AZUL - Cap LX
Tita
14.10.16
Teresa resolveu falar a Madalena. Pegou no telefone. Ela atendeu quase no mesmo instante. Teresa soltou um ligeiro suspiro de alívio. Mas Madalena não era uma mulher dissimulada. Jamais deixaria tocar o telefone vezes demais só para mostrar que não fazia caso. Nem, tão pouco, deixaria de a atender de vez, se fosse esse o seu desejo, sem antes a informar. “De facto, ela é melhor do que eu. Eu deixei de lhe atender o telefone sem quaisquer satisfações”.
Madalena: Teresa!
Teresa: Madalena.
Madalena: Não me atendeste mil vezes. Fiquei muito preocupada contigo, sabes?
Teresa sentiu um calafrio. “Não foram saudades. Foi preocupação”.
Teresa: A minha vida desabou.
Madalena: O que aconteceu que eu não sei?
Teresa: A Clara esteve um mês sem me falar. Tu não imaginas a angústia, a solidão, a dúvida e o medo que correram por esta casa.
Teresa desculpava-se com os factos.
Madalena: Imaginava qualquer coisa assim do género. Até me passou pela cabeça que a tua filha quisesse sair de casa.
Teresa: Ela acabou com a Joana, como disseste.
Madalena: Acabou. Pois. E a Joana, sabes dela?
Teresa: Não sei nada. Mandei a Clara telefonar-lhe.
Madalena: Tu mandaste?
Teresa: Sim. E também tirei um mês de férias para não fazer nada.
Madalena: Credo. Devo ficar assustada?
Teresa: Não sei. Depende. Mas eu preciso de férias. Passei um mês muito mau. Perdi o pé. Perdi as estruturas…
Madalena: Não quero parecer desprendida, porque não estou, mas de que te queixas? Fizeste para que isso te acontecesse.
Teresa: Tinha que partir para reconstruir.
Madalena: Pois é. Mas ao menos reconstruíste alguma coisa?
Teresa: Aproveitei algumas peças boas. Grandes peças que me ajudaram muito.
Madalena: E o edifício está acabado?
Teresa: Não.
Madalena: Porque sabes que, chegadas aqui, e por causa da forma como as coisas correram, eu não suportaria viver contigo.
Apesar de estar preparada para esta declaração, Teresa não consegui evitar o choque tremendo. Porém, não deu sinais disso a Madalena. Continuou a falar pacificamente.
Teresa: É verdade. Por causa disso o edifício não está acabado.
Não foi capaz de lhe mentir.
Teresa: Mas aceito o teu repúdio. Também eu não te quero. Não para viver contigo. E, no entanto, amo-te.
Madalena: E eu a ti.
As lágrimas principiaram a formar-se nos olhos de Teresa. Madalena não podia ver.
Madalena: É como se as pessoas que éramos, há vinte anos atrás, tivessem morrido. Agora estamos aqui. Tu e eu. Outras. Já não alcançamos aquele amor que existiu. Morreu também, não é? Hoje amo-te apenas com uma parte desse sentimento antigo. Uma parte fundamental, é certo. Mas não é o todo. Com vinte anos eu queria viver contigo para sempre. Hoje estou para aqui a dizer-te estas coisas… É claro que as mulheres que somos hoje não podem amar da mesma maneira que aquelas garotas de há vinte anos.
Teresa sentiu a garganta apertar-se mais. As lágrimas saltaram-lhe dos olhos em catadupa.
Teresa: Sim.
Madalena: É realmente uma pena que eu te conheça há tanto tempo.
Teresa: Sim. Senão aproveitávamos tudo o que aconteceu desde o nosso reencontro.
Teresa ia limpando a cara. E estava num esforço tremendo para manter a postura. Não se tratava de estar a simular. Tinha mais a ver com o respeito que devia a Madalena. Sobre a decisão que ela tomara.
Madalena: És um bocadinho despudorada. Não és?
Riu-se.
Teresa: Foi tanto o que aconteceu.
Madalena: E foi tudo consumido.
Teresa: Que estranho. Sabes, enquanto fazia amor contigo, de todas as vezes que aconteceu, achei que nos tínhamos definitivamente religado. Que tinha acontecido um milagre.
Madalena: Como bem sabes, também cai daí abaixo.
Riu-se de novo.
Madalena: Lembras-te como era há vinte anos, Teresa?
Teresa: Sem dúvida.
Madalena: E de como eu era. Lembras-te? Eu lembro-me de como tu eras.
Teresa: Eu também me lembro muito bem de ti.
Madalena: Eu hei-de gostar de ti para sempre.
Teresa estava de pé. Sentiu fraqueza nas pernas. Deixou-se cair no sofá grande.
Teresa: Eu sei. Agora que não te atormentas mais por causa daquela miúda de vinte anos, tenho a certeza.
Madalena: Agora que tu também nos esqueceste.
Teresa deixou passar o tremor na voz.
Teresa: Sim.
Madalena: Mas não estamos a dizer bem. Não nos esquecemos. Apenas não sentimos da mesma forma. A única possível entre nós.
Teresa: Pois.
Madalena: Sim. Agora já é outra coisa.
Teresa: Tão profunda como nunca foi.
Madalena: É pena não nos termos conhecido apenas há seis meses.
Teresa: Pois. Seria o amor da vida.
Madalena: Agora somos apenas uma espécie de irmãs muito amigas.
Teresa compreendeu que não conseguiria suportar aquela conversa por mais tempo.
Madalena: Deixa lá.
Teresa: Eu deixo.
Madalena: E mais?
Teresa: Mais o quê?
Madalena: Mais mulheres.
Riu-se.
Teresa já não sabia o que mais dizer.
Teresa: Talvez.
Madalena: Quando acontecer vou ficar com ciúmes.
Teresa: Mas é superável. Certo?
Madalena: Pois é.
Teresa atingira o seu limite.
Teresa: Madalena, tenho que desligar. A Clara deve estar a chegar. Ela foi ter com a Joana… já vês. Lembra-te dó que eu nunca parei de te amar.
Madalena: Adeus, Teresa.
Teresa: Adeus Madalena.