AZUL - Cap LXIV
Tita
16.10.16
Uma semana depois Teresa ainda não tinha o carro. De qualquer modo, não lhe fizera ainda falta. Não tinha muita vontade de sair para longe da Alameda. Fazia tudo a pé no respeito de rotinas muito bem programadas. Todas as manhãs subia a Guerra Junqueiro e ia à Mexicana tomar o pequeno-almoço e ler os jornais. Depois visitava as montras da Avenida de Roma até à hora do almoço. Por vezes comprava uma peça de roupa ou um livro. Almoçava em casa. Saía em seguida para dar um passeio breve no jardim da Igreja da Praça de Londres. Voltava a casa meia hora depois. Pegava no computador e vagueava nas páginas a que sempre se habituara. Ler não conseguia. Jantava cedo em qualquer lado antes de ir para o ginásio. Quando regressava retomava o computador. Ia para a cama perto da meia-noite. Como é evidente Madalena fazia parte destes ramerrões que Teresa projetara. Havia sempre a esperança de esbarrar com ela em algum daqueles lugares. E à noite, na cama, mil vezes as lembranças do amor com ela lhe acendiam o corpo. Num fogo que era necessário apagar. Sentia como se durante toda a vida não tivesse passado um dia sem fazer amor com ela. Estava completamente tomada pelo vício.
Na manhã seguinte Madalena descia a Guerra Junqueiro. Teresa viu-a do outro lado da rua quando subia. Deixou-a avançar uns metros e foi atrás dela. Não sabia se havia de a abordar. Madalenas andava com pressa. Dobrou a esquina ao fundo da rua e subiu á direita. Teresa sentiu um sobressalto. Andou mais depressa e pôde surpreender-se com o que via. Madalena estava parada em frente à porta do seu prédio. Teresa pegou no telemóvel e marcou o número.
Teresa: Madalena, onde estás?
Madalena: Não muito longe, como sempre.
Teresa sentiu-lhe a tensão na voz.
Teresa: Eu não estou em casa.
Madalena: Não? Onde estás?
Teresa: Não muito longe, como sempre.
Teresa ia subindo a rua. Podia vê-la perfeitamente. Com o cabelo liso a cair-lhe sobre a cara pregada no chão.
Madalena: Mas quanto tempo levas a chegar a casa?
Teresa: Porquê?
Madalena: Porque eu estou aqui à tua porta.
Teresa desligou o telefone e falou-lhe a um metro.
Teresa: Então sobe.
Madalena: Jesus!
Teresa: Vens tomar chá?
Madalena: O quê?
Teresa: Chá. Vens tomar chá com a tua amiga muito amiga quase como uma irmã?
Madalena: Nós somos amigas, Teresa.
Teresa: Pois somos.
Entraram em casa.
Madalena: Isto está diferente. Fizeste obras. Mas os móveis são os mesmos. Não estão é nos mesmos sítios. Nem as fotografias. Aqui está a tua mãe.
Teresa: A minha mãe está por todos os lados desta casa. Tomas chá ou não?
Madalena: É muito cedo. Não costumo beber chá de manhã. Prefiro um café. Outro. Já tomei o pequeno-almoço.
Teresa: Pois eu não. Tomo sempre na Mexicana a esta hora. Mas hoje não foi possível porque te vi passar.
Madalena: E porque não me chamaste, imbecil?
Teresa: Por acaso tive essa intenção. Mas tu andaste muito depressa. Vinhas para aqui com muita pressa. Porquê?
Madalena: Eu ando depressa.
Teresa: Não andas nada. Tu vinhas depressa porque tiveste medo de perder a coragem.
Madalena: Coragem para quê?
Teresa: Diz-me tu.
Madalena: Tem sido difícil passar os dias.
Teresa: E as noites.
Madalena: Sim. As noites.
Teresa: Como passas as noites? Fazes-te todas as noites?
Madalena baixou a cabeça.
Teresa: Diz-me.
Madalena: Por vezes de dia também.
Teresa: No entanto, és apenas minha amiga.
Madalena: Não sejas cínica, Teresa.
Teresa: Descarada és tu. Vens aqui para ter sexo comigo. Só para isso. Podias ter ligado há mais tempo. Não percebo o que te fez vir à Alameda. Tens tão más recordações daqui. Não percebo porque queres fazer amor aqui.
Madalena: Também não percebo nada. Ontem chorei muito à noite. Hoje de manhã acordei com esta decisão tomada. Queria ver-te aqui.
Teresa: Descansa. Eu também só penso em fazer amor contigo. Não te vou pedir mais nada. Vem cá.
Madalena aproximou-se. Teresa abraçou-a pela cintura e puxou-a contra si. Ficaram presas pelo ventre. Olharam-se intensamente. E beijaram-se violentamente na boca.