O DIÁRIO QUE NÃO É
Tita
01.04.17
Ainda é de manhã. E eu estou aqui deitada no sofá a olhar pela janela de onde vejo a copa de uma grande árvore que ocupa cerca de dois terços do vidro. Já me fartei de fumar. Agora estou a comer fruta. O meu desejo é escrever qualquer coisa. Como se isto fosse o diário que não é.
Nunca tive um diário. Mas desde muito cedo que escrevo coisas. Quando era adolescente, costumava discutir com o papel as minhas preocupações. No fim destas discussões, acabava a escrever textos que, pelo menos aparentemente, não focavam aquilo que me chateava. Uma vez até escrevi um poema sem rimas.
Não gosto muito de rimas em poemas. Parece que a rima força o sentido. Embora goste muito do Camões lírico e do Almeida Garrett. No entanto, confesso que não dediquei muito do meu tempo de buscas à poesia rimada. Especialmente, não procurei os britânicos. E creio que terei perdido alguma coisa com isso. Paciência.
Mas falava de diários. Pois os meus textos de adolescente só não eram folhas soltas de um diário porque eu nunca me confessava. Além do mais não tinham dia e hora apostos. Daqui, deste processo, resultavam alguns produtos da criatividade. Coisas que eu escrevia para apenas para desinchar mas que tinham, pois, boa forma. Normalmente, deitava-as fora. Porque, como disse, desinchava e o referido processo ficava concluído. Hoje tenho pena de não ter essas coisas para ler. Tenho a certeza de que me aproximariam mais de mim.
Sempre tive este vício de me desfazer das coisas. Mesmo as fotografias tipo-passe, que tirava para as inscrições anuais da escola, eram oferecidas aos colegas da turma e as que restavam desapareciam não sei como. Agora, já não sei como era. Hoje tenho pena de não ter essas coisas para ver. Tenho a certeza de que me aproximariam mais de mim.
Como se verifica, durante anos, só me apeteceu esquecer-me. O que já não sucede. E, nem que seja só por isto, sou feliz.