aquelas pessoas que ali estavam. Afinal não falavam de nada. Adeus.

 

Entretanto a TVI repetiu o seu programa de Fim de Ano e eu vi a Teresa Guilherme anafada em traje de gala. Deixei-a dizer duas frases. Eram estranhas. No conteúdo e na forma de expressão. Fiquei convencida a estar ali um bocado com ela.

 

Há a energia própria de uma “velha tia gaiteira”. É uma energia que pode não ter a mínima correspondência com a realidade. Mas solta-se pelo ar, entra pelas câmaras dentro e assenta no nosso tele colo como se houvesse ali um certo cansaço nas pernas. Assim como se a alma fosse infinitamente mais leve do que o corpo.

 

Por outro lado, existe uma alegria jovial cheia de sede no fim. Um espírito de alta competição para os cem metro nos campeonatos do mundo de atletismo. Uma necessidade de tomar um Isostar a seguir a cada prova intensa. Teresa Guilherme adora a paixão e as paixões jovens dos jovens que lhe chamam “Teresinha”.

 

Para além de se entregar de corpo e alma na apresentação e condução do seu programa e da credibilidade que exibe quando lê os texto que lhe estão destinados, a verdade é que Teresa Guilherme parece adorar realmente tudo aquilo. E tudo aquilo é o programa. Em primeiro lugar, um ponto para encontro com pós adolescentes que, de plena consciência, se prestam, antes de mais nada, a ser objecto de voyerismo na versão mais cretina que se conhece. Em segundo lugar, um produto integrado por textos profundamente tinhosos e de cariz altamente bisbilhoteiro, escritos à base de trocadilhos usados com se fossem parábolas biblicas e ditos no ritmo das quadras populares.

 

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