MÃE
Tita
14.04.10
Uma estrada. É no que penso. Porque faço uma observação mental da vida. Da minha, no caso. Noto que tendo sempre a fazer este paralelo. Viver é fazer um percursos. Podia falar em caminho. Mas não. Digo estrada. Os caminhos por onde literalmente corri na minha infância eram um tanto curtos e iam dar sempre ao mesmo lado. Perto de casa, em sentido lato.
Disse estrada, mas são estradas. Porque existem várias. Não podemos passá-las todas. Só potencialmente. Evidentemente, os sinais que lá estão postos não são tão esclarecedores como os sinais de trânsito. Daí as duvidas perto das encruzilhadas, cruzamentos ou meras bifurcações. Mas o problema coloca-se antes. Coloca-se no fim. Qual é o fim? Sim para onde queremos ir? A A1 Norte vai de Lisboa ao Porto. E entre Lisboa e o Porto existem várias saídas que podem ser utilizadas para chegar a outras localidades. Não é muito difícil chegar ao destino neste plano das coisas.
Mas e o outro? Penso em estrada, penso em vida. Não digo estradas para não dizer vidas. Parece absurdo falar no plural quando a questão é singular. Por outro lado, é, antes pelo contrário, certo que sempre se pode ter várias vidas. Se entendermos que determinadas experiências valem, cada uma por si, uma vida. Mas ainda assim, são experiências de vida dentro da vida que é só uma. Com certeza. Estradas, vida. Assim é que deverá estar certo. Apenas não existe concordância gramatical. Talvez me sinta incomodada com isso. Dou muitas vezes por mim indecorosamente incomodada com minudências deste estilo. Parece que não tenho mais nada para fazer.
Creio que uma pessoa não tem mais nada para fazer. Isto pode suceder mesmo a meio de uma estrada plana e sem desvios. Uma pessoa pode não ter mais nada para fazer. Assim, senta-se no alcatrão e distrai-se a pensar em nada de muito útil. Há momentos em que qualquer coisa que seja util não tem utilidade nenhuma. Por outro lado, não é perigoso estar no meio da estrada. Não se ouve um carro. Talvez o trânsito já tenha sido desviado dali há muito tempo. É por isso que talvez fosse boa ideia tomar em consideração os pontos de vista dos outros. Talvez. Mas isso apenas é possível para quem é possível. Para quem não é, resta fingir para não ser incomodado. E seguir discretamente por outro caminho. Que é evidentemente uma estrada. Por ser mais longa. Uma estrada longa dá-nos a ilusão de que não vamos acabar perto de casa. Quase que concluo que é, de facto, uma mera ilusão. Eventualmente, o nosso destino é sempre, e em qualquer caso, um regresso a casa. Disse o nosso. Mas falo do meu. Não tenho autoridade para falar sobre o que realmente importa da vida dos outros. Disse nosso apenas porque estava a tentar integrar-me.
Gostava muito, ou melhor precisava absolutamente, que a minha mãe fosse uma mulher adulta. Não é fácil pedir, sem dizer, amor a alguém que nos faz tudo em troca de protecção. Um dia vou adoptar uma criança, e este cenário vai repetir-se. Um dia vou buscar o meu cão (que não será o mesmo,mas um idêntico), e este cenário vai repetir-se. Noto que todos os cenários da vida se repetem quanto ao seu essencial. Deve ser porque os troços de uma estrada são basicamente iguais em qualquer parte dela. Talvez seja muito mais importante dar amor, sem esperar afecto. Porque ele vem da mãe, da criança e do cão. Os verdadeiramente desprotegidos sabem retribuir amor. E, nesse processo, são capazes de algo absolutamente mágico: dão muito mais amor do que aquele que recebem.