Um destes dias, quanto olhava para uma parede, conclui que muitas conclusões a que chego seriam mais fáceis de alcançar se não pensasse tanto. Há qualquer coisa de adiantada mental, freak control e complicativo em mim. Nunca me fio no óbvio. Quando afinal a maior parte das coisas são mesmo o que parecem.
Está um dia bonito e eu tenho um bocado de sono. Plantaram ali fora umas flores novas muito bonitas. A minha mãe adorava flores. Tanto que sabia sempre os nomes daquelas que iam aparecendo, bem como, além do mais, gostava de as colocar em jarras. Eu não sei os nomes. Mesmo das pessoas. De facto, acontece-me muito esquecer de imediato os nomes de quem me é apresentado. É um tique esquisito que eu tenho. Esforço-me para o contrariar. Quanto às flores, não ligo muito às jarras. Gosto muito mais dos jardins e dos canteiros como o lá de fora. As pessoas interessam-me sinceramente. Dependo delas para ser feliz. É por isso que me dedico a muito poucas.
A sexualidade. A menina dos olhos de Freud! A sexualidade condiciona toda a vida de uma pessoa. Foi ele quem o disse. Intuitivamente acredito que sim. Tudo o que de bem fazemos por nós, em qualquer aspeto da vida (mesmo que seja estudar ou dar comida aos pobres) é um contributo para a nossa melhoria pessoal de forma a estarmos e parecermos melhores para os outros. Parecer melhor aos outros (a qualquer um) é um desejo comum a todas as pessoas e têm a sua raiz na sexualidade. Não importa a força ou a debilidade de tal desejo, desde que ele exista.
Como sabemos, em termos materiais, só existe o presente. Tudo o mais são memórias (as que ficam) e projeções (as possíveis). Por isso é que, quer se queira quer não, a vida se consubstancia na experiência de todos os dias vivida um dia de cada vez.
Há uma composição do Chico Buarque que fala sobre uma tragédia que aconteceu no meio da rotina diária e em função dela. Chama-se “Construção”. É um bocadinho deprimente. A letra e a própria música. Fala de todas as coisas que uma pessoa faz todos os dias. Hoje. Ontem. No ano passado. Amar. Dormir. Comer. Trabalhar.
Fazemos todas estas coisas de acordo com um certo ritmo, conforme uma determinada sequência e incluindo específicos rituais de distensão, como ver televisão e/ou ouvir música.
Hoje. Ontem. No ano passado. Preenchemos os nossos dias com passos sobejamente conhecidos. Como se lhes pudéssemos ocupar o espaço todo. E assim pensamo-nos sem estar a salvo de qualquer imprevisto desagradável.
As notícias das piores coisas que me aconteceram na vida chegaram a mim em dias normais.
Não há dúvida que a noite em que se faz a passagem de 31 para 1 é especial. Porque se volta atrás no calendário. Assim, é como se nos fosse conferida uma nova oportunidade. É por isso que fazemos resoluções de ano novo.
Sucede, porém, que os nossos contextos não se alteram, o nosso saco não esvazia e a nossa energia não se renova. E é por isso que a referidas resoluções, na sua maioria e com honrosas exceções, não são concretizáveis.