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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

AZUL - Cap LXIX


Tita

21.10.16

A hora de jantar chegou.

Teresa: Levanta-te, querida. Daqui a pouco os senhores do restaurante tocam-nos à porta.

Teresa inclinou-se e beijou-a.

Teresa: Anda. Vamos pôr a mesa.

Madalena: Ainda acho que este jantar é uma péssima ideia. Penso que é melhor eu ir para casa.

Teresa ignorou-a.

Teresa: Anda. Vamos tomar um duche e vestir roupa lavada.

Madalena: Como roupa lavada? Eu não tenho roupa em tua casa. Que eu saiba ainda não me mudei para cá.

Teresa: Vestes roupa minha, tonta.

Madalena: Era o que me faltava aparecer à frente da tua filha com roupa tua depois de ela me apanhar na cama contigo. Olha-me o ridículo.

Teresa: Ridículo é apareceres de banho tomado com roupa usada.

Madalena: Não é nada ridículo. Se for com a tua roupa, a miúda vai pensar o quê? Que já estamos casadas.

Teresa: E se pensar? Qual é o teu problema?

Entraram no duche.

Madalena: O meu problema é que ainda não sei se quero comprometer-me contigo.

Teresa: Sim. Seria estranho que soubesses. Exceção feita a este último mês e picos que passou, metes-te na cama comigo a toda a hora. Quando nos amamos, ficas demudada e fazes as mais espantosas revelações amorosas. Desentendemo-nos em quase tudo e por isso estamos sempre a discutir. Acresce que vieste atrás de mim aqui para a Alameda, sitio onde eu jurava que jamais voltarias a pôr os pés. Sim, perante este quadro, eu, acompanhando o teu espantoso raciocínio, diria que nós não temos nenhuma relação.

Madalena: Escusas de estar para aí a ironizar. Na verdade, o que temos é uma relação de cama.

Saíram do duche.

Teresa: Na verdade, temos o que tu quiseres. Desde que apareças quando tiveres vontade. OU seja, sempre.

Madalena: Tu estás muito segura de ti própria, não estás? Agora que resolveste assumir que és gay, ninguém te atura.

Teresa: Sempre vais vestir a tua roupa?

Madalena: Claro. E devia ir para casa.

Teresa: Pois. Mas não vais. O teu problema aqui não é medo que a minha filha pense que tens um caso comigo, quando tu não te queres comprometer. O teu problema aqui é não teres coragem para enfrentar duas miúdas que gostam uma da outra, quando, apenas para regozijo do teu ego, andaste com uma delas. Felizmente com a Joana e não com a Clara.

Madalena: E que seja isso. Não achas que é uma razão atendível?

Já estavam na cozinha a tirar os pratos para levar para a sala.

Teresa: Não. Não acho. Elas vão continuar a andar juntas e nós, que não namoramos, sublinho-te, vamos continuar a andar juntas também. Tens, portanto, que sair dessa “saia justa”, como dizem os brasileiros. Senão a vida torna-se insuportável.

Madalena: Teresa, estás a falar tão alto. Elas podem aparecer e ouvir. E eu ai morro.

Teresa: Aqui não funciona assim. Eu disse à Clara que batia à porta do quarto quando a quisesse chamar para jantar.

Madalena: És mesmo uma mulher agendada. Ainda assim, nunca nos conseguiste poupar a sermos apanhadas a foder nesta casa.

Teresa: Isso aconteceu porque alguém quebrou as regras. Elas quebraram as regras. Mas disseste foder aqui na sala, vestida e de banho tomado?

Madalena: Sim. Desculpa. Foi uma ordinarice fora do contexto.

Teresa: Não é necessário pedir desculpa, querida. Percebo que gostarias de estar de novo dentro do contexto.

Madalena: E tu não, querida?

Teresa: Eu sim.

Tocaram à porta.

Teresa: Anda. Vamos buscar o jantar.

Clara e Joana acabavam de acordar. Tinham caído na cama vestidas e adormeceram de cansaço.

Joana: Que horas são?

Clara: Como? Ah! São oito. A minha mãe deve estar aí a bater à porta.

Joana deu um salto.

Joana: Amor, levanta-te. Temos que nos arranjar.

Clara: Estás um bocadinho nervosa, não estás, meu anjo?

Joana: Sim. Por ti. Por causa da Madalena. Tu nunca trocaste palavra com ela. E eu e ela tivemos aquele estupido caso. Também tenho vergonha por mim. Por causa da tua mãe. Afinal, ela roubou-me uma namorada. E agora eu ando a comer-lhe a filha.

Clara: Tu não andas a comer ninguém. Tu andas a ser comida. Por outro lado, quero lá saber que a Madalena tenha namorado contigo. Nunca me importei. Não é agora que me vou enervar por causa disso. Para mim, ela é o amor da vida minha mãe, que eu vou conhecer finalmente.

Joana: Eu é que ando a ser comida? Menina, eu tirei-te a virgindade.

Clara: Menina, estás com tiques de machona chauvinista.

Joana: Amor, é assim. Todas nós temos um lado assim.

Clara: Ainda bem que o teu está sempre muito bem disfarçado e só aparece nas horas certas.

Joana: No entanto, desta vez apareceu na hora errada. Daqui a pouco temos que estar lá dentro a conviver com aquelas duas mulheres num jantar inesperado e perfeitamente bizarro.

Clara: É a vida. Ninguém nos mandou preparar surpresas à senhora minha mãe. Agora ela inventou este jantar. E temos que ir.

Joana: Não há dúvida que ela tem personalidade. Quanto a mim, é a única que está tranquila com a ideia.

Clara: Pois claro. Ela revigorou desde que se assumiu e se resolveu comigo. Está mais lúcida do que nunca.

Joana: Sim. Quando as pessoas se autodenegam ficam fragilizadas e confusas. Ao assumir-se recuperou-se. Acredito que esteja muito mais forte também.

Clara: Sim. Está forte. Espero que a Madalena esteja preparada para isso.

 

OS CONJUTOS


Tita

21.10.16

 

Hoje sai de um almoço a uma impressão estranha. Toda a gente está inserida em alguma coisa ou faz parte de algo. Falo de grupos, agremiações, associações, clubes, etc. E eu sou apenas sócia do Benfica. Percebi então que se eu mudasse de vida e aprendesse a sociabilizar mais, poderia obter ganhos.

 

Sucede que não quero. Porque não gosto nada de pertencer a conjuntos. Se lembrarmos a matemática, um conjunto é uma coleção de elementos. Para fazerem parte do mesmo conjunto, todos os elementos têm que ter um traço em comum com os demais. Na vida real dos conjuntos, o referido traço tende a ser sublinhado de forma a consolidar a função daqueles. Para mim, isto é muito chato. Porque a acentuação dos traços individuais comuns constitui um processo de despersonalização do elemento singular.

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