CORAGEM PARA ROUBAR
Tita
04.04.15
Roubar é um dos sete pecados mortais. E também é um crime previsto e punido no Código Penal. Portanto, uma pessoa por roubar pode ir para o inferno quando morrer e pode ser judicialmente condenada em vida. Era nisto que eu acreditava quando era miúda. Por isso não era capaz de roubar. Mas a dada altura quis. Por causa da emoção da coisa. Hoje já não acredito em infernos nos Céus e duvido muito do sistema judicial. Mas já não quero roubar. A minha consciência não passa por uma ida à polícia (era o Eça que dizia que "a consciência dos portugueses é uma ida à polícia"). É, pois, a minha consciência que me impede. Não tenho medo da polícia nem de Deus nesta mtéria Tenho medo de mim. Da minha estrutura de valores que me orienta no sentido do que está certo e do que está errado.
Quando era miúda, para aí com uns 11 anos, vinha sempre da escola com uma colega que diariamente roubava uma laranja numa mercearia. E nunca se passava nada. Como era possível ela não ter medo de ir para o inferno? Ou se fosse apanhada, não tinha medo que chamassem os pais? Os pais para mim é que eram a polícia. Não. Ela não tinha medo de nada. Era calma e eficaz. Tipo Ricardo Salgado. Já eu, que não fazia nada, ficava ali nuns nervos. Mas todos os dias passávamos e todos os dias ela roubava. E, como disse, não acontecia nada. Por isso comecei a duvidar das minhas crenças. E passei a andar tentada. Até porque ela dava mais ou menos a entender que eu era um bocadinho cobarde.
Por fim, a tentação apoderou-se de mim. E roubei. Claro que fui imediatamente apanhada. Comecei a ouvir uns gritos. Desatei a correr. Larguei a laranja (portanto, foi uma tentativa de furto e não um furto consumado). Comecei a chorar. Continuei a correr. Até que ficou tudo calmo. Menos eu. Eu estava a tremer. Quando a encontrei mais à frente, ela ia a comer a laranja dela. E estava chateada comigo por eu não saber fazer as coisas. Na verdade, senti-me um verme por não ter resistido à tentação. Queria lá saber de como se faziam as coisas. Achei-a logo ali uma espécie de tarada.
Quando cheguei a casa, fui rezar e chorar mais um bocadinho. Pedi perdão a Deus pelo que tinha feito e jurei que não voltava a roubar na vida. Esperei assim livrar-me do inferno. Foi um diálogo entre mim e a minha consciência que me fez ficar em paz comigo. Porque o inferno é aqui e eu tinha acabado de o experimentar. Claro que não fui contar nada aos meus pais. Também não me ia entregar assim à polícia. Desde aí nunca mais senti a tentação de roubar nada. É obvio que não tenho competência moral para isso.