LEMBREI-ME DO "CICLO PREPARATÓRIO TV"
Tita
10.01.11
Quando eu era uma pessoa pequena, tão pequena que só tinha inicialmente 4 anos, o meu pai tinha muita confiança nos programas televisivos. Houve uma mudança nos conteúdos editoriais pouco depois da Revolução, claro. Mas o meu pai não acreditou nela. Antes de se focar nessas coisas, ele tinha de se capacitar das outras mudanças que se operaram. E simplesmente não queria. Creio que, até há bem pouco tempo atrás, o pai guardava numa delicadissima caixinha energética a secreta esperança de ver chegar a todo o momento uma Contra-Revolução. E com ela a reposição do anterior status quo.
Sim. O pai deve ser fascista. Assim para simplificar, sim. Eu não. Eu não sou assim para simplificar fascista. Creio mesmo que sou assim para simplificar antifascista. Não é para contrariar o pai. É só porque as grandes imposições contaminam, magoam e matam. Está provado.
Enfim, mas eu podia ver televisão à vontade. Quer dizer, sem fiscalização. E via tudo. Mesmo a última meia hora do "Ciclo Preparatório TV". Estava à espera que começassem os desenhos animados, e ficava para ali impaciente ao trauma com aquela manobra televisiva incompreensível para mim.
O problema é que me falta memória. Mais do que isso, faltam-me noções para enquadramento. Eu sei lá porque passavam uma coisa daquelas. Como é óbvio, havia um objectivo qualquer por trás. Talvez se andasse a tentar combater o analfabetismo no ensino pós-básico. Não sei. Sei que as metas que inspiraram tal projecto não foram jamais alcançadas. A prova disso é que aquilo acabou como começou. Ou seja, sem ninguém perceber porquê.
E uma lição há a tirar de tudo isto. Não tentemos fazer às pessoas o bem que elas não entendem como tal. Não ajudemos os outros por meios solidários obscuros porque a solidariedade tem de ser transparente. De facto, temos de dar outro tipo de atenção às pessoas, procurando pelos seus problemas, ouvindo-as e comunicando na procura das melhores soluções. Tudo o mais é arrogância e caridade católica. Uma falta de respeito!
Só com a "Gabriela Cravo e Canela" é que o meu pai ficou alertado para a impropriedade dos novos conteúdos televisivos para crianças. Lembro-me de subitamente toda a família se ver confrontada com uma cena pró-erótica qualquer. O pai manifestou a sua indignação, utilizando vários modelos comunicacionais concebidos pela língua portuguesa para o efeito. Eu pessoalmente também não gostei. Preferia ter visto a cena sozinha. Ou, pelo menos, sem a presença do pai e da mãe.