TU NÃO ÉS PRETA, ÉS CASTANHA
Tita
16.03.18
Quando pequena era extremamente sensível. Sublinho o extremamente. Tudo me perturbava imenso. Tudo o que não fosse sorrisos, brincadeira e beijinhos e fosse o contrário disto tudo. Assim, um dos factos mais marcantes da minha vida foi a questão de não querer chorar. Desde muito pequena que não queria chorar. Porque tinha uma anormal dificuldade em suster as lágrimas. Lembro-me de estar sempre a fugir para não me verem chorar.
Sucede que quando andava na primeira classe, fui gratuitamente agredida por uma miúda da quarta. Nessa sequência, dei-lhe uma tareia séria. Acontece que depois fiquei cheia de pena dela. Por causa da humilhação que lhe causei. Afinal eu era mais pequena do que ela e toda a gente viu. Andei por longo tempo a pensar no respetivo sofrimento. Tanto que sofri com ela. Pelo menos na minha imaginação. Até tive vontade de chorar.
Outro exemplo, na segunda classe tinha uma coleguinha negra. A Sara. Toda a gente lhe chamava preta. A Sara tinha uma avó branca. O que ninguém compreendia. Bem, mas, para o que importa, a Sara era a minha melhor amiguinha. Logo, considerando que tinha de fazer alguma coisa por ela, disse-lhe: “não ligues ao que as nossas colegas dizem. Tu não és preta, tu és castanha, percebes?” Ela quase se desfez em lágrimas. Mas aguentou. Aguentou tanto, que me pareceu que os olhos lhe iam explodir. Fiquei sem saber o que dizer. Mas ainda disse mais qualquer coisa. Não sei o quê. O que sei é depois que resolvi calar-me bem fundo. E ela já não quis dar-me a mão para irmos para o recreio. Senti tanta pena dela! E vergonha por mim. Andei então longo tempo a sofrer. Pelo mal que lhe causei. Não sei se, até, não chorei por causa disto tudo.
Noutra perspetiva, tinha uma prima mais velha treze anos. O que eu adorava a minha prima! Mas, enfim, ela era uma temperamental. Portanto, às vezes gritava-me por qualquer coisa que eu fizesse. O que literalmente me desfazia. Por causa disso, ia sempre chorar.
Perturbava-me esta vontade inusitada de chorar sempre e em qualquer circunstância. Tinha muita vergonha. Fugia para não ser vista, como disse. Assim, andava sempre a correr em fuga. Até que não aguentei mais. E iniciei um procedimento interior para me conter. Para aprender a fazer isso. E lá consegui ao fim de muito treino e angústias. Depois não sei muito bem. Só sei que, a partir de certa altura, já queria chorar e não podia. Porque não conseguia.
Se não me tivesse educado naquela altura, creio que hoje seria daquelas pessoas que choram no cinema só porque um pombinho partiu uma asa no filme, por exemplo. E creio que, até aposto que, seria uma pessoa mais feliz. Porque menos tensa. Sei disto porque, quando consigo chorar, sinto-me aliviada de quase tudo. A questão é que raras vezes consigo.