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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

AZUL - Cap XXXIII


Tita

27.09.16

Teresa: Como podes estar tão certa disso? Eu vou para a cama contigo praticamente todos os dias. Sei coisas de ti. Coisas que tu sentes. Que tu não fazes questão nenhuma em esconder quando fazemos amor. Tu não estás comigo só pelo prazer.

Madalena: Claro que não. Estou contigo porque te desejo imenso. Olha para ti. És a mulher mais bonita que eu alguma vez conheci na vida.

Teresa: Ora, Madalena. Há muitas mulheres bonitas.

Madalena: Mas nenhuma tão bonita como tu.

Teresa: A beleza de alguém não é tanto o que se vê mas o que se sente. Eu acredito em ti. Achas que eu sou a mulher mais bonita que conheces mas…

Madalena: És a mulher mais bonita que eu já alguma vez vi.

Teresa: Ou isso. Mas, como ia a dizer, a beleza que dizes que eu tenho é sentida por ti.

Madalena: Pois é. E então?

Teresa: Então, estás apaixonada por mim.

Madalena: Ah! Isso é diferente. Claro que estou apaixonada por ti. Mas já não te amo.

Teresa: Mas eu amo-te.

Madalena: Mas eu não te amo porque tu, há vinte anos atrás, me deixaste partida. Nunca mais amei ninguém tão profundamente. Porque eu, apesar de só estar contigo há dois anos, amava-te profundamente. Por causa da entrega que foi total e sem reservas.

Teresa: Amavas-me como eu te amava. Mas era um amor que não tinha sido testado.

Madalena: E quando foi, tu deixaste-me. Já falámos sobre isso.

Teresa: Por causa dessa entrega eu, que te sufoquei dentro de mim, durante todo este tempo, libertei-te, libertei-me e percebo que continuo a amar-te.

Madalena: Mas eu, por causa do que me fizeste, deixei de te amar. Porque deixei de acreditar em ti e passei a duvidar de mim.

Teresa: Então como permitiste que eu me aproximasse tanto outra vez?

Madalena. Eu não queria. Mas tinha que acontecer. Só tu me fazes sentir assim. Era impossível dizer que não à vida.

Teresa: Faço-te sentir assim como?

Madalena: Tu disseste que sabes como me fazes sentir.

Teresa: Eu explico-te o que te faço sentir, dizendo o que tu me fazes sentir.

Madalena: Sim, bem sei que é a mesma coisa. E o que é que eu te faço sentir?

Teresa: Madalena, tu fazes-me sentir viva e feliz.

Madalena: Teresa, tu fazes-me sentir arrepios na espinha e tremores nas mãos. Tu desorientas-me os sentidos porque os sons, as imagens, a textura da tua pele, o teu cheiro e o teu sabor se misturam todos ao mesmo tempo. Então eu já não sei se o que vejo é o mesmo que toco. Se o teu gosto é igual ao teu cheiro… Contigo eu viajo para fora deste mundo e regresso como se nunca tivesse voltado. Ando na vida a sentir-me muito mais viva. Porém, isto não me faz feliz. Quero que passe.

Teresa: Porém, estás com medo. Diz antes assim, querida

Madalena: Agora és tu que me chamas querida no fim da frase?

Teresa: Sim. Porque me deixaste com tesão. Compreendes, querida?

Madalena: Mais tesão, querida?

Teresa: Com certeza, meu amor. Percebo que seria mais fácil para ti se eu não te chamasse, meu amor. Era melhor estar só apaixonada como tu estás. Acontece que eu sinto as duas coisas ao mesmo tempo. Amor e uma paixão desenfreada como a tua.

Madalena: Seria mais fácil porque eu quero que isto acabe.

Teresa: Tens medo de que essa paixão te leve ao amor outra vez.

Madalena: Teresa, francamente, Tu falas de amor mas estou certa de que não te ocorre partilhar a tua vida comigo. A tua homofobia é que me garante que esta minha paixão não vai resultar em amor nenhum.

Teresa: Já não me apetece ir a Sintra. Estamos em Cascais. Porque não fazemos um lanche ajantarado ao pé do mar?

Madalena: Está bem. Gosto de ver o mar enquanto olho para os teus olhos. Parece a mesma coisa. Vamos.

Teresa: Não penses que tentei evitar o assunto da minha homofobia, que é real. Apenas não me apetece falar disso agora. Porque estou confusa nessa matéria. Por outro lado, quero encetar uma manobra de engate sobre ti, querida.

Madalena: Estás a aprender comigo, querida.

AZUL - Cap XXIII


Tita

21.09.16

Clara tinha que sair. Joana ia levá-la. Queria estar em casa antes de a mãe chegar. Tinha medo que ela adivinhasse. Entre as duas não havia segredos. E sobretudo não se diziam mentiras. No entanto, preparava-se para uma omissão. Gravíssima. Era preciso não a encontrar. Pior do que mentir era ser confrontada com a mentira. O telemóvel emitiu um sinal habitual. “Hoje não janto em casa”. Suspirou. Que coincidência feliz. A mãe muitas vezes não aparecia para jantar. Mas, naquele dia, acontecia, de facto, uma coincidência feliz. Acalmou. Já não tinha assim tanta pressa. Desceram à garagem. Saíram da garagem.

O regresso ao mundo ocorreu de forma semelhante a um parto. Eram como duas gémeas expelidas de um útero. Mal ouviam e custava-lhes falar. Um feixe de energia imanente transbordava para fora das fronteiras da pele, atuando como escudo protetor contra as influências do meio.

Rodavam devagar pelas ruas indistintas. Alheias a todas as externalidades supérfluas. Joana apenas se concentrava mal na estrada. Transportavam nas mãos, que se apertavam a espaços e fugazmente uma aguarela de cores felizes. As tintas, aplicadas com um certo sentido sobre os seus corpos, cobriam-nas da cabeça aos pés. E davam cores brilhantes e vivas aos olhos. Aos cabelos. E às peles. Eram dois fantásticos retratos vivos, cuja criação está apenas ao alcance de uma outra arte. De matriz eminentemente divina.

Aconteceu-lhes tocarem-se uma vez. A primeira. Com bocas magnetizadas. Aquela paixão foi inevitável talvez por isso. Pelo magnetismo. O que de resto sucedeu não foi igualmente ponderado. O que se passaria a partir daí era imprevisível.

Nunca ouviram. Nunca leram. Nunca tinham ouvido falar. De uma coisa assim. Como saber, então? Quem poderia imaginar que o sangue corre com mais força nas veias do que o mar revolto em noite de tempestade contra as rochas que sustentam os faróis? Quem saberia falar daquela solidão irresistível que as assaltava? Geralmente pensa-se que a solidão é só. Só para uma alma. Nunca para dois seres que se têm completamente. Porém, num certo tipo de sentimento, sucede que, em determinados momentos, o dois passa a um. E nasce um ser novo. Diferente de cada uma das unidades. Um ser só que, de seguida, volta a dois. E reaparece. E volta a dois. E reaparece. E volta… Quem saberia disto? Ambas compreendiam, em qualquer caso, que aquele sentimento dominava totalmente os atos e os factos subsequentes aos atos. Tomara vida própria, existindo para além da vontade delas.

Joana: até amanhã.

Clara: até amanhã.

Subiu. Não comeu nada. Nessa noite, pela primeira vez desde sempre, não vestiu o pijama.

AZUL - Cap XXI


Tita

20.09.16

Ouvia-se o silêncio através do som de um rádio ligado num sítio qualquer. Somos dois gritos calados. A música soltava-se nítida. Elas, porém, não ouviam. Estavam surdas de silêncios. As mentes perdiam-se de encontro ao objetivo traçado. Iam para casa. Para a cama. Fazer amor. You took a mistery and make me want it. A música que não se ouvia estava ali apenas para acompanhar os ritmos das emoções. As melodias vinham de qualquer lugar não definido. De uma emissora irreal. Por isso a estranha seleção musical.

Até as almas mais corajosas e aventureiras sentem pelo menos um respeito reverencial em relação ao desconhecido. Como se sairia do confronto com ele? Era nisto que Clara pensava. A verdade é que lhe doía a alma de uma forma física. Como se tivesse dores musculares. As violentas emoções que lhe vinham sendo impostas enfraqueceram-na. Via-se como uma criança desprotegida. Muito pequenina. Estava anormalmente fragilizada. Dependia enormemente de Joana. Tinha medo. Assim que o dia amanheceu lá no mar alto da paixão/ Dava prá ver o tempo ruir/ Cadê você? Que solidão /Esquecerá de mim e enfim/ De tudo o que há na terra não há nada em lugar nenhum/ Que vá crescer sem você chegar/ Longe de ti tudo parou/ Ninguém sabe o que eu sofri. A dor da separação ainda lhe tocava. A separação que imaginara num desejo forçado que não teve forças para realizar. Pertencia agora a Joana.  Joana não a via de fora para dentro mas ao contrário. Tinha mergulhado dentro dela, buscando-a nas profundezas do ser. Navegava no seu espírito para a ver melhor. No teu poema existe um verso em branco e sem medida/Um corpo que respira, um céu aberto/Janela debruçada para a vida/No teu poema existe a dor calada lá no fundo/O passo da coragem em casa escura/E aberta uma varanda para o mundo/Existe a noite, o riso e a voz refeita à luz do dia/A festa da Senhora da Agonia e o cansaço do corpo que adormece em cama fria/Existe um rio, a sina de quem nasce fraco ou forte/O risco, a raiva e a luta de quem cai ou que resiste/Que vence ou adormece antes da morte/No teu poema existe o grito e o eco da metralha/A dor que sei de cor mas não recito/E os sonhos inquietos de quem falha/Existe um rio, o canto em vozes juntas, vozes certas/Canção de uma só letra/E um só destino a embarcar no cais da nova nau das descobertas/No teu poema existe a esperança acesa atrás do muro/Existe tudo o mais que ainda me escapa/E um verso em branco à espera do futuro. Emergiu no fim da canção. Agora que tinha a sua imagem mais completa podia vê-la com toda a nitidez. Fixaram-se. O mesmo amor expelia pelos olhos energias convergentes. Era exatamente o mesmo amor. Clara deixou-se conduzir ao quarto e à cama. Foi a música que as levou. Aquela música que continuava a tocar dentro delas. As melodias que substituíam todas as palavras. Joana despiu-a, deixando-a completamente nua estendida sobre o edredão. Parecia-lhe que Clara acabava de morrer. Mais uma vez. Recuou então. Foi capaz de se afastar dela só para a ver. Clara deixou-se estar imóvel, fechando os olhos para não incomodar.

Joana estava de pé embriagada de espanto. Continuava vestida. Tudo em si parara. Tal como o mundo. You’re just too good to be true/Can’t take my eyes of you. Despiu-se. Manteve-se no entanto onde estava. De pé. Do mesmo modo. Clara abriu os olhos no momento em que virou a cabeça para ela. O sorriso foi-lhe transportado no movimento do olhar. Dos pés à cabeça de Joana. Viajara assim. You looked inside my fantasies and made each one como true/Something no one else had ever found a way to do. Estendeu-lhe a mão. Joana foi.

Tudo acontecia com a solenidade das grandes ocasiões. Dos eventos importantes. Olharam-se com a seriedade de quem preside a um ritual. Apenas as pontas dos dedos atuavam sobre a pele. Durante algum tempo foi assim. Talvez durante muito tempo. O sangue a ferver pulsava nas bocas, porém. Por isso o beijo interminável colou os corpos nus que se confundiram. E a música aproximou-se devagar. Au première temp de la valse toute seul te sorrit déja/ Une valse à trois temps. Une valse à quatre temps. Subia de tom. Une valse à vingt temps/Une valse à cent temps. Explodia. Une valse à mil temps/Une passion de vingt ans parsque tu as vingt ans et j’ai vingt ans. A paixão afrouxou um pouco para deixar respirar o amor através das bocas que buscavam ar uma na outra. If i coulda make a wish i think i’d pass/can’t think of anything I need/No cigarrettes, no sleep, no light, no sound/Nothing to eat/No books to read/Making love with you left me peaceful, warm and tight/What else could I ask there’s nothing to be desired/Sometimes all I need is the air that i breath and to love you. O que se tornava difícil de suportar era aquela alternância de emoções que mudava todos os ritmos intempestivamente, confundindo tudo. Sem possibilidade de contrariar nada, elas abandonavam-se. Deixavam os corpos vibrar de acordo com os sons. Entregavam as almas indefesas aos caprichos da música. Joana queria-lhe o corpo. Incendiava-a com o hálito. Molhava-a com saliva, acalmando-lhe a pele. Entrou pela virgindade dela e furou. Clara sentiu a devida dor. Depois Joana foi beber o sangue com devoção. Passou-lhe os dedos pela boca, pintando-lhe a boca de vermelho. Tu vieste em flor/Eu te desfolhei/Tu te deste em amor.

Joana: És minha?

Clara: Toda.

Joana: És boa.

Clara: Tu é que és.

Nenhuma delas sentia obscenidade no que acontecia. Nem uma ponta de vergonha.

Clara: Vem por favor. Faz tudo outra vez.

O mundo tinha o tamanho daquelas quatro paredes. Era essa a dimensão do universo. Aquele pequeno quarto. Os únicos seres viventes eram elas de modo que podiam dizer e fazer tudo o que queriam. Sem limites. Experimentaram.

Joana: Tens que pedir.

Clara: A sério?

Joana: Sim.

Clara falou-lhe muito baixinho.

Clara: Fode-me e chupa-me outra vez.

Joana: Tu não tens vergonha.

Clara: Tenho um bocadinho.

Joana rolou para cima do corpo dela mais uma vez. Clara fechou os olhos. Devora me outra vez, vem devora me outra vez. Por fim o prazer do amor recuperou completamente a vitalidade de Clara.

Clara: Agora vais ficar ai bem quietinha.

A bela amazona sentia-se novamente plena de vigor. Cheia do seu espírito guerreiro. Preparava-se para subir para a montada. Desejava cavalgar velozmente a sua égua. Queria-a sem freios. Deu-lhe de esporas. Ela empinou. Clara sentiu uma vertigem. Fê-la desenfrear numa correria. Sentiu-a a querer afrouxar. Não lho permitiu. Feriu-a nos flancos. A égua relinchava de dor. E sangrava. O animal acabou por disparar descontrolado como Clara desejava. Manteve-se habilmente na sela até a égua estacar completamente extenuada. Desmontou. Passou-lhe a mão pelo corpo derretido em líquidos de várias qualidades. Lambeu-lhe as zonas doridas. Engoliu-lhe as lágrimas uma por uma. O sal fez-lhe sede. Foi beber à fonte de água corrente. Ao lugar que no momento era o centro do seu universo. O seu mundo provisório. Joana enfiou os dedos nos cabelos dela e respirou fundo. Nobody does it better/Nobody does it half as good as you/Babe your the best. No fim Clara regressou à boca dela e sussurrou-lhe sobre os lábios.

Clara: Querida. Querida.

Joana: Diz, querida.

Clara: É só para te chamar querida.

Joana: Minha querida.

Pararam pelo tempo do leve cansaço. Voltaram depois no gesto amplo com que Clara alterou o cenário e deu novas falas ao texto. Parecia muito séria.

Clara: Tu tiraste-me a virgindade.

Joana apenas a olhou ardentemente. Não sabia falar. Clara pegou na mão dela e exibiu-lhe os dedos com réstias de sangue mesmo em frente ao azul dos seus olhos. Joana tocou-lhe o canto da boca com eles e declarou com solenidade:

Joana: Eu sou tua.

Clara: Sim.

Pararam. Joana franziu ligeiramente a testa.

Joana: Doeu, amor?

Clara: Nada. Não notei nada.

Joana: Parece que durantes estas horas passaram muitos anos.

Calaram-se. Os olhos de Clara seguiam figuras transparentes que lhe fugiam em direção ao céu. Joana tentou alcança-la.

Joana: Em que estás a pensar?

Clara: Estou a pensar que ainda não há muito tempo eu era uma pessoa diferente e a minha vida era outra.

Joana: Também eu era.

Suspirou, expirando algumas toxicidades.

Clara: Sim.

Joana: E agora como vai ser?

Clara: Agora talvez eu precise de te amar todos os dias a todas as horas para poder continuar.

Joana: Continuar a respirar?

Clara: Sim.

PROVOCAÇÕES AMOROSAS


Tita

07.09.16

 

 

Sobre o que escrever? Claro que, na sequência do post abaixo, e porque o filme está aí, havia muito da dizer sobre a insuperável Florence Foster Jenkins. E, por analogia, sobre a grandíssima Natália de Andrade. E, noutro registo, mas no mesmíssimo registo da paixão, sobre a divina Maria Callas. Entre estas três há um ponto em comum, naquilo que obviamente me diz respeito. A capacidade de me emocionar ao extremo. Embora a Callas não me faça rir. Só sorrir. Mas, como ia dizendo, creio que quem as ouve me compreende. E me dá razão quando digo (quando disse no post anterior) que, no filme, é uma pena ter sido a Meryl Streep a cantar. Assim não se percebe bem. A comédia e o drama que o verdadeiro talento alimentava.

 

No entanto, ponto final sobre o assunto. É preciso mudar de assunto. Porque é preciso mudar. Eu preciso. Sobre o que escrever? Ora, vejamos: com exceção de no amor (foi de no amor que eu quis mesmo escrever. Não há erro), não gosto de ser provocada. Ninguém gosta, creio eu Mas no amor é muito bom. Suscita o desejo, abrindo espaços para o encantamento. Uma pessoa ri-se, por exemplo. Mas as provocações no amor têm de ser de amor. Creio que não é necessário explicar com exemplos o que são provocações de amor. Nem dizer que não é necessário amar amar para que elas ocorram, bastando outros sentimentos também atrativos de menor monta.

 

De alguma forma, as provocações amorosas têm qualquer coisa a ver com o canto das cantoras líricas. De outro modo, eu não teria feito esta associação de ideias. De qualquer modo, não sabendo ainda bem explicar o que se passa, ocorre-me a palavra paixão e raciocínio. É preciso sentir que existe e é necessário compreender os contornos. É preciso disponibilidade.

 

BLACK OUT SEX


Tita

16.02.11

 

 

 

 

Não há luz no edifício inteiro. Sexta-feira. Ninguém fica a trabalhar até esta hora numa sexta-feira. Só eu.  

- O que estás aqui a fazer?!

- Venho buscar-te.

- Mas como? Porquê? Não há luz.

- Apagou-se mal saí do elevador. Foi sorte... O segurança deixou-me subir. Apeteceu-me ver-te antes de chegares a casa. É Dia dos Namorados.

- Já te conhece… Mas não tínhamos combinado... O dia dos Namorados é uma parvoíce, já sabes. E não há luz. Como descemos?

- Não descemos. Não há luz. É bom. É dia dos Namorados.

- Cala-te… Vamos embora. Em casa… Os telefones não funcionam. Estão ligados aos computadores. Não posso falar para o segurança. Não sei o número de telemóvel do homem, como é óbvio. Mas podemos descer. Há luzes de presença…

- Eu sei. Mas ficamos aqui até ele aparecer. É dia dos Namorados.

- Não me beijes assim, caraças!

- Deixa. Enquanto esperamos. Deixa. É dia dos Namorados.

- Está bem. Beijo assim… está bem. Mas não podes meter a mão ai. Qual Dia dos Namorados? Esquece isso.

- Gosto que me mordas a boca.

- Eu sei…

- Adoro.

- Merda, pá! Que barulheira! Contra a parede com tanta força. O tipo deve estar a chegar.

- Para que estás sempre a falar? Estás sempre a falar. Fode comigo.

- Já estamos. Mas… tenho que dizer que não acho isto bem.

- Achas, sim… ai! Olha as marcas, caraças!

- Não quero saber. Gosto de deixar marcas.

- É posse!

- O tipo está a chegar. Sim faz isso. Isso é bom. Posse também …é bom.

- O tipo chega em 5 minutos. Tens que te vir em 2.

- Sabes lá tu o tempo que o gajo demora!

- Estamos no último andar. Vá! Tens 2 minutos.

- Vai-te lixar. Estou no meu trabalho. Estou quase…

- Não arriscas nada! Só o bom nome. Vem-te!

- Não te rias idiota! O bom nome é quase tudo.

- O orgasmo é que é quase tudo. Estás… eu sinto…

- Estou… olha, estou. Já está. Pronto! Vês?

- Vejo… Amo-te.

- E eu a ti. Muito. E tu agora? Não queres que… É dia dos Namorados.

- Como?

- Pronto. É. Não te rias.

- Foder-te é bom. Não quero mais nada. Descansa em mim. É Dia dos Namorados.

- Sim…? Sr. José?

- Faltou a luz no edifico. Passa das onze da noite.

- Faltou a luz quando? Não me diga que adormeci aqui... Que vergonha!

- Parece que sim. Deixe lá. Não é vergonha nenhuma. Então não vê que é cansaço? Esta semana saiu sempre depois das dez.

- Pois foi. Saí.

- Vamos descer?

- Sim.

 

OBSESSÃO


Tita

07.02.11

 

 

Susan Molly é o meu cão. Um macho não afectado. Só assim podia ter este nick name que eu lhe arranjei. A minha tia tinha um Serra da Estrela gigantesco. Daqueles que têm o pelo como os leões. Não é como os leões, mas faz lembrar. Era um péssimo cão. Mordia a toda a gente, quero dizer. Menos a ela. Com excepção de uma vez. Deixou-lhe um dedo a sangrar. Mas foi só uma vez. Não posso descrever o amor que ela lhe tinha. Só visto. O olhar que ela devotou à fotografia dele depois de morto. Chamava-lhe Lola. A minha tia gostava da Lola Flores. Foi por isso. O meu cão é de raça pequena. Mas é racé. Susan Molly era o nome de um personagem de um filme. Não adorei o filme mas esta criança impressionou-me. Não sei se a minha tia achava que o cão dela cantava. Em castelhano ainda por cima. O meu não representa. Mas tem coisas no temperamento que me lembram muito a Susan. Especialmente a obsessão. Sou obcecada pela obsessão. Fico sempre fascinada a ver. Onde aquilo vai parar. Molly passou-se por causa de um tipo. Passou ao lado do sucesso porque a paixão a fez desacreditar de si. A dor da rejeição sujeitou-a à escravidão da espera da reaceitação. Desapareceu dentro de si. Nunca mais voltou. Nem quando deixou de acreditar nele. Nem quando percebeu que não se deve acreditar em ninguém de uma forma em que não se acredita, mas apenas se sente a dependência. O equivoco de viver com um handicap emocional. Ele mostrou-lhe o buraco dentro do seu ser. Um buraco que existia antes, mas que esteve sempre tapado. Até ao dia em que ele lhe disse “não te quero mais”, O buraco repentinamente visível era muito maior que ele. Mas Susan confundiu-se. Viveu obcecada pelo homem para fugir do buraco. Todo o resto do seu ser, que era bom e especial, foi engolido pelo abismo. No fim do filme, há um grande plano da cara dela. Vê-se perfeitamente que está narcotizada. Morta. Porque os braços estão caídos. Assim a pender. O meu cão passa horas à boca de um buraco negro por onde não consegue entrar. É um cão de caça. Está lá dentro uma ratazana. Não pára de ladrar. O corpo treme todo. Tenho que lhe bater para o trazer para dentro de casa. Mas invariavelmente volta à boca do buraco. Volto a bater-lhe sempre que quer ficar lá mais de uma hora. Quando está longe do buraco nem se lembra. E é muito feliz. Creio que alguém devia ter dado uma enorme sova à Susan Molly.

QUANDO CERTA MÚSICA NOS FAZ SENTIDO


Tita

24.12.10

Há um dia qualquer em que vou no carro. Pode ser por aí. Pode ser para o trabalho. Não sei para onde. O rádio está ligado numa música. Gosto de tango. Muito. Há esta consciência em mim.

 

 

 

 

 

 

 

 

Gosto de vozes de mulheres que cantam assim. A cabeça pára-me de pensar ali. Olho para a melodia e para o som da voz. Sei que não tive tempo para realizar nada do que foi dito. Fiquei neste verso. "Abraca me esta noche". Chega. A música. A voz. E o verso. Pensei que não me sentia assim ali. Mas sentia. Quedei-me numa melancolia com saudade do futuro. "Acerca te a mi". Teria de esperar pelo momento em que esta musica me fizesse sentido. Estava descrente. "Abraca me esta noche"...

 

Muito obrigada.

 

 

 

 

DAR A VOLTA COM AS PALAVRAS


Tita

04.11.09

 

 

 

Eu dou a volta às pessoas com as palavras. O que eu digo é sempre verdade. Sim, que eu nunca minto. Mas digo as coisas de uma forma que altero tudo a meu favor. Isto foi dito por alguém que dizia que me amava. Apetece-me imediatamente dizer que, se fosse eu, não amaria uma pessoa assim como eu, malgrado o nível do desejo sexual que eventualmente sentisse por alguém que fosse assim parecido comigo.

 

Uma pessoa que diz uma coisa destas, se acredita no que diz, se não está apenas e exclusivamente a defender os seus interesses (e já agora, pergunta-se que interesses serão esses), e, portanto, de má fé, está, no mínimo, equivocada.

 

A vida não é um jogo. Nem um julgamento. Há muitas coisas em comum entre os jogos e os julgamentos, nomeadamente a importância do resultado final. Adiante-se, desde já, só para relembrar aos mais distraídos, que o resultado final na vida é a morte. Para todos, sem excepção. Quer num jogo, quer num julgamento pode haver muitas ou poucas coisas em jogo. Mas há sempre algo que está em jogo. Pode ser muito, pouco ou relativamente importante.  Nos jogos e nos julgamentos, usamos as melhores armas que temos. Ganha quem levar as melhores armas e as conseguir usar nos momentos apropriados. É muito importante ganhar os jogos e os julgamentos. A vida não é um jogo. Nem um julgamento. Repito. A vida não é uma disputa. Não temos qualquer interesse fundamental em jogo na vida que possamos perder ou ganhar. Nenhum de nós. Embora, diga-se, sempre haja quem pense o contrário.

 

Na vida, posso perder a vida, a saúde, o emprego, o dinheiro ou, mais importante que tudo isto, alguém que eu ame porque este alguém perdeu literalmente a vida ou porque se perdeu de mim (sim, talvez interesse menos perder a própria vida do que a vida de um ser amado). Nada disto está em jogo, como é bom de ver. Porque perder ou ganhar nestas matérias da vida não tem nada a ver com as vitórias e derrotas em campo, no tabuleiro ou no tribunal. Todas as espertezas, truques, argumentos ou jogadas que se façam não podem nada contra um certo tipo de imponderável que a vida tem, e o jogo e o julgamento não têm. Nem sequer a sorte ou o azar na vida tem a mesma natureza. Acresce que muitos dos resultados que obtemos na vida pela vida que fazemos e pelo que fazemos na vida não são imediatamente apreensíveis, nem compreensíveis, nem calculáveis.  

 

Não fumadores morrem de cancro no pulmão, enquanto fumadores inveterados vivem até aos 90. Desportistas cedem a ataques cardíacos, enquanto balofos sorriem com um hambúrguer entre os dentes. O executivo mais brilhante perde o emprego e vai à ruína por causa da conjuntura económica, enquanto o traficante de droga que mal sabe ler e escrever fica rico. Houve pelo menos uma mulher que esteve apaixonada por Hitler, enquanto que a maioria dos seres humanos não tem ninguém disposto a suicidar-se consigo ao mesmo tempo. São exemplos recolhidos à pressa. Talvez nem sejam os melhores.

 

Para o que importa, eu queria dizer que não vale a pena andar a jogar na vida. Porque, como disse, a vida não é um jogo com um princípio e um fim, e a vida continua. A vida acaba-se um dia. E tem um toque de definitividade este acabar, que arrepia. Nada se lhe compara. É muito importante tirar da vida a verdade que ela tem. Seja ela qual for. Porque é muito triste morrer, tendo aprendido muito pouco. É muito importante ver exactamente as pessoas como elas são. E dar a ver quem somos. É fundamental não morrer vazio porque não se viveu na vida nada que na vida valha a pena.

 

Portanto, e voltando ao principio da conversa, não se tenta dar a volta a ninguém. Isto se eu estou a entender bem o que isto quer dizer. Dar a volta. Dar a volta a uma pessoa é convencê-la de alguma coisa que não é verdade por forma a que tal pessoa faça ou diga alguma coisa que nos interessa ou convém. Eu digo que não nos convém meter alguém a fazer aquilo que não quer ou a imaginar  que sente o que não pode sentir. Quem imagina que pode fazer uma coisa destas imagina mal. Se alguém tentasse fazer-me isto, eu haveria de perceber. E detestaria. Porque, nos termos atrás expostos, a mentira séria é das coisas mais detestáveis  que pode haver. Não se pode amar quem manipule assim os outros. 

 

Quem me disse o que disse pode ficar muito contente com esta notícia: não me ama. É uma boa notícia porque é um bom principio para um começo de vida noutro lado. Longe de mim. Porque eu não consigo respirar o mesmo ar de quem não me  respeita.

 

E, evidentemente, de quem me conhece mesmo muito mal.

 

Crazy, Holmes Place e Paixão


Tita

02.03.09

 

Há uns temos atrás escrevi aqui coisas péssimas sobre o Holmes Place. Não retiro uma linha do que então disse. Porém, falta-me um pequenino apontamento de gratidão. E isto só prova como as coisas na vida são basicamente policromáticas. Bom, para ir directa ao assunto, devo começar por dizer que é bom fazer Personal Training em casa, e sobretudo, na cama. Pois é isto que eu tenho a agradecer ao Holmes Place. Se não fosse por eles eu não estaria hoje em tão boa forma global. Muito obrigada.

 

E a história começa assim: em 2000 estava casada; em 2001 continuava casada; em 2002, ainda casada, começei a frequentar o Holmes Place da Avª Defensores de Chaves (na verdade, eu tinha escritório da Avª Praia da Vitória e morava na Duque D´ Ávila, logo podia ir a pé para o ginásio, o que fazia diariamente). Isto, claro, até me chatear de morte pelas razões aduzidas em anterior post, e às quais não vou naturalmente voltar agora.

 

Para o que importa, fiquei um ano sem ir a ginásio nenhum, dedicando-me exclusivamente ao ténis. E continuava imersa no mesmissimo casamento. Mas como não dá para jogar ténis sem "malhar", rompi uma coisa no joelho. E tive de parar de jogar. Resolvi, então, que iria inscrever-me no "Clube VII". Estava tudo decidido. Porém, o cônjuge, que cada vez me fazia sentir mais casada no sentido pesado do termo, encetou uma manobra de antecipação: foi ao dito "Clube VII", resolveu unilateralmente que não gostava e convenceu-me que o melhor mesmo era um regresso (agora em conjunto) ao Holmes Place da Defensores de Chaves. Porque, na verdade, ficava mesmo ali à mão. Enfim, foi aquela pressão ao melhor estilo matrimonial, que me bateu pelo cansaço.

 

Fui. Mas muito contrariada. Porém, fui. Claro que me fartei de gritar com a menina que organizava os papeis da inscrição enquanto me ia inscrevendo: "porque este clube isto, e aquilo, e mais isto e sabe que mais? É detestável esta coisa de estar presa a uma organização durante uma ano. Parece uma casamento e eu não me quero casar convosco!". Pois de casamentos começava eu a ficar muito farta, na verdade (embora sem admitir). E estavamos no final de 2004.

 

Voltei, então aos meus treinos diários. Passava duas horas por dia no ginásio sózinha. Verificava-se uma feliz falta de coincidência de horários matrimoniais. E durante essas duas horas eu podia recuperar de uma asfixia inenarrável a que se resumia a minha vida privada. Já por isso, não queria falar com ninguém ali dentro. E muito menos com os PT. Sobretudo se estavam com aquela camisolinha encarnada das horas de MI (Member Interaction). Pois interacção era coisa que eu não podia mesmo suportar. Nestes propósitos, andei ali um ano seguido em que foi possível fintar tudo e todos. Eu era tão distante, que já ninguém se atrevia a tentar sequer falar comigo. Óptimo.

 

Mas eis que um dia surge uma novo membro do staff. Tinha vindo do Holmes da Quinta da Bloura. Era tão qualificado que lhe disseram para não ir para a Defensores de Chaves (porque era o clube mais antigo), mas para as Amoreiras (recém inaugurado). No entanto, este novo membro do grupo de Personal Trainers não quis. Por razões que ainda hoje não consegue explicar, decidiu firmemente ir trabalhar para a Defensores. Por mim, devo dizer que mal me defrontei com a pessoa entrei imediatamente em pânico. Era duma simpatia!!!!! Um verbo fácil, um sorriso leve e permanente... uma capacidade de chegar. Pensei: "estou lixada!" Como é que eu ia escapar? Eu tinha de escapar. Precisava daquelas duas horas de paz. Aquela criatura era uma ameaça! Uma armadilha, mesmo!

 

Engatei o ar mais antipático que consegui montar e evitei sempre qualquer tipo de proximidade. E, claro, "eye contact", nem pensar! Mas, enfim, se uma pessoa tem que cumprir um programa de exercícios é natural que fique presa a uma máquina e a outra durante um determinado período de tempo. É aqui que se fica mais à mercê de investidas, portanto. Mas eu metia os olhos no chão e tinha sempre o Ipod ligado. Estava preparada. A questão é que a pessoa mais simpática do universo foi-se aproximando de mim. E eu notava. E eu não queria! Mas aproximava-se, contudo. Quando estava a dar PT, arranjava forma de estar na máquina ao lado, quando fazia MI, resolvia interagir perto de mim. Pois, na verdade, já tinha resolvido que havia de me "desmontar". Par começar, porque eu era a maior antipática do mundo.

 

Um dia, estava eu na "Chest Press" e... exacto: apareceu na minha frente a sorrir: "posso corrigir-lhe os pulsos?". Perguntou em voz baixa. Fiz que sim com a cabeça. Antes de se inclinar sobre mim, olhou-me nos olhos. Depois avançou: "as mãos têm de estar na linha dos mamilos". E esticou o dedo que fez passar sem tocar mas por pouco sobre a dita linha dos MEUS mamilos! Finalmente, sorriu, virou-me as costas e foi-se embora. Fiquei aparvalhada. Pensei imediatamente que aquilo poderia muito bem ser uma inesperada,  imprópria e nada habitual manobra de engate. Mas não fiquei com certeza nenhuma. Bom, fosse o que fosse, agora é que eu tinha mesmo de fugir a sério porque, além do mais, eu estava casada para a vida. Cansada, mas casada. E pela força das ideias queria continuar assim. Desde que tivesse duas horas por dia no ginásio para encher o peito de ar, claro.

 

No dia seguinte apareceu-me estava eu a começar a minha meia hora de bicicleta. Nem queria crer! Não tirei os "head phones". Mas não podia sair dali. Tinha que fazer meia hora, claro. Não se importou. Sorria e falava. Eu fiz um ar cínico e tirei apens um dos auscultadores para mostrar a inoportunidade da abordagem. Não resultou. Plantou-se literalmente ali ao pé a falar. Irritada, tirei o outro auscultador. Nem tomou conhecimento. Continuou a falar no meio de um milhão de sorrisos. Resolvi colaborar, sob pena de passar por mal educada. Foi então que comecei a ouvir. Filhos, casamento há não sei quantos mil anos... Realizei, então, que não estava realmente a ser engatada. Exacto. Um alívio? Sim. Mas nem tanto assim, senti por uma fracção de segundo na altura. Mas, em termos gerais, um alívio.

 

E pronto, passei a ter uma amizade no Holmes Place. Pelo menos, meia hora da minha paz de espirito desvanecia-se todos os dias numa conversa, que não chegava a ser exactamente agradável porque eu dava por mim sempre muito tensa. Já não levava o Ipod muitas vezes, e estava sempre a dar aquela musica "Crazy". Lá no sisema de som local. Mexia comigo. Essa musica... Tudo. Resolvi fugir um bocadinho. Deixei de aparecer tanto. Mas ia aparecendo. E falava-lhe da minha mãe, e contava-lhe da minha relação sufocante... Ouvia tudo atentamente. Mediu-me o indice de massa muscular e em Junho ofereceu-me um manjerico. Largava os PT's para falar comigo um bocadinho, quando não estava de MI... Portanto, quando estava a fazer treino personalizado. Acho qe não podia muito fazer aquilo. Quer dizer, largar as pessoas. E eu estava sempre tensa. Passou um ano. E foi sempre assim. Tensão, casamento sólido, falta de ar... ah e muito humor. Tinha um sentido de humor que me desnorteava. Que me atraia escandalosamente.

 

A certa altura, pedi-lhe para me fazer a "Reprogramação". Fez. Durante, eu disse-lhe que, em geral, não gostava muito de pessoas. Perguntou-me imediatamente: "Mas de mim gosta, não gosta?". Deixei de ver o contexto. Não sabia o que responder: "De si gosto.". Corou muitissimo. Achei que aquilo não era realmente normal. No exercíco dos ombros colou o corpo nas minhas costas e eu achei que fez de propósito. E fez, mas não queria fazer. Foi sem querer, querendo, logo aconteceu.

 

Despareci por uns meses. Eu estava casada. Pesada. Sufocada. Conformadissima. Em principio parecia-me que estava bem. Em Outubro tinha uma viagem marcada para as Caraíbas. Não me pude imaginar em idilio conjugal numa praia deserta debaixo de duas palmeiras. "Olha, não podemos ir às Caraíbas, afinal. Sabes, o trabalho e tal...". Voltei ao Holmes da Defensores. Fui de manhã, como sempre. Mas decidi que aquela era a última semana de manhã. Na semana seguinte passaria a ir apenas à tarde. Era por causa do trabalho. Em principio, aquela amizade deixaria de ter pernas para andar poque a pessoa dos sorrisos só lá estava de manhã. Achei melhor fazer um convite para almoçar. Assim a título de despedida. Com o meu, nesse dia, tinha dois. Aceitou-me.

 

Fomos dali a dois dias. Não comemos nada. E durou até às cinco da tarde. Foi comigo buscar uns bilhetes para Barcelona, e depois eu fiz-lhe companhia até ao carro. "Venha treinar no sábado. Vou-lhe dar uma sessão de PT a sério". Disse que sim, mas, em segredo, decidi que não. Á noite ouvi uma musica no carro, parada num sinal vermelho. Era a "Carta", dos Toranja. E os sorrisos invadiram-me. Aquela parte da "chama minha e tua" perturbou-me tanto que arranquei do sinal à doida. "Eu não acredito, que isto me está a acontecer". Ía para casa. "Meu Deus! Não ponho mais os pés no Holmes Place!".  Tinha-lhe prometido um filme. Deixava na recepção e pronto.

 

No sábado telefonou-me. "Estou à sua espera". Respondi-lhe decidida: "não posso ir treinar. Vou passar agora aí para lhe dar o filme. Deixo na recepção". Estavamos em 2006. Outubro. Estava pronta para parar o jipe à porta, meter os quatro piscas e... Mas não. Estava lá fora à minha espera com o fato de PT vestido. Não achei normal. Parei. Abriu-me a porta. Entrou. Estendi-lhe o filme. Afastou o filme. Olhou-me e disse-me tudo. Respondi-lhe que, em pincipio, as pessoas não sentem essas coisas sozinhas. Saiu e, mais uma vez, arranquei deseperada.

 

Segunda feira fui à tarde. Estava lá. Esperou por mim. Era para me dar aquela sessão de pt do sábado. Está bem. Apertou comigo. Com os meus musculos. Disse-lhe que não queria nada. "Não tenho feitio para andar a enganar. Eu tenho uma relação há 6 anos e meio e você há muito mais, além disso, dois filhos. Não quero nada disto". Aumentou-me a carga no "Leg Press". Disse-me que também não queria nada disso. Queria ter uma relação comigo. "Mas não dá", disse eu. "Dá se nós sentirmos". Pensei que não podia ser. "Como?". Agora mandou-me correr na passadeira. "Vamos ter uma relação e se acharmos que vale a pena, você acaba com a sua e eu acabo com a minha". Eu estava doida com esta simplicidade. Achei tudo um absurdo. Não ia fazer nada disso.

 

Durante um mês namorámos todos os dias duas horas dentro do meu carro no jardim do Teatro da Praça de Espanha. Ao fim desse mês, eu já queria tudo, mas continuava a não decidir nada. Não fomos para a cama uma única vez. Mas em Novembro fomos então. Afinal estava tudo decidido dentro de mim. Em Dezembro sai de casa. A pessoa dos sorrisos veio viver comigo.

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