FALAR DA VIDA DOS OUTROS OU FALAR DE NÓS
Tita
16.03.15
É verdade que pensei que ia desistir. Largar isto de vez. Não sentia senão desertos dentro de mim. Nada para dizer. Mas, por outro lado, angustiava-me quando vinha aqui fazer visitas. De vez em quando. Ver isto para aqui abandonado com a cara do Ronaldo derrotado… Além do mais isto nunca foi um blog de futebol. Era um mau fecho.
Há outra coisa. Hoje já ninguém me vai ler. Quem não aparece, esquece. Mas ainda bem. Fico com mais privacidade. Como se estivesse num útero. Quando se está no útero só nos vêm através de ecografias. E não nos podem tocar. A propósito, a terapeuta observou que ainda estou na fase de querer voltar para o útero. Estar quentinha, sossegada, de preferência em casa. Enrolada numa manta. É por isso que não tenho saído muito aos fins de semana.
Enfim, tenho chateado um bocado as pessoas. As que gostam mesmo de mim. Que são as que precisam de mim. A rir e a apanhar sol. O sol também só veio agora e ninguém sabe se é para ficar definitivamente. Estou a preparar-me para andar mais ao sol. Ou até para andar muito ao sol. Falar.
Falar da nossa vida é sempre falar da vida dos outros. Acha-se muito mal que se fale na vida dos outros. Mas senão como é que aprendemos coisas com eles? Coisas que é preciso aprender. É preciso falar da vida dos outros. Das coisas que acontecem aos outros. Para ficar a saber o que não sabíamos. Para nos compararmos. Não para saber se somos melhores ou piores. Porque isso nunca se consegue. Quem me garante que sou melhor do que um sem-abrigo? E posso falar um bom bocado sobre os seus vómitos de bêbado. Da sua cama de papelão. Das insanidades que lhe ouvi. Falar da vida dos outros é para comparar com a nossa. Para ver as afinidades. Para descobrir as diferenças. Para sentir indignação. Nojo. Desprezo. Inveja. Admiração. Espanto. Para absorver.
Venho aqui para falar da vida dos outros aplicada a mim. Nos termos em que acabei de explicitar. Como sempre fiz. Como vou voltar a fazer. Vou voltar a falar de mim, portanto. O que faz todo o sentido porque este "útero" é meu.