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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

AZUL - XLIX


Cat2007

06.10.16

Madalena: Percebo que, digas o que disseres, tu és mãe da Clara e não amante dela. Tenho a certeza de que mil vezes tiveste que fingir que não tinhas medo. Que não choravas. Que tudo estava bem. Não poderia ser de outra forma. Como ensiná-la se não estivesses acima dela? Das suas fraquezas. Das suas ansiedades. A miúda perdia-se. Os pais são pais. Atores, tantas vezes. Talvez tenha sido a falta de alternativas que te obrigou a crer que a tua filha te resolveria todos os problemas do coração. Talvez tenhas resolvido os do corpo com uma ou outra cambalhota que deste com este ou aquele tipo simpático. Talvez, a certa altura, já depois da morte do Diogo tenhas pensado, como me disseste, em voltar para mim e tenhas concluído que eu não te aceitaria. Talvez a própria morte do Diogo não tenha deixado de ser um alívio para ti.

Teresa tinha posta uma máscara de indignação.

Madalena: Não faças essa cara, Teresa. Duvido que o sexo regular com o Diogo não estivesse já a agoniar-te sinceramente. Ao ponto de te confrontar com a mentira. A mentira que tu insistes em dizer que detestas. Se ele não tem morrido, tu não aguentarias o casamento. Tu que tens de viver sempre de acordo com a verdade, ficarias confrontada com a mentira que construíste. As tuas temerárias e sofridas opções.

Teresa: Para que estás a ser tão brutal? Ainda os bons velhos ressentimentos, não é?

Madalena: Não. O nosso caso está resolvido.

Teresa: Sim? E como?

Madalenas: Agora não vamos falar disso.

Teresa: Sabes, Madalena, hoje parece-me que os últimos vinte anos da minha vida foram despojados de sentido. É como se tudo estivesse deitado por terra. Está um vazio tão grande. Uma angústia tão profunda.

Madalena: Lamento muito.

Teresa: Não queria. Não queria que ela se tivesse cruzado com essa Joana.

Madalena: Escuta Teresa…

Teresa: Ela não tem uma filha para proteger. Nem a mãe Amélia que a surpreendeu. Não existe nada que a faça renunciar ao que deseja. E eu, o que faço da minha vida, Madalena?

Madalena: Teresa, tu ainda só tens quarenta anos. Tens tanto para viver. Podes tanto…

Teresa não a ouvia com atenção.

Teresa: Pareço muito dramática, não é?

Madalena: Há certas coisas que é necessário vivenciar para se compreender.

Madalena também não ouvia Teresa.

Teresa: O quê?

Madalena: Tu tens algum razão para recear. Não é nada fácil manter uma relação com uma pessoa do mesmo sexo.

Teresa: Essa é uma das razões pelas quais eu não queria uma vida assim para a minha filha. Nem tudo é homofobia.

Madalena: Olha Teresa, nem tudo é assim tão complicado. Não é fácil mas também não é assim tão complicado. Eu pessoalmente tento tornar a minha existência o mais simples possível. Aceito que o meu interesse por mulheres, a minha natural orientação, não é escolha minha. É assim, Teresa, se eu gosto de mulheres, gosto. Se não gosto de homens, não gosto. Não me vou obrigar a viver de uma forma incoerente porque existem uma série de preceitos, conceitos e preconceitos sociais. Sabes, aproveito esta era de liberdade hipócrita para viver como me parece melhor. E evito definir, logo à partida, a minha própria insatisfação, frustração e o consequente desequilíbrio emocional.

Madalena sorriu. E depois olhou para Teresa com seriedade.

Madalena: Em que pensas?

Teresa: Naquilo que dizes e na Clara. E é verdade. As coisas não são o bicho papão que eu faço delas.

Madalena: É claro que não são. No mais, creio que tu estás em melhores condições do que a maioria dos pais para compreender as motivações da tua filha.

Teresa: Eu que talvez seja lésbica. Não é isso. Madalena?

Madalena: Talvez sejas lésbica? Tu és infernal, Teresa.

Teresa: Não é de mim que importa falar agora. Mas da minha filha.

Madalena: O que pensas fazer?

Teresa: Vejo que não posso fazer outra coisa senão aceitá-la. Se a Clara escolhe aceitar-se, o que posso eu fazer?

Madalena: A Clara escolhe viver positivamente. Vê se metes isto na cabeça.

Teresa: Talvez. Mas eu ainda preferia que as coisas não tivessem que ser assim.

Madalena: Compreendo. Mas são.

Teresa: São.

Madalena: E vais portanto aceitar a namorada da tua filha?

Teresa: Vou esforçar-me muitíssimo.

Madalena: Imagino que sim. Que o esforço vai ser grande. E como te sentes?

Teresa: Em paz, talvez. Não sei. E triste por nossa causa.

Madalena: Nós temos que aguardar. Também estou triste.

SOU DE PARECER QUE


Cat2007

06.10.16

 

 

No 8.º ano a minha professora de Educação Visual mandou-me fazer uma descrição de um lugar, que agora já não recordo, e no fim disse-me bastante admirada: “tu escreves muito bem. Muito bem!”. Também fiquei admirada. “Onde aprendeste a escrever assim?”. “Leio muito. Gosto de ler. Se calhar é isso.” Já tinha ouvido uma professora de português dizer que “quem lê muito, aprende a escrever”.

 

Com aquela idade, treze anos, já tinha absorvido muitos clássicos da língua portuguesa, bem como alguns franceses e outros ingleses. Não que tenha percebido muita coisa. Especialmente os portugueses, como o Eça. No entanto, dele, já tinha lido os incontornáveis “Maias”, e “Tragédia da Rua das Flores”, a “Capital” e o “Crime do Padre Amaro”. Estavam lá em casa e eu peguei neles por curiosidade.

 

Há um romance, que se chama “A Rosa do Adro”, da autoria de Manuel Maria Rodrigues, que li numa noite. Passei aquela noite a ler porque queria saber o que, no princípio do século XIX, acontecia às mulheres da aldeia que faziam amor com homens por amor antes do casamento e toda a gente ficava a saber.

 

Escrevendo da forma que estou a escrever, e dizendo as coisas que digo, até parece que estou a armar em criança especial. Mas não. O meu irmão António leu o triplo do que eu li. E até com menos idade. Conseguiu ler, compreender e adorar a coleção do Aquilino Ribeiro, por exemplo. Lembro-me que peguei no “A casa grande de Romarigães” e não consegui engolir meia página. Agora, não sei se ele escreve muito bem. Mas que é muito bom a desenho, lá isso é.

 

Seja como for, aprendi a escrever. Os meus pareceres são bem escritos do ponto de vista da clareza e da estética. Isto é a minha opinião. Mas não os escrevo como faço aqui no blog. Em que arrasto ideias com as palavras, escrevendo com muitos pontos e e e mas e palavras repetidas, para ser mais fácil explicar. Nos pareceres faço frases extensas cheias de vírgulas. Por isso levo mais tempo a desenrolar as soluções. Além de que, mais importante de tudo, os raciocínios estão balizados por regras (jurídicas) que devem ser respeitadas no discurso.

 

A verdade é que não gosto de escrever como aparece nos pareceres. Como o squash estraga o ténis, os pareceres atrapalham-me a criatividade. Por isso passam-se muitos dias em que não escrevo nada no blog. Com efeito, quanto mais pareceres faço, menos ideias tenho para postar aqui.

 

Tudo o que para trás fica exposto (costuma utilizar-se esta fórmula nos pareceres) pode parecer um exercício de gabarolice extensível à família. E até pode ser que seja. Porque há sempre um lado de nós que é vaidoso e inseguro.

 

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