PORTEIRICES
Tita
19.07.12
Quando alguém que estava ótimo nas coisas da vida fica pobre ou doente. É sempre uma consolação.
Muito me admiram as porteiras. As profissionais e as outras. Os novos condomínios têm porteiros sentados numa secretária à entrada. Controlam quem entra e sai do edifício, bem como se está tudo em ordem nas partes comuns. Para o que aqui importa, não interessa distinguir o género. Por isso é que eu falo indistintamente de porteiros e porteiras. Que, como disse, me admiram imenso.
Eu vivo num prédio relativamente antigo das avenidas novas. Aqui, coerentemente, reside uma resistente da classe das porteiras antigas. Esta senhora faz perguntas a estranhos sobre as coisas que levam na mão. No outro dia perguntou a uma enfermeira que passava para o elevador: “fraldas?”. O pior é que obteve a resposta que queria. Para que serviam as fraldas.
Este vício da bisbilhotice de baixo porte irrita-me. Mas sobretudo intriga-me. E é certo que não é coisa dos porteiros mas da essência humana. A vantagem daqueles é que estão mais próximos do acontecimento.
Mas para que raio querem as pessoas saber os que as outras levam para casa, por exemplo? Eu fico contente por não ter de usar fraldas. Será isso? É a ver se a vida alheia é pior do que a nossa? Pode ser. Mas se for, a nossa melhora por causa disso? Melhora. De facto, algum ânimo positivo aumenta a qualidade de vida. Ainda que todos os outros fatores se mantenham estáveis.
E também para que raio querem as pessoas saber da vida dos “famosos” (como é ridícula esta expressão) exposta nas revistas da especialidade? É a ver como corre a vida alheia quando se imagina que é melhor do que a nossa? Pode ser. Mas se for, a nossa vida melhora por causa disso? Melhora. De facto, saber que a vida de outros que não são vizinhos, amigos ou familiares fora do núcleo é aparentemente excelente, serve para alimentar uma sensação de evasão dos apertos no Metro em hora de ponta, por exemplo. E isto é muito bom designadamente para as dores nos pés.
Resta referir o fenómeno da “queda de um anjo”. Ou seja, quando alguém que estava ótimo nas coisas da vida fica pobre ou doente. É sempre uma consolação.
Tudo o que fica dito tem na génese a última palavra de “Os Lusíadas”, de Camões: inveja.