DENIAL
Tita
19.10.12
Entrar em “denial” significa incorrer na negação de um facto que é facto de facto sem que se tenha vontade de estar a mentir.
Um facto é uma evidência, um acontecimento, uma inevitabilidade, um dado com que temos que contar e que não se apaga ou contorna. Por exemplo, hoje está a chover. Nada a fazer. Chove mesmo. Ainda que não se queira. Chove. Outro exemplo, há um concurso na SIC com concorrentes obesos que dançam. Factos. São obesos. Também dançam relativamente bem, tanto quanto julgo saber. Dois factos. Obesos que dançam com desenvoltura. O facto de dançarem em bom nível não permite evitar a evidência da obesidade. Que está à vista de toda a gente que se disponha a ver o “show”.
Por outro lado, é possível criar os chamados factos falsos. Mas chamar-lhes factos não é logicamente correto. Antes são não fenómenos ou não acontecimentos ainda que possam produzir factos. Por exemplo, uma intriga. Uma intriga, que em si mesma é um facto porque existe, consiste na construção de um cenário fictício, de uma mentira. O objetivo é atribuir a autoria de um ato ou uma qualidade pessoal a alguém com o objetivo de prejudicar moral ou materialmente o visado. Um cenário de uma intriga pode (e deve) ser negado. Com efeito, a negação de um não facto é uma atitude lógica e conforme.
Mas também a negação de um facto que é facto pode ter toda a lógica. Quanto mais não seja a lógica da conveniência ou do alívio. A questão está em não perder a noção do que é verdade. Quando se perde, entra-se em “denial”. Se um vizinho nos pergunta como temos passado, o melhor é mentir se não temos passado bem. Por norma os vizinhos não são nossos amigos e só se dirigem a nós por educação dada a inevitabilidade de se cruzarem connosco com alguma frequência.
Entra-se em “denial” quando, em virtude de um determinado acontecimento, se faz uma representação desconforme com a realidade e depois se atua em conformidade com isso. De tal modo que aquilo que não era passa a ser. Esta atitude de negação das coisas é voluntária e consciente, não tendo como objetivo principal afetar terceiros, ainda que isso muitas vezes venha a suceder. É antes de mais nada um dealing da pessoa consigo própria. Tem a ver com a necessidade de alívio ou com a prevenção de situações de frustração ou stress.
É claro que o procedimento de contornar mentalmente a realidade como se fosse possível não bater de frente com ela tem consequências. Desde logo, o individuo não atua sobre o foco do problema, uma vez que teimará em não lhe querer atribuir autonomia. Acresce a isto que tenderá ainda a insistir na atitude contrária à que seria recomendável. Os gordos sem esperanças não se verão assim tão gordos e continuarão a ingerir calorias a mais sentados numa poltrona. As pessoas deixadas porque o amor acabou exigirão explicações do outro. Um casaco de boa marca será comprado na “Loja das Meias” por quem já não tem nível de vida para isso. Em fevereiro já haverá gente na praia. Os Mercedes e os BMW continuarão a ser muito apreciados. A solidão não existe. E os velhos não pertencem ao mundo de cá.