ALEMÃES, MAS QUEM OS PODE OUVIR?
Tita
13.05.12
Na sexta passada desci para jantar na esplanada aqui à porta do prédio. Como moro no centro da cidade é muito comum ver turistas sentados à mesa. Ainda não tinha andado um par de metros quando já ouvia aquele sotaque especial de quem parece rosnar enquanto fala descontraidamente. Pois eram alemães. Vários amigos sentados ao lado uns dos outros num jantar de amigos. Parei a linha normal do pensamento por uns segundos para tomar um novo tipo de noção sobre o raio do casaco e dos ténis que levava. ADIDAS!!! Senti-me mal na minha pele. E percebi que a xenofobia poderia estar a tomar conta de mim. Sim, a aversão ou a profunda antipatia em relação aos alemães.
Sentei-me logo numa fila de mesas longe dos referidos germânicos. Só pensava em tirar o casaco azul-turquesa com aquelas listas pretas enormes. Mas não era possível. Por baixo só tinha o bra. E, de qualquer forma, estava ainda com os ténis prateados. Senti imenso calor nos pés. Porém, dado o atual contexto, conclui que era melhor não estar descalça ao pé daquela gente.
Os tipos falavam e falavam. Alto. Parecia que estavam a rasgar folhas de papel. É aquele sotaque agressivo. Devo sublinhar o alto. De facto falavam bastante alto. O que não é suposto. Na Alemanha não se fala com tal volume nos restaurantes. Só nas casas de pasto dos países do sul é que se levanta a voz para conviver. Assim, os herr e as frau vêm até ao sul para estarem mais à vontade. Like PIGS.
O pior foi quando o empregado nos pediu delicadamente para mudar de mesa. Se não nos importávamos íamos ali para aquela mesa para duas pessoas. Colada à dos alemães. Havia um grupo de quatro para sentar. Dava jeito que fosse onde estávamos. Mudámos. Não podíamos usar o argumento anti-alemão. Não seria correto. Até porque a ideia ainda era nova. Pelo menos em mim.
Tipos feios e mal vestidos com uma postura inenarrável. Decidiram olhar para nós. Enquanto se mantinham a sobrepor a voz à de toda a gente. Um deles levantou-se para entrar no restaurante e eu decidi imediatamente que parecia um drogado velho. A mulher que estava à minha frente em diagonal era feia como um desmaio. Todos eles ficaram a observar-nos para ver se tínhamos maneiras à mesa. Também estavam interessados nas nossas escolhas. Talvez tenham ficado à espera que pagássemos a conta com cartão de crédito. Enganaram-se!
Segundo o embaixador alemão em Portugal, o seu país tem muita simpatia pelos portugueses. Agora, isso não significa que possamos continuar a viver acima das nossas possibilidades, produzindo pouco e gastando muito. Isso já foi tempo, uma vez que a imperial paciência se esgotou. E agora ou trabalhamos muito, ganhamos pouco e não gastamos nada ou levamos uns puxões de orelhas e umas palmadas no rabo. Se insistirmos, vamos para a cama sem jantar.
Vinha hoje no “Expresso” que a dívida alemã representa 85% do PIB. Quer dizer. Os alemães devem o equivalente a 85% do que produzem (o PIB representa a soma monetária de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada economia durante um período de tempo, normalmente um ano). Não obstante, financiam-se no mercado a juros baixíssimos, conforme determinam as avaliações das agências de rating. A Alemanha é uma economia sólida que não apresenta riscos. Os investidores têm expetativas sossegadas. Ou seja, é normal que os Estados se endividem. Aliás, que não possam viver de outro modo e que as suas dívidas não sejam para saldar, garantindo-se apenas a liquidez necessária para pagar os respetivos juros ao longo do tempo.
Agora imagine-se o inimaginável. Por qualquer razão absurda as agências resolviam descer a notação da dívida alemã até ao nível do lixo. Não sei porquê. Argumentavam com o incremento dos movimentos de extrema-direita no Norte da Europa, com o crescimento negativo da procura interna na Alemanha, com a obesidade da chanceler, com a cadeira de rodas do ministro das finanças, com a irritabilidade do sotaque, o qual, poderia ser alegado, põe os nervos em franja a todos os interolocutores internacionais. Não sei. Qualquer razão. Os juros da dívida subiam à loucura e os alemães simplesmente deixavam de dever 85% do que produzem para passarem a uma situação em que poderiam até ficar a dever o dobro. Então o país haveria de precisar de ajuda externa. Ou seja, a Alemanha entraria para o grupo dos PIGS, o qual se passaria e chamar PIGAS. E eu voltaria a sentir-me bem com o meu casaco Adidas, entre tantos outros produtos alemães que estou habituada a consumir.
Resta-me lembrar que Portugal, ao contrário da Grécia, não “aldrabou” os números, tendo cumprido os critérios exigidos para entrar no euro. Que, malgrado as nossos fragilidades e parvoíces (incompetência, más classes dirigentes e má cultura incluídas), a nossa dívida em percentagem do PIB era inferior à alemã na altura em que as queridas agências de Merkel nos baixaram a notação. Só porque talvez eventualmente fossemos como os gregos, embora ninguém apresentasse até hoje provas disso, antes pelo contrário.