NÃO QUE PREFERISSE BRINCAR COM RAPAZES
Tita
28.05.21
Quando era pequena, não preferia brincar com os rapazes. O que realmente gostava era das brincadeiras deles. Não queria ser um rapaz. Na verdade, o que tinha era pena de não ter muitas companheiras para brincar assim. Pelo menos, poderia ter uma irmã. Para ser como eu. Uma miúda que gostasse de liberdade. Mas não tive.
No entanto, ainda assim, no que diz respeito às brincadeiras, os meus irmãos não me distinguiam. Eu era como eles. A questão colocava-se lá fora.
Sob o controlo apertado das respetivas mães, as miúdas mal saiam de casa. A não ser para irem para casa das outras. Não tinha, pois, como disse, mais do que uma ou duas amigas. Talvez por isso, até hoje, não seja uma pessoa que goste de andar em grupos alargados.
Eu via bem que a minha mãe era substancialmente diferente. Uma mulher da liberdade. Sempre atenta às sensibilidades. Sempre a ver o que fazia as pessoas felizes, acreditando que a felicidade estava exatamente na possibilidade de cada um fazer as coisas de que gostava. Eu gostava de jogar à bola e de brincar com carrinhos, correr e subir árvores. Para ela estava muito bem.
Assim, se é verdade que as outras meninas acreditavam que não queriam nada comigo, é também certo que eu própria há muito as excluíra do meu contexto. Quanto aos rapazes com quem brincava, estes, embora me deixassem entrar no seu mundo, faziam questão de me lembrar que jamais deixaria de ser uma rapariga, logo inferior. Isto obrigou-me a correr mais, a jogar melhor, a subir mais alto, a arriscar mais e a distribuir chapadas para um lado e para outro. Tudo para me fazer respeitar.
Como se observa, não fui como, de resto, não sou poupada a uma certa solidão e ao stress. Difícil, muito difícil.