FOI SÓ O AMOR
Tita
25.10.23
Sei que uma pessoa que me chegou a amar, a partir de um momento preciso, que eu não sei precisar, desejou intensamente parar com isso.
Claramente, cometi erros muito graves. Havia uma criança. Depois veio um cão. A minha mãe que ia morrer, mas eu não imaginava, e aquele cão que, com todo o imenso amor que tinha por ela, comprei para mim por causa dela. Havia a dor e a culpa que a minha mãe sentia porque eu deixara de ter o meu cão. Perdeu-o. Nunca se perdoou.
Até parece que, afinal, sabia que ela ia morrer de surpresa daí a um ano ou menos. Embora, como disse, não pudesse saber. Pareceu-me muito importante mostra-lhe um cão igual ao que era meu. E partilhá-lo novamente com ela. Para se apaziguar com a prova de que eu nunca perdi a confiança no amor que ela tinha pelo cão e por mim. É verdade. Quando se ama tanto uma pessoa como eu a amava, não sucede isso em nenhuma circunstância. Duvidar do amor. Dela.
Antes de morrer, a minha mãe não estava cá. E eu tinha de guardar bem o nosso cão. Para lhe dar a prova de que falei. Que o cão era meu. Que, por isso, estava tudo bem comigo agora.
Foi esta razão que não me deixou deixar que uma criança, que era uma criança cheia de afetos, pudesse ser do cão. Daquele cão muito pequenino que foi morar lá para casa. Jamais pensei ou vi crueldade em mim. Mas factualmente foi exatamente isso que aconteceu.
Hoje ainda não sei porque tinha de ter aquela exclusividade. Não me parece que a minha mãe concordasse com isso. Mas, antes, com o contrário. Que era fundamental deixar a criança brincar à vontade com o cão. Eu também sinto assim. Porém, somente hoje e também antes do que aconteceu. Nunca percebi o que sentia naquela altura em que estava de facto partida.
Parece que a vida se resume basicamente a isto. Momentos e factos ou eventos. Tudo depende imenso da conjuntura e do estado emocional de cada pessoa. E, no entanto, é verdade que, para quem está por perto, isso não pode pesar. As pessoas partidas têm de ficar ao longe. Para evitar fazer mal a quem está por perto.
Uma mãe não pode deixar que se faça o que eu fiz à sua filha. Esta mãe, na altura, deixou. Porque, por amor, estava a tentar perceber e encontrar-se no meio de várias mensagens contraditórias. E, sobretudo, sentimentos. Ela desejava pensar que eu não podia ser assim. Mas eu estava a fazer o que fazia. E, portanto, era exatamente assim.
Só que ela, em nenhum momento do tempo que durou tudo isto, foi capaz de me dar uma violenta bofetada na cara. Por medo de me perder. E deixou-se desproteger a filha.
Eu não tinha noção nenhuma dor e, eventualmente, até do receio que causava em ambas. Estava cega de mim mesma. Tudo em mim doía e era-me impossível acordar. Nem sabia que podia tentar.
Por incapacidade involuntária. Para me chamar a mim, ela tinha de me dar o estalo na cara de que falei. Porém, o facto é que nem sequer levantou a mão. De maneira que, até certa altura, não soube como se perdoar. E, no entanto, por uma questão de sobrevivência, tinha de o conseguir.
Esperou o tempo para si necessário. O tempo que levou a ser capaz de iniciar o irreversível processo de me desamar. Fez tudo bem e teve a paciência e a resistência exigíveis para conseguir, como conseguiu.
A minha mãe morreu muito antes do cão. Ele partiu no dia 25 de março de 2023. Perto de onze anos depois dela. Era a idade que ele tinha. Então, talvez ele tivesse apenas uns meses quando conheceu a sua avó. A única pessoa a quem ele também pertencia por meu desejo exclusivo e exclusivista.
Ela estava tão doente que mal conseguia estar viva. A minha mãe já cá estava em casa. Do sofá olhava para o cão. Era um olhar de quem não pode e tem tanta pena. E, então, fazia por não olhar. A certa altura riu-se com qualquer coisa gira que ele fez. Por fim, desistiu completamente dele. Espero que tenha ficado sossegada por eu finalmente ter o cão. Custa-me não ter a certeza.
Sei que outro grande amor, embora de natureza própria, há muito tempo que morreu. Mas eu soube de tudo apenas há uns dias ou semanas. O que vale é foi apenas o amor. Graças a Deus!