AZUL - Cap LII
Cat2007
08.10.16
Clara não viu o alcance das palavras da mãe. Mas esforçava-se muito para compreender. Para entender tudo. Sentia-se cheia de uma urgência súbita de perceber o que ela lhe ia contar. Na verdade, aquilo que nunca quisera perguntar. Porque não desejava realmente saber. Teresa já tinha começado a falar. Clara espalhava nas diversas expressões e gestos toda a sua boa vontade face ao que estava para vir. O que quer que fosse. O medo aparecera-lhe ainda agora.
Clara: Acho que percebo onde a mãe quer chegar.
Teresa: E amores?
Teresa sentia-se mais perto do objetivo. E já não conseguia pensar nas consequências do que ia revelar.
Clara: Então, há pouco disse-me que amou o meu pai. Embora à sua maneira… Teve um amor, portanto.
Clara arremessava as palavras sobre a mãe. Tentava calá-la.
Teresa: Até hoje tive um amor. Um único amor.
Clara: O meu pai.
Era a segunda tentativa de Clara.
Teresa: Não.
Para Teresa a vida jogava-se assim. Antes de tomar a decisão de contar, a angústia perseguiu-a. Agora só pensava em chegar ao fim. A ansiedade sobre o resultado de tudo aquilo empurrava-a para a frente.
Clara: Não?
Malgrado o que a mãe lhe dissera antes, a surpresa que evidenciou no rosto era absolutamente verdadeira. Existe uma diferença no nível de convencimento humano em situações como esta. Há pelo menos dois estágios de certeza. O primeiro é quando os indivíduos têm todos os dados à disposição para formar a sua ideia. Nestas circunstâncias ele retira as conclusões corretas. Embora não lhes confira a devida credibilidade. Esta, na verdade, depende da confirmação. Com efeito, só quando os factos são confirmados por quem de direito é que se tornam credíveis. No fundo, pouco importa se conseguimos ver a existência daquilo que não nos interessa que exista. Nunca o saberemos valorizar enquanto dado real que é. É por esta razão que a verdade depende das pessoas e das circunstâncias em que elas se encontram. O individuo sozinho é incapaz de fugir a este esquema comportamental. Assim, Clara ficou efetivamente surpreendida quando a mãe lhe revelou que o pai não fora o amor da sua vida. “Outra pessoa.”. Alguém que Clara desconhecia por completo, imaginava. Temeu pelo nome.
Teresa: Casei com o teu pai. Gostava muito dele. Mas nem por sombras o amava. Mas como estava grávida de ti, casei com ele. Mas também casei com ele porque tinha que me afastar da pessoa que eu amava. Era necessário virar as costas a esse amor. Foi o que fiz. Pareceu-me uma tarefa possível. Daí que tomei as atitudes que tinha a tomar. No entanto, não ficou nada arrumado. Afinal, não era possível virar costas. Esse amor voltou para perto de mim. Procurei-o e voltei lá.
Clara: Voltou la?
Clara estava com um peso insuportável sobre o peito.
Teresa: Sim.
Clara: Mas quando?
Agora Clara já falava como se estivesse com dificuldades em respirar.
Teresa: Recentemente. Há uns meses. Em novembro passado.
Clara quase lhe gritou.
Clara: Quem é, mãe? Como se chama?
Teresa: Madalena.
Nada em Teresa mudara quando referiu o nome. Há já alguns minutos que uma espécie de autismo relativo a acompanhava. Conseguiu atravessar a conversa com a filha com a rapidez das poucas palavras utilizadas.
Clara: Madalena? É… também é uma mulher. A mãe fugiu de uma mulher!
Clara olhou em volta. Confirmou o movimento giratório das portas e janelas. Principiou a cambalear. Estava de pé quando sentiu a náusea. Estendeu uma mão sobre a madeira da mesa que tinha sido da avó Amélia. Tinha necessidade de se apoiar.
Clara: Madalena… É professora na minha faculdade não é? A mãe… a mãe é a namorada que voltou.
Teresa: Exatamente.
Aqui terminou o autismo de Teresa. Uma vez calada, sorriu a despropósito. Por causa do nervosismo que subitamente a invadiu. Depois da revelação, Teresa voltara de novo a olhar para a filha. Importavam-lhe muito os sentimentos dela. No entanto, só agora.
Clara estava já de costas voltadas.
Clara: A joana sabia que era a mãe?
Teresa: Sabia.
Teresa ainda lhe viu o esgar de dor e de espanto antes de a ver sair muito depressa.