RESPIRAÇÃO
Cat2007
02.11.09
Porque razão há-de uma pessoa ter pena de si própria? Porque o défice de confiança pode atingir tais níveis num ser, que o sentimento é de incapacidade total para tudo e qualquer coisa. No limite, incapacidade para se mexer. Normalmente, temos pena de pessoas assim. Normalmente os sem-abrigo são assim. Se sentimos assim por nós, temos pena.
Não vale a pena. Porque é mentira. A autopiedade é um erro e uma estupidez, se não dormimos todos os dias em cima de um bocado de papelão à porta dos prédios da cidade ou nos bancos dos jardins. Não se deve adormecer em cima de mentiras só para nos sentirmos mais confortáveis no seio de uma desgraça qualquer que nos aconteceu. Porque um pântano pode ser extremamente acolhedor.
A infelicidade profunda, tal como a felicidade esfusiante, é um estado passageiro. O resto da vida é feita de coisas tranquilas que nunca mais aprendemos a valorizar, com excepção dos sábios que o fazem. Acredito que os maus momentos têm a grande virtude de nos demonstrarem que os outros, que não são os maravilhantes, são excelentes, e nós nunca tínhamos reparado. Nós os que andámos em alturas de paz à procura da agitação. São as nossas aspirações. Lixam-nos. Fazem-nos sonhar, adormecer em pé e, com toda a naturalidade, cair. As quedas fazem-nos doer.
Porém, as dores passam com o tempo. Com excepção daquelas que precedem a morte, tais como as dores de cancro. Também há dores, que dão na alma, que despoletam a loucura. Mas, neste caso, é como disse, despoletam, não provocam. Um louco já nasce louco, e só está espera do melhor momento para aparecer. A generalidade das dores passam repito, sejam físicas ou emocionais. Passam.
Quando se partem as costelas é terrível. A dor. Eu sei porque já parti quatro ao mesmo tempo. Quanto a mim, o pior de partir as costelas é que não há nada a fazer. É esperar que elas recolem. Enquanto isso, as dores são demais. Ao que acresce a incapacidade para fazer quase tudo. Especialmente, mudar de posição na cama. A boa noticia é que tudo isto passa. Com o tempo. Já tinha dito isto, não já? Pois, é que é muito importante. O que não se pode é aspirar a que passe rápido. Porque isso é sonhar. Ser irrealista, portanto. O melhor é inspirar calmamente e expirar também com calma. Nunca aspirar. A dor assim é menos acutilante.
Portanto, uma pessoa com as costelas partidas não é um deficiente motor. Escusa, então, de acreditar que sim, e ficar cheia de pena de si própria. Aliás, pelo que me é dado conhecer, não creio que a maioria dos deficientes motores tenham pena de si próprios. Porque o ser humano é mesmo assim. Cheio de recursos e criatividade. O importante é, volto a dizer, não aspirar. Respirar e esperar é que é a solução.