AZUL - Cap XLIII
Tita
03.10.16
Teresa indignou-se ainda mais.
Teresa: Tu não tens noção. Uma relação perfeita. Já agora para a vida. Não? Isso não existe nem com um homem.
Clara: Não se trata do género. Trata-se de uma mulher porque aconteceu assim e…
Teresa não ouvia.
Teresa: Pensas então que podes escolher ter uma namorada e que tudo vai correr muito bem. Já viste como é o mundo. Achas realmente que te vão deixar viver assim? Que serás respeitada no emprego (quando tiveres um), nas relações sociais… Ou vais andar escondida como os ratos?
Clara: Mãe, eu amo a Joana. E não deixarei de ser coerente com este sentimento perante a vida. As coisas hão-de resolver-se à medida que forem surgindo.
Teresa: Amor. Que amor? Tens a lata de falar de amor quando te referes a um espécie de sentimento que põe em cheque a tua felicidade? Tu és uma criança, Clara. Não sabes o que é o amor.
Fez uma pausa e depois prossegui em tom calmo e sério.
Teresa: Olha, filha, tens que arranjar coragem para fazer o que é devido. E eu estou aqui para te ajudar.
Clara: E o que é devido, mãe?
Teresa: Esquecer tudo. Pôr a Joana para trás das costas. E viver daqui para a frente com normalidade.
Clara riu-se contidamente.
Clara: A normalidade. Mão, o que é normal é o que me faz sentir bem. Mas deixe-me que lhe diga que no princípio pensei exatamente assim. E até acreditei brevemente nessas coisas. O problema está no sentido que as coisas não fazem. Se a questão fosse apenas a de pôr a cabeça a pensar, quase tudo se resolveria. Mas o facto é que me bastou apenas vê-la para tudo mudar. Para, do confronto de umas realidades com outras, os meus raciocínios ficassem esmagados pela sua vacuidade imanente.
Teresa continuava a tentar não ouvir o que a filha dizia. Porque sobretudo não queria ver Clara como outra filha. Aquela que certamente não desejava e liminarmente rejeitava. Porque aquela filha punha-a em causa. A si própria e lhe exaltava a maldita culpa. Da culpa Teresa pensou que conseguiria livrar-se sempre. Sacrificara toda a sua vida para se livrar da culpa.
Teresa: vens falar-me de amor. Do amor entre duas meninas.
Teresa falava com raiva.
Clara: Mãe, há aqui qualquer coisa que me escapa. Afinal o que é que eu lhe fiz?
Teresa: Olha, Clara, não vale a pena continuarmos a argumentar uma com a outra.
Teresa não tinha recursos emocionais para dar suporte à posição fundamental que defendia. E isto sucedia pela primeira vez na vida das duas.
Teresa: Eu não consigo patrocinar esta estória lamentável.
Clara: Quer dizer que…
Teresa: Quer dizer que não vale a pena. Não quero que me voltes a falar dessa Joana. Daqui para a frente é com se ela não existisse. Tu fazes o que quiseres. Mas não tens o meu apoio nem solidariedade. E vais poupar-me a conversas.
Foi desta forma que Teresa rematou a conversa. Logo em seguida, mexeu os pés. Ia retirar-se. Porém, parou porque lhe ocorreu algo. Clara olhou para ela com alguma expetativa. Mas Teresa não disse nada, afinal. Saiu da sala decidida. Levava a cabeça bem levantada em conformidade com o seu habitual desenho de altivez. Tudo completamente desadequado à situação.
Clara segui-a com o olhar. “Mas rejeitar, não me rejeitou”.