Uma lésbica colocou no seu mural do Facebook uma fotografia de um homem e uma mulher perfeitos no estilo estilizado frozen Photoshop a preto e branco. Ele como que caia por cima dela e beijavam-se. Tudo sem paixão, como é típico nesta espécie de arte fotográfica corriqueirinha. A autora do post legendou a foto com um sintético mas comprometido “love it” (e se não fosse em inglês é que eu me admirava).
A questão é: “love it” o quê e foi postado para que efeitos?
Fiquei imediatamente com uma ideia mas para cabal esclarecimento fui ver murais de heterossexuais amigos. Homens e mulheres. Não havia. Nuns e noutros nada de homens a beijar homens ou mulheres a beijar mulheres. Bom, de volta ao mural dela pensei: “Quem entra aqui há-de ter a certeza, se a ideia lhe ocorrer, que esta mulher é heterossexual. E esta fotografia ajuda. Mais, esta fotografia está aqui para isso”.
Sim. Uma vez que se trata de uma mulher adulta, estamos a falar de uma hipócrita. Porém, tão hipócrita como heterossexualista e, por consequência, homofóbica. Se não achasse bonito, não tinha postado. E se não fosse gay, o mais natural era não postar.
Independentemente da orientação, e sem nada ter a ver com ela, existe no ser humano a consciência ou a inconsciência do ser heterossexualista. Ser heterossexualista é guardar na memória o desiderato do processo de transmissão da cultura pela família e pela sociedade sobre o individuo, o qual com o processo de maturação pessoal só tende a consolidar-se. Um desiderato que se pode sintetizar na seguinte ideia: “a união física, emocional e romântica de duas pessoas de sexo diferente é que está bem. Por ser a mais correta no contexto social; por ser a que potencialmente melhor lhe serve a organização e por ser a que mais satisfaz as exigências da estética quando chamada (própria ou impropriamente) a este tema”.
Portanto, os heterossexuais são heterossexualista, os homossexuais também, e bem assim os bissexuais. Todos nós, independentemente da orientação. E como tal, embora em diferentes graus (em função da inteligência, sensibilidade e maturidade), homofóbicos.
E se isto corre em geral bem para os heterossexuais e umas vezes melhor outras vezes pior para os bissexuais (que, naturalmente, acabam quase sempre a assumir a sério a suas relações com o sexo oposto), é capaz de ser quase trágico para os homossexuais, dado o evidente conflito.
Um conflito entre uma convicção involuntária na sua génese mas enraizada pelo tempo e a forma própria humana de ser de cada ser gay. Isto é um golpe na estabilidade e na autoestima. Com isto dá vontade de não ser homossexual. Daí a homofobia ser eventualmente maior nos gays do que nos heterossexuais. Porque só os gays sofrem direta e diariamente as dores emocionais e psicológicas deste conflito. E que eu saiba ninguém aceita pacificamente que tenha nascido para sofrer.
Sabe-se que, em geral e independentemente do tempo que leva a ir “levantar a carta aos correios” (que podem ser longos anos), o individuo dá conta da sua homossexualidade bastante cedo. Logo na infância ou, um pouco mais tarde, na adolescência. Não admira pois que surjam disfuncionalidades de vários tipos. Porque não é fácil para as pessoas. Especialmente se são “apanhadas” em estágios tão incipientes da sua formação emocional e mental.
Na verdade, até hoje, e malgrado os progressos políticos, legais e sociais alcançados, os gays (homens ou mulheres) ainda não lograram desembaraçar-se totalmente das ideias do ridículo, da hipocrisia e da automarginalização. Ou é o estereotipado que envergonha e/ou faz rir (até os próprios gays não estereotipados). Ou é o dissimulado que finge não ser o que é. Ou/e é o autoexcluído emocional que vive a sua intimidade em parques públicos à noite ou casas de banho de centros comerciais a qualquer hora do dia
No caso concreto, é a lésbica que "love it".