PSICOTERAPEUTAS: AS MARY POPPINS DAS NOSSAS EMOÇÕES
Tita
20.11.21
Vejamos, este espaço não tem as funções de um Diário que eu nunca tive. Sempre me pareceu um tanto inócuo falar, confessar, explodir ou sei lá que mais para uma espécie de natureza morta. Que ainda por cima é, por definição, secreta. No que diz respeito às emoções, eu preciso de rebounds. Portanto, aqui só pretendo refletir um bocadinho sobre temas que me passam pela cabeça, gostando de pensar que há quem leia e se identifique com isto ou com aquilo. E mesmo que não haja, estas reflexões organizam-me as ideias. E assim vale a pena. Para desabafos (e não apenas) tenho o sofá da terapeuta.
Bem, sucede que agora, mais precisamente desde junho passado, já nem tenho. Ela retirou-se. Por estar muito doente. Ao fim de dez anos, saiu sem me dizer isso. Que estava doente. Com cancro. Apenas que tinha de se retirar. Foi por telefone. E rápido. Fui averiguar junto da secretária. De facto, é cancro. Não compreendi porque não me disse. Se a relação estava terminada.
Talvez me quisesse poupar. A minha mãe morreu de cancro. Talvez ela achasse que poderia dar-se um pequeno assomo do desgosto profundo e do trauma que isso me causou. Mas também, é certo que ela não contava nada de si. Era o seu método de trabalho. Eventualmente, mais do que isso. Eventualmente, é alguém radicalmente reservado. Sinto-me muito triste com este sucedido. Com a doença, evidentemente.
Estes médicos não são médicos. São um híbrido. Não é que sejam família, não é que sejam amigos, não é que se veja claramente que são médicos. São espíritos prontos a ocupar qualquer lugar que esteja vazio nas emoções da nossa vida. Quer dizer, são família, amigos e visivelmente médicos. São existências que habitam um plano de vigia sobre as nossas emoções. São as Mary Poppins dos nossos sentimentos. E assim uma pessoa aprende a confiar neles e depois sente afeto. Tenho, portanto, saudades dela. E guardo uma secreta esperança de que tudo se componha. Que a saúde volte. Deus é que sabe.
Não obstante, por outro lado, no plano do que melhor servirá para a minha vida, tenho de dizer que foi positivo ter acabado. Vivia demasiado protegida. Como se me atirasse para as piscinas não aquecidas sempre com um fato de surf vestido. Além disso, por outro lado, os meus amigos deixaram de me ouvir. Porque eu deixei de contar o que quer que fosse. Não sentia necessidade. Os meus rolos emocionais estiveram sempre guardados para aquele sofá daquele consultório. Onde eram resolvidos. E, por isso, na vida real, passei a ser uma personalidade bastante equilibrada e bem disposta. Enfim, os meus filmes, como os do Woody Allen, guardada a evidente diferença da natureza das coisas, passaram a ter cada vez menos graça.