UM CIGARRO NO JARDIM
Tita
07.09.12
Pois ontem fui fumar ao jardim num intervalinho que arranjo sempre para estas coisas. Surge-me uma senhora dos seus sessenta e tal muito bem arranjada. Fica a cerca de um metro de mim e pergunta-me sobre o Metro. Eu, não muito certa, respondo que aquela estação também é do Saldanha sim. Ela faz que sim com a cabeça e declara. “Vou-me sentar aqui um bocadinho”. E eu pensei. “Pronto!”.
Sentou-se ao meu lado mas virou-me as costas. E começou a falar para lá. Eu, pela minha parte, ia ponderando em levantar-me de um modo simpático. Ela virou-se para a frente. Já estava a vociferar. Eram temas políticos. Um tema, melhor dizendo: “Ladrões!”. Franzia a testa. E eu ali presa entre a urgência de me pirar e o fascínio das pérolas dos brincos e do colar. Ponderava se seriam verdadeiras. É que os mil anéis que trazia nos dedos eram puro ouro.
Havia qualquer coisa com o Banco Nacional Ultramarino. E também com as importantes famílias de Goa. Bem me parecia por causa daquele tom de pele. E o mais importante é que a culpa de tudo era do Cavaco. No mais, as pessoas do PPD é que deviam estar no poder.
Parava de falar para ver se eu via como ela. Eu via. E enquanto via ansiava que ela fizesse aquela pausa maior. Aquela pausa de reflexão. Mas não. Eram só paragens para fazer perguntas. Perguntas que exigiam respostas breves. Eu tinha sempre direito a dizer uma palavra ou três no máximo. Havia ali uma grande revolta. Queria fazer notas. Esclareceu-me que estava muito bem preparada para a função. E em forma. Sugeri-lhe que fosse perguntar à Casa da Moeda mas avisei que as entidades públicas não estão a contratar externos. Claro que lhe disse isto em três vezes por causa do número de palavras permitidas.
Entretanto, a filha, que segundo ela era da minha idade, surgiu na conversa. Acho que foi num carro com um senhor muito importante. Mas desencontraram-se todos. Também, a senhora e não a filha, costuma ir aos serviços exigir fotocópias das cartas que para lá escreve, exigindo sempre um carimbo. E eu, eu achava bem que nunca lhe respondessem? Afinal têm medo de quê?
Bem, conclui que tinha chegado a hora de levantar a voz. Preparei-me para ser uma grande antipática. Mas não foi preciso. Bastou-me mesmo falar um bocadinho mais alto e dizer-lhe que tinha mesmo que me ir embora, uma vez que estava a meio do meu dia de trabalho. Ela levantou-se comigo e ao mesmo tempo levantou-me o polegar e sorriu. “Tu até percebes um bocado destas coisas”, informou.
Para dizer a verdade, é a primeira vez que me sucede uma coisa destas. Dar com uma doida varrida e não perceber nada, mas mesmo nada, do que me disse. E isto baralha-me.