AZUL - Cap LVI
Tita
10.10.16
Há vários dias que não se viam nem se falavam. E que Joana lhe ligava insistentemente. Silêncio. Joana alimentava a esperança de ela aparecer na faculdade. Mas nunca mais a viu lá. Ligou-lhe mais uma vez. O telefone mantinha-se mudo. Decidiu esperar um pouco. Esperou até ao limiar da agonia. Como sempre. Ligou-lhe de novo. Como sempre. Estava desligado. Como sempre. Trancou a angústia no peito durante mais um longo tempo de espera. Com o coração a bater na garganta marcou o número de casa dela. O telefone tocou vezes sem conta. Parou. Como sempre. Joana desligara. Como sempre. Olhou em volta à procura do que fazer. Como sempre. Mas desta vez tomou uma decisão diferente. Não ia esperar mais passivamente. Correu para o carro. E acelerou. Arranjou lugar perto do prédio. Saltou do carro e quase correu. Tocou à porta de baixo. Abriram de imediato. Subiu. Quando chegou a porta de casa estava escancarada.
Joana: Madalena, tu sabes o que aconteceu.
Madalena apresentava-se em roupão. Estava pálida e tinha os olhos cansados.
Madalena: O que se passa, Joana?
Joana: A Clara desapareceu-me. Não a vejo há vários dias. Hoje não apareceu na faculdade outra vez. O telefone tem estado sempre desligado.
Madalena falava devagar e sem ânimo.
Madalena: A Teresa contou-lhe tudo. Sobre mim e ela. Foi dizer à filha que é lésbica. E disse-lhe que tu sabias. Lamento muito, Joana. Também não vejo a Teresa há muitos dias. Não sei nada de uma ou de outra. Lamento.
Joana não foi capaz de dizer nada. Gelou totalmente na alma. O gelo queimou-a. Sentiu muitas dores. As lágrimas corriam-lhe soltas. Mas a garganta estava presa. Fugiu dali. Foi para casa. Naquele dia não iria ficar à porta de Clara à espera que ela aparecesse. Ou a mãe. Chegou a ponderar abordar Teresa. Chegou a casa e ao quarto. Caiu na cama vestida. Continuou a sofrer lenta e prolongadamente. Acabou por fechar os olhos. E dormiu porque o corpo cedeu. Sonhou vividamente. Onde estava Clara? Na manhã seguinte abriu os olhos vagos. Voltou a fechá-los com toda a força. O seu desejo era continuar a dormir até o telefone tocar. Obteve um sono novamente tumultuado. Sonhava como se estivesse viva. E cansava-se como se estivesse acordada. Mas ainda assim Joana não queria acordar.
Clara ligou finalmente o telefone e marcou. Joana ouviu a voz dela rouca. O coração ficou minúsculo. Falou rouca também.
Clara: Joana, vem buscar-me agora, por favor.
Joana: Vou agora.
Encontram-se à luz do sol nas escadas do Técnico.
Joana: Onde estiveste?
Clara: Joana, temos que falar muito a sério.
Joana: Claro que temos que falar. Fala.
O medo galgava-lhe os membros rígidos. No entanto, pensava que Clara lhe telefonara. Isso podia ser um sinal de que alguma coisa boa ainda viesse a suceder.
Clara: Aqui não. Vamos para um lugar sossegado.
Joana: Para minha casa?
Clara: Não!
A voz soara-lhe quase como um grito.
Clara: Não, não. Para tua casa é melhor não. Desculpa.
Joana: Está bem. Vamos para onde quiseres.
Joana só não queria contraria-la.
Joana: Para onde queres ir, então?
Perguntou em voz trémula.
Clara: Vamos para o Parque Eduardo VII.
Durante o percurso, Clara manteve o rosto colado no vidro da porta do carro. Assim impediu o diálogo que não desejava. Nada tinha a dizer para além do que importava e não podia dizer já. Sentia o espírito cheio como um balão demasiado cheio. Joana compreendeu na perfeição esta energia. Manteve-se sempre calada. Muito concentrada no trânsito que não via. Chegaram. Saíram do carro e caminharam lado a lado alguns minutos. Sentaram-se no chão. Do estrito ponto de vista do movimento dos corpos, tudo se passava de um modo quase semelhante ao de sempre. A diferença residia no ânimo. Estavam perto do Pavilhão Carlos Lopes embora embrenhadas no arvoredo mais abaixo. A vegetação expirava a típica frescura e fornecia a sombra necessária. Clara, para não se perturbar com a imagem de joana, olhava em frente.
Clara: Joana, temos de terminar tudo.
Clara proferiu as palavras em frente. Na direção apontada pelos seus olhos. Ouviu um profundo silêncio. Virou-se contrariada para ela. Joana fixava-a com uma seriedade de pedra. E não disse nada. Após alguns segundos eternos, Joana manifestou-se finalmente através das vagas que transbordaram dos seus mares azuis. A tensão marcava os movimentos trémulos da garganta. E não dizia nada.