A fidelização é algo absolutamente lamentável
Tita
12.01.10
Estava a pensar em fidelização. Tudo e todos nos querem fidelizar. Ou seja, garantir que ficamos junto a eles pelo maior espaço de tempo possível. Quero dizer, tudo e todos que podem retirar alguma vantagem com a nossa proximidade.
O Holmes Place já inventou um produto chamado Top24 para obrigar os clientes a pagarem as mensalidades durante dois anos sem falhas (há casamentos que duram menos do que isto). Pelo que percebi, a mensalidade é mais baixa para quem optar por esta modalidade de pagamento. O que sucede é que as pessoas arranjam, na verdade, um empréstimo bancário e, a partir dai, pagam de certeza durante os tais dois anos. Mesmo que não metam um pé no ginásio por um único dia (embora sempre vão um mês ou dois). E, com efeito, o Holmes Place está-se "nas tintas" para isso. O que importa é que o banco com quem estabeleceram a parceria para o efeito já lhes passou a totalidade do dinheiro. Por consequência, os clientes têm é que se haver com a instituição bancária, que nada tem a ver com as desmotivações, férias ou doenças dos sócios do ginásio. E tem os meios certos para obrigar toda a gente a pagar o que deve. Portanto, o Holmes Place esqueceu-se da principal razão para a sua própria existência. O que é sempre um absurdo. Veja-se do prisma que se quiser ver.
Outra forma de fidelização é o casamento - digo imediatamente que considero que já não era sem tempo a institucionalização do casamento homossexual. Não é mais que dar a possibilidade de escolha às pessoas, tatando-as com a dignidade e respeito que merecem no âmbito da matéria em causa. E vamos esperando que se trrate toda a gente deste modo no âmbito de todoas as matérias. Mas não me maravilha a ideia do casamento em si. É um contrato, uma situação que pode levar à fidelização. Porque é um contrato de vocação duradoura.
Em principio somos fieis às coisas e às pessoas que gostamos e nos fazem bem. Não há razão nenhuma para deixarmos de fazer o que é bom para nós. Nem deixar de ir aos ginásios. Nem deixar as pessoas que nos fazem felizes. Se estamos mais em baixo ou, mesmo um tanto autodestrutivos, até podemos desistir de muitas coisas boas na nossa vida. No entanto, é um direito nosso. "Lixarmos" a nossa própria existência. Ninguém tem o direito de nos fidelizar a um comportamento saudável. Somos adultos. É por isso que podemos celebrar contratos. É também por isso que podemos cometer erros. Temos o que é preciso. Ou seja, em princípio, temos maturidade e inteligência média. Logo, temos a capacidade para escolher e a liberdade que nos tem de ser garantida se vivemos num sistema democrático. Assim, temos fundamentalmente o direito a que actuem connosco com transparência para escolher em consciência. E é só.
Claro que muito pior é estarmos fidelizados a coisas que não nos fazem bem. O Holmes Place e o casamento continuam aqui a ser bons exemplos. Por seu lado, o HP não oferece metade do que promete e pretende muito mais de nós do que no inicio nos faz acreditar, como muita gente já sabe. Nomeadamente, deseja ardentemente que, a acrescer à mensalidade Top 24, paguemos 650€ por mês, durante um mínimo de três meses, para fazermos treino personalizado. E não nos deixarão em paz até conseguirem. Se não conseguirem, ainda assim, já nos desfizeram a paciência, pelo menos. Já os casamentos prometem a felicidade total e podem vir a ser um inferno estável a que as pessoas se habituam, ou não. Parece que a maioria de nós se habitua a estar casado. Dai a importância do direito ao divórcio. Para quem não se habitua.
E por falar nisto, diga-se que os homossexuais não estão a ser justos neste momento temporal quando dizem que apenas conquistaram um direito, faltando outros. Outros faltarão certamente. Mas isto é uma reforma gradual, não ideal. É assim que as reformas se devem implementar. Está provado. Quem quiser que vá ler os autores que falam sobre isto, que eu não tenho paciência para estar aqui a explicar. De qualquer forma, e como ia dizendo, os homossexuais conquistaram de uma só vez aquilo que os heterossexuais levaram séculos a conseguir. O direito ao casamento e ao divórcio (o casamento foi inventado no século XI pela Igreja, enquanto que e o divórcio apareceu em Portugal com a reforma de 1966 implementada pelos politicos). Nada mau, para começar, portanto. Passe a ironia, claro. Actualmente, as coisas acontecem mais depressa, como sabemos. E isto pode ser bom em muitas coisas.
Em resumo, a fidelização é algo de absolutamente lamentável se é feito pelo lado de quem está a oferecer bens e serviços. Seja de que espécie forem (sexo, por exemplo pode ser um bem ou um serviço, dependendo das circunstâncias. No âmbito de um casamento é, em princípio, um bem. Porém, nunca se sabe. Já sexo no ginásio, a acontecer, pode ser a mesma coisa. Ou uma coisa ou outra, quero dizer: um bem ou um serviço).
Eu cá sou fiel à Amália porque sou eu quem a procura nos discos, nos filmes, documentários e exposições. Ela não me obriga nada. Nem obrigaria, ainda que estivesse viva no sentido material do termo. Posso parar, por exemplo, o disco na hora de quiser. Mesmo que faltem mais de metade das faixas para ouvir. Não há consequências. E volto lá sempre com muito prazer. Estou fidelizada pelo lado certo. O lado de quem gosta e pode apreciar livremente. Assim sendo, a fidelização pelo lado certo, pelo desejo e impulso pessoal não tem nada de lamentável. É do melhor que há. Para todos os envolvidos e interessados. E mais, acredito que somos fieis a tudo o que nos faz sentir incontronavelmente bem e também ao que é incontestavelmente bom. Só se não estivermos muito bem da cabeça, que é como quem diz, das emoções. Ou só se não tivermos o gosto educado para certas coisas, que é como quem diz, se não temos muita cultura básica e a sensibilidade bem educada.