QUEREMOS AS NOSSAS VIDAS
Tita
13.10.12
Confesso que tenho jeito. Mas não gosto. Do Direito. Porém é o que eu faço. Tenho emprego, portanto. Devia estar contente. Mas não estou. Olho para a taxa de desemprego. Está voraz. Acredito que nela caibam, e venham a caber, muitas pessoas da minha área de formação. Nos tempos que correm devia sentir vergonha por me sentir assim. Ao contrário dos juristas desempregados, eu posso pagar as minhas contas e mais qualquer coisa. É fundamental. Ter meios de subsistência. Certamente se não os tivesse haveria de querer muito fazer precisamente o que faço. Porque o desemprego é o pântano que se conhece ou imagina. E é muito difícil sair de um pântano.
A meio do curso quis desistir. Na hora de escolher, o que queria era ser professora de ginástica. Acabei por não ceder aos meus desejos.Por uma questão de feitio, em geral tento fazer isso. Não me dar importância. Achei que talvez os outros tivessem razão. “Os tailleurs ficam-te a matar”. Aos 15 anos já se podia ver isso em mim. Acreditei. Visto-os hoje então. Mas o que eu queria era andar de fato de treino a comandar um grupo de miudos aos saltos. Parece que os blazers me apertam os ombros. E no entanto, visto-os. Visto tudo o que é preciso. E também uso as malas apropriadas. Quando eu gosto é de mochilas.
Hoje é dia de protestos. E eu estou em casa a protestar da minha vida de empregada num blog.Entre outras, há uma marcha de desempregados promovida pela CGTP. Estou solidária e sinto-me em falta. Entregue a esta espécie de depressão, não me apeteceu sair à rua. Quando devia. Todos devíamos. Precisamos muito uns dos outros. Todos os dias e em todos os contextos. Mas neste um bom bocado mais.
Estudei no mestrado que a solidariedade social se esbate à medida que o nível de vida da maioria dos cidadãos aumenta.Ou seja, quando as condições de vida da generalidade das pessoas piora, o espírito de união aumenta. É isto que justifica que este nosso povo pacífico, passivo, desinteressado, mal informado e egoísta comece neste momento a dar sinais do contrário. Como é evidente, e logo que o novo Orçamento do Estado entre em vigor, mais e mais manifestações se realizarão. O espírito de cidadania será reforçado. Pode ser que alguma coisa mude de vez a partir de agora e para o futuro esta pobre sociedade civil.
É claro que acho imperdoável que ninguém, para além dos próprios, se tivesse indignado quando designadamente foram cortados os subsidios aos funcionários públicos e aos pensionistas. A maior parte dos nossos não cidadãos esteve-se nas tintas para um problema que era “deles”. Hoje já todos sabem que os problemas são “nossos”. Porque agora todos estamos com problemas. O poder do povo confiado aos seus representantes abusa sempre de um povo assim.
No dia seguinte ao anúncio do “enorme aumento de impostos” havia uma acesa discussão no café da esquina. Por momentos equivoquei-me. Afinal o assunto era futebol. Quando o assunto é futebol e os resultados são maus, rolam cabeças de treinadores e direções. Queimam-se bandeiras e perseguem-se os protagonistas. Há união, força e paixão. No futebol.
Como começei por dizer, odeio o meu trabalho. Este país não devia estar assim. Num ponto em que não é possivel a um ser humano dizer uma coisa desta natureza sem sentir um imenso pudor.