AZUL - Cap XLVI
Tita
04.10.16
Clara esperou um pouco antes de Teresa ter saído e depois foi para a rua. Alienar-se, alheando-se dos carros, das montras e das pessoas.Desceu rapidamente até à Praça de Londres. Encontrou um banco vazio no jardim por trás da igreja. Sentou-se com um pé em cima e os braços para trás a apoiar o tronco. Assim estava já suficientemente isolada da situação que acabara de vivenciar para poder refletir sobre ela. Não compreendia a reação da mãe. Teresa ficara horrorizada com a relação com Joana. “Sempre soube que ela era um bocadinho homofóbica. Mas homofobia histérica? A que propósito? Nunca pensei”. Esboçou um sorriso amargo de incredulidade que dirigia a ninguém. As coisas que a mãe dissera não combinavam com ela. Teresa falou com se fosse uma católica funda, dolorosamente castrada pelo sentido do dever e agoniada pela ideia do pecado amplo e abrangente. Imaginou que Teresa encarnara o espírito da avó Amélia. Que Clara não conheceu de facto. Mas sabia que ela se apresentou assim ao mundo. Foi Teresa quem lhe disse isto cheia de sorridentes condescendências. “Ela tinha uma postura muito conservadora.”. Evidentemente, esqueceu-se de mencionar os contornos do espírito da avó. Uma mulher de coração puro e de alma clara. Para a Amélia o que realmente importava era o amor. Clara ignorava, pois, este facto fundamental e pensava que “a mãe é uma mulher inteligente e com um espírito liberal. De coração liberto. E cheia de apurado sentido crítico”. Por isto não lhe era concebível ver a mãe escapar assim à razão. Mas afinal quem era Teresa? Não era totalmente a pessoa que durante a sua vida foi representando. Seria talvez menos reta. Mais mesquinha e infantilmente humana. Menos admirável. E ainda mais inacessível porque mais difícil de compreender. Clara sabia que Teresa não gostava de invadir o espírito de ninguém. Perguntava-se agora se a mãe alguma vez mergulhara dentro da sua própria aventura e se viu despida.
Levantou-se e pegou no telemóvel.
Clara: Estou Joana?
Joana: Olá, minha querida. Já estava preocupada. Como correu?
Clara: Quase o pior possível.
Joana: Então?
Clara: Ela não nos aceita. Mas, pelo menos, não me rejeitou. Olha, estou fraca. Não comi nada. E preciso de ser abraçada.
Joana: Vou já buscar-te. Estás em casa?
Clara: Estou na Praça de Londres ao pé da Igreja.
Joana: Eu vim às Amoreiras. Chego aí num instante.
Joana demorou cerca de quinze minutos. Clara estava na porta da frente da igreja. Quando a viu, dirigiu-se para o carro e entrou.
Joana: Como estás, amor?
Clara: Com fome e com desejo de ti.
Joana: Mas estás bem?
Clara: Ao pé de ti estou ótima. Conduz e não digas nada. Leva-me contigo.
Joana fez o silêncio requerido. Conduzia, olhando a estrada com muita atenção. Esforçava-se para se mostrar muito concentrada. Muito séria. Clara surpreendia-se, por vezes, com o olhar dela. Sempre inesperado. De facto, de vez em quando, Joana desviava o olhar da estrada e sacudia a alma de Clara com os seus profundos olhos azuis. Não dizia nada. Olhava apenas e voltava de novo a cara para a rua. Para o trânsito que não sentia. Era preciso concentrar-se na estrada. Nos sinais. Agarrava com força o volante. O coração batia-lhe no peito de uma forma inusitada. Não batia forte nem fraco mas doloroso. O sangue assim bombeado espalhava-se pelo corpo de uma forma intermitente. Inundava-a uma sensação de dormência que terminava com choques elétricos na ponta dos dedos. As mãos tremiam. Joana agarrava o volante ainda com mais força. Olhava para o trânsito que não via. O rosto endurecia-lhe a partir dos maxilares.