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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

AZUL - Cap V


Cat2007

13.09.16

 

Aquela manhã. Teresa passou-a ao volante. Conduziu sempre em volta do mesmo quarteirão. Em voltas infindas. Planeara ir lá para entrar. Não era a primeira vez. Rodava. Passava sempre em frente do mesmo prédio. Olhava constantemente para a mesma janela. De vez em quando parava em frente. Embora não muitas vezes. Tinha medo de ser surpreendida. Constantemente caia numa fantasia breve, imaginando o que sucederia se fosse “apanhada”. Tomava-se então de temores e abria imediatamente os olhos. Depois arrancava veloz. Mas para continuar a rodear o mesmo quarteirão mais uma série de vezes. Até voltar a parar, a fantasiar e a temer. Finalmente, como já era hábito, caia no senso sobre a inocuidade dos seus atos repetidos, acabando por fazer como de todas as outras vezes desde que aquilo tinha começado. Dava a última volta decidida a isso. E olhava pela última vez no dia para aquela janela. Parada. “Mas que quero eu daqui?”. Um dia teria que parar mesmo, tocar e pedir para entrar. “Não!”. Não era capaz. Nem sabia bem ao que ia. Ou melhor, como iria. Já tinham passado vinte anos. Tanto tempo e via agora que não lhe fora afinal possível esquecer nada. O tempo, ao contrário do que durante tanto tempo pensou sentir, não resolvera as coisas por si. “Como é possível que vinte anos não tenham dado uma solução a isto?”. Foi um pensamento que libertou um pouco da amargura que a enchia. Como sempre. Era sempre assim. Sempre que ia ali rodear aquele quarteirão. Desde há dois meses. Desde que soubera do regresso de Madalena. “Como pode tudo ter voltado assim? Parece uma tempestade. Ainda há uns tempos quase nem me lembrava. Tudo isto só porque regressou?” Os olhos humedeceram-se. A primeira pequena lágrima levou muito tempo a arredondar mas lá acabou por rolar muito lenta. Só até às maçãs do rosto. De pequena que era. E os olhos de Teresa voltaram a secar. O dia estava escuro. Via-se o oxigénio de uma tonalidade cinzenta. Sentiu-se a respirar pior. E subitamente o seu rosto ficou alagado. Deixou de ver. Desprendeu a cabeça sobre o volante e chorou todo o seu desespero. No fim de tudo voltou a si. Ou à ilusão de ser quem era. Meteu o carro em movimento e foi-se dali. A inventar que sentia que aquele principio de manhã, como todos os outros iguais, nunca acontecera. “Não volto a fazer mais este disparate.”.

No dia seguinte de manhã lá estava Teresa. Porém, desta vez, a bater finalmente à porta que correspondia à casa a que pertencia aquela janela. Aconteceu. Não saberia explicar porque o fez naquele dia preciso e não antes ou depois. Foi daquela vez. Porque alguma vez teria de ser. Porque não o fazer constituía uma impossibilidade. Um drama ainda maior do que aquele que teria agora que enfrentar. Teresa queria resolver o que o tempo não fez. Nem que sucedesse uma catástrofe e o seu ego saísse esmagado. Talvez a pior das catástrofes, bem vistas as coisas. O som da campainha marcou o momento em que o tempo separa o passado do futuro, apresentando um presente completamente novo. A porta abriu-se após o que se abateu sobre ambas um silêncio esmagador. Posta esta ilusória eternidade, Teresa falou no entendimento de ser essa a sua obrigação.

 

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