ELOGIO?
Tita
26.02.10
Existe uma ligação forte entre o elogio e a inveja. Mas não só. Entre o medo e o elogio também. Neste último caso, nos dois sentidos. E assim já não é tecnicamente elogio. Porque é elogio presenteado, tipo brinde publicitário "gama para empresas", quero dizer. Numa situação destas, se há elogio, não há elogio, portanto. Há a mentira utilitária a ver se pega e dá alívio. Há, assim, uma ligação aparente entre o elogio e a mentira. Com certeza! Palpita-me, então, que também existe uma ligação sólida entre o elogio e a cobardia. On verá (apetece-me dizer este francês sintético musicado, linha Brel, se fosse ele a cantar), mas não é hoje, que não estou com paciência para desenvolver por aí.
Gosto de ser elogiada. Naturalmente. Qualquer manualzinho de bolso sobre psicologia aplicada (ao quotidiano comezinho) ensina que assim é. Ou seja, que as pessoas gostam de ser elogiadas, e não apenas eu própria. Na verdade, não existe nenhum manualzinho que fale de mim. Não vale a pena mentir quanto a esta questão. Sobre a questão do elogio, não da inexistência do manualzinho sobre mim.
Normalmente, ninguém me elogia. Durante muito tempo pensei que isso era normal. Acreditava, dada a normalidade do facto (entendida no seu sentido de habitualidade) que tal só podia suceder por virtude da crença generalizada de que o elogio amolece o espírito, insufla o ego, desincentiva o esforço.Trabalho e alegria são incompatíveis. Prazer pela obra realizada é praticamente um pecado (tal como a luxúria é um dos "Sete pecados mortais", e afinal todos sabemos que foder é óptimo). Seja lá que obra for (mesmo que seja encerar um chão muito bem). Pelo trabalho tem-se o salário. Pelo trabalho obtém-se uma nota curricular (quando se obtém. Há professores que não acreditam no mérito de ninguém, para além do seu próprio descoberto pela visão privilegiada de quem está a ver do ponto muito alto onde se situa a sua vaidade). Nem a admiração revelada se adquire pelo trabalho. Só pelo estatuto. Ter concluído uma licenciatura em Direito, apenas contribuiu (infelizmente) para cimentar, ainda mais (como se fosse preciso), esta minha (errada) noção para a vida.
Geograficamente, nós, Portugal, não somos o país mais pequeno da Europa. Porém, não sei porquê, acreditamos firmemente que sim. Somos o país mais pequeno da Europa. Como justificar este absurdo? Com a doença. Nós estamos doentes do sistema métrico do nosso patriotismo.
Um dia entrei em contacto mais estreito com a sociedade civil brasileira (aquele conjunto de fenómenos organizados que ficam entre o Estado e a família), bem como com a sociedade brasileira não organizada - com pessoas individualmente consideradas. Fui elogiada pela primeira vez com toda amplitude e verdade. Nem mais. Por estrangeiros e desconhecidos.
No princípio, estranhei. Achei que não era verdade. Que os brasileiros são assim: gente de sorriso fácil. De gingado fácil. Em geral, de pouco saber e cultura. Gente de mentira fácil. Gente que diz e faz tudo enquanto anda pela superfície da vida, a ver se é amada ou apenas se safa. "Como os brasileiros são mal educados, carentes, egocêntricos e oportunistas, pensava". Mal. Muito mal na minha falta de educação básica. Se digo aqui e agora tudo isto que pensava é porque já me arrependi há muito tempo e tenho vergonha ainda hoje.
Os brasileiros são tanto assim como o são os portugueses, os ingleses, os franceses, os americanos, os indianos, os alemães ou os africanos. Quem pensar o contrário um dia arrepender-se-á. Não se pode confundir um universo cultural particular a cada sociedade com o carácter de cada pessoa. Podemos gostar, ou não gostar, do modo de viver global de um determinado povo. Podemos gostar, ou não, conforme a nossa própria sensibilidade e aptidão para poder saber mais dos outros. O que não se pode é andar por aqui e por aí a generalizar, caracterizando e reduzindo ilogicamente cada ser humano a um padrão que, ainda para mais, nem sequer é apurado.
Espero que resulte evidente que não procuro por aqui elogios! Sobretudo porque sei que não os receberei de boa vontade. Mas, ainda que estivesse a precisar muito de ser elogiada, seriam elogios portugueses. E, em Portugal não se elogia verdadeiramente ninguém. Sinceramente, sentir-me-ia muito incomodada por um solto e sorridente elogio lusitano. Nós não temos capacidade (nós, menos eu, se me permitem). E eu não estou habituada a nós (menos a pessoas como eu, se me permitem). É cultural. Não há nada a fazer!
Ser capaz de elogiar, não tem tanto a ver com o que se sabe ou conhece das coisas, mas com o modo de sentir das pessoas. Com o nosso modo de sentir. Exactamente.
Porque vivemos tão mesquinhos e desconfiados? É uma pena que um país ande há tanto tempo a deixar-se dominar pela insegurança, pelo medo, pela dúvida e pela inveja. É cultural. Há tudo a fazer!