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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

Easy Lover


Tita

29.09.21

Cinco motivos para beber cafés especiais

 

De um certo modo de ver, sempre fui uma “easy lover” dos factos diversos do quotidiano. Porque me interessa tudo. Dado que tudo me causa uma impressão mais ou menos intensa. As notícias dos jornais. Os filmes. As peças de teatro. A pintura. As flores. As conversas. O sol no meio da rua. Um dia de chuva violenta dentro de casa.

A propósito, sobre as flores, ocorre-me dizer, que, num concreto aspeto, sucede-me como com as pessoas. Esqueço-me imediatamente do nome das que conheço de novo. Embora, no caso das flores, seja porque sinto que estas são em si mesmas perfeitamente indiferentes ao nome que tenham. Basta o perfume, a textura, as cores e a sinuosidade. Quanto às pessoas, podem algumas impressionar-nos tanto como as flores. O que, é sabido, não ocorre na maior parte dos casos. Felizmente.

No outro dia, não desconhecendo que foram anteriormente feitas duas versões do mesmo,  estive a ver “A star is born”. Pois. Só agora. Confesso que não antes porque o tema musical principal enervava-me. Aquele refrão: “In the sha-ha-sha-ha-llow / In the sha-ha-sha-la-la-la-llow/ In the sha-ha-sha-ha-llow/ We're far from the shallow now”. Bom, mas o filme é sobre talento. Interesso-me pelo tema. Acabei por gostar. Creio que está certa mensagem. As pessoas verdadeiramente talentosas são obrigadas a partilhar-se com os demais. Se tiverem a devida oportunidade para isso. A propósito, goste-se ou não, a Lady Gaga é uma mulher talentosa. Merece. O reconhecimento.

Agora, para terminar, e a propósito de paixão: hoje joga o Benfica com o Barcelona. A ver se não fico com o coração partido.

 

VERGONHA NA CARA


Tita

30.12.20

Como superar a tristeza de uma separação, segundo a ciência | Ciência e  Saúde | G1

 

É verdade que o amor e a paixão nos deixam em situações muito desagradáveis quando recebemos a notícia de que não somos amados. Repare-se que estou a confundir o amor com a paixão. É propositado. Porque, em estado de paixão, é mesmo nisso que as pessoas acreditam. Que amam.

Bem, a realidade é que normalmente não recebemos notícia nenhuma. Tenho anotado que as pessoas, a outra pessoa, podem, pode desejar aproveitar a situação. Na maior parte das vezes, porque há um momento em que ainda não se sente suficientemente corajosa para meter os dois pés fora da mesma. Não será mentir se disser que normalmente o amor acaba porque há outra pessoa. Do passado ou uma novidade. Mas há outra pessoa. As mais das vezes.

É claro que o período de indecisão do ser querido, que não será, em muitos casos, de incerteza, cria a dúvida confundindo decisivamente o desamado. E é por isso, e porque estão em dor, que as pessoas cedem e acedem a contextos emocionais caóticos e mais ou menos destrutivos.

Porém, em meu entender, salva-se quem, apesar de tudo, percebe que, por muito que se perca, não pode, não perde, a vergonha na cara. Foi o que disse a quem atualmente vive um processo destes.

 

A MÚSICA QUE ME EMOCIONA


Tita

30.10.20

A música mexe com seu cérebro e pode aumentar a sua produtividade; entenda  como - Pequenas Empresas Grandes Negócios | Dia a dia

 

Estou novamente a coligir sons. Ontem fui ouvir a Amália a cantar em diferentes línguas. E baixei algumas músicas. Nada de novo. Já conhecia. Mas tenho muito prazer em revisitar sítios de que gosto muito. É que há pormenores, esquinas, anotações, que pareciam já esquecidos, os quais é emocionante relembrar. Preciso de ouvir música que me emocione. De preferência pela música em si, que inclui naturalmente as palavras. Por outro lado, também há sons, nem por isso de grande excelência, mas que estão ligados a pessoas e lugares. Gosto deles igualmente. Realmente, para além das que me chegam pela música, a generalidade das emoções emociona-me. E, assim, parece, ou é mesmo assim, que estou apaixonada pela vida. Logo eu que só me dou às experiencias que realmente quero.  

 

O EQUÍVOCO


Tita

25.09.20

Filomeno Silva - "De costas voltadas" - YouTube

 

Uma vez, perguntei a uma pessoa de quem nunca me separava um instante o que sentia por mim. Disse-me: “odeio-te profundamente!”. Basicamente porque se sentia sempre disponível para mim, e por mais esta ou aquela razão da mesma índole de que já não me lembro. Fiquei um tanto desconcertada. Porque era a primeira vez que alguém me dizia tanto afeto em tais termos. A mim, que imaginava sentir-me apenas sua amiga. A questão é que a questão é sempre mais complicada do que isso. Ou seja, não é possível responder a uma paixão inteligente feita em raiva sem sentir igualmente uma paixão complexa. E, na verdade, se essa pessoa não podia dizer-me não, eu procurava-a a todo o momento, sem que existisse outra com quem quisesse estar. E, no entanto, talvez lamentavelmente, nunca fizémos amor.

 

O QUE NA VERDADE INTERESSA


Tita

02.07.20

Pérolas aos Porcos — 23/04/2020 - Gustavo - Medium

 

Não pretendo ser como alguém, que já não está cá, me ensinou a ser. Curiosa e estudiosa para saber o mais possível de tudo um pouco. Sucede que não consigo ser assim. Há assuntos que não me interessam, e mais nada. Também, há processos e procedimentos através dos quais se chega a certos conhecimentos, que me enfadam. Assim, vai tudo dar ao mesmo. Ou seja, prefiro não saber. Ou seja, há coisas que não sei porque não quero e há outras que não conheço porque não gosto da forma de lá chegar. Exemplos, por exemplo, não me interessa e, na verdade, até me cansa, perceber o processo, que me foi explicado, através do qual a água da Barragem de Castelo de Bode abastece a cidade de Lisboa. Por outro lado, mas para chegar ao mesmo, ou à ignorância, também não sou capaz de andar pelos museus atrás dos guias explicadores das obras de arte. Prefiro não saber os conteúdos dos respetivos ensinamentos. Antes, vejo o que quero ver e aprendo por mim na medida em que a minha sensibilidade o permite.

Agora, quando me interesso, quando me interesso, tudo flui. Arranjo conhecimento dos outros que misturo com as minhas próprias apreensões sobre as coisas, em busca do resultado quase perfeito. E digo quase perfeito porque tenho noção de que a perfeição existe, mas faz perder demasiado tempo, produzindo resultados imperfeitos. E, assim, nesta especial contingência, não me importo de dar tudo para quase nada. Se for quase nada o que tenha a obter em determinadas circunstâncias, atentas as qualidades das pessoas recetoras. Com efeito, não me importo que, às vezes, algumas pérolas vão para os porcos.  Importa-me muito mais o que faço e o que faz em mim e de mim o que faço. É sempre mais um degrau que subo. Um degrau, mas de que escada? Não sei bem. Talvez pense que o espírito é uma escada com uma luz lá no topo.

 

 

ADOLESCÊNCIA FELIZ


Tita

22.04.20

Sapatilhas mulher - grande variedade de Sapatilhas - Entrega ...

 

Como é sabido, por razões essencialmente fundadas em questões hormonais, os adolescentes estão sempre apaixonados. Além disso, como odeiam, rejeitando globalmente os pais, os “teen” têm uma necessidade exacerbada de aceitação. No seio do grupo. Assim, quem não se enquadre, tem de fingir que está enquadrado. Ou seja, quem não se apaixona, inventa. Era o meu caso. Para alem do que fazia nas aulas de educação física, ainda praticava 14 horas de desporto por semana. De maneira que me apresentava sempre mais ou menos equilibrada (do ponto de vista hormonal). Portanto, como ia dizendo, eu inventava. Então, no início de cada ano letivo, escolhia o rapaz de quem haveria de gostar, preferindo o que, por esta ou aquela razão, me parecesse menos acessível. Depois, era só contar discretamente a uma ou outra colega - digo discretamente porque não queria que parecesse mentira ou estranho. Claro que nunca concretizava nada, passando por mal-amada. Mas isso era o que se passava com a maioria das outras colegas. Enfim, foi tudo excelente. Estes procedimentos permitiam-me parecer parvinha, como de certo modo era pretendido, e, ao mesmo tempo, dedicar-me por inteiro às coisas que queria e gostava de mesmo fazer: jogar, estar com os amigos, ler e aprender. É por isso que toda a minha adolescência foi muito feliz.

FALTA DE "CABEDAL"


Tita

14.04.20

 

Não era seu hábito procurar-me para saber de mim ou, ao menos, simplesmente estar um bocadinho comigo. Sugeriu-me um encontro de amigos de longa data. Mas, na verdade, era apenas porque precisava. Mais uma vez, queria que eu, do alto de uma sabedoria por si imaginada, lhe dissesse o que desejava ouvir sobre uma nova relação amorosa. Como se as coisas que vinha contar-me pudessem ter algum grau de profundidade para serem complexas. Assim cansou-me logo que começou a ler as infinitas mensagens de telemóvel que trocou com ele. Todas sem significado. Ou seja, com o significado único de que ali havia um nada amoroso. Porém, incompreensivelmente ou não, de cada vez que lia, via-se-lhe nos olhos a esperança. Quando finalmente me foi possível falar, disse que não. “Não. Não gosta de ti”. Viu-se a agitação e talvez também uma certa raiva. “Não? Porque é que dizes isso? Tu nem sequer o conheces”. Ignorei o golpe essencialmente por pena. “Não preciso conhecer. Basta-me o teor das mensagens e as coisas que me contas. Afinal, ele nem sequer quer ir para a cama contigo. Dois meses de namoro… “. Fiz mais uma ou duas observações. A questão era demasiado simples. Como sempre, só mudavam os nomes. Dito isto até parece que falo de uma pessoa na fase da adolescência, o que não sucede.

É verdade que sempre me confundiu aquela incapacidade de detetar afetos e de não querer contornar não-afetos. Porém, agora já não. Percebo perfeitamente que tudo tem a ver com escolhas e com a falta de “cabedal” para suportar a falta que lhe faz tudo aquilo que rejeitou ao escolher como escolheu.

NOITES E NOITES NUMA SÓ NOITE


Tita

18.10.16

 

 

Queria postar aqui um trecho de um poema do Ary dos Santos. Um que toda a gente conhece. A Estrela da Tarde. Há dias que ando a pensar neste poema. Na força alimária dos seus versos.

 

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram/ Dos noturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram/Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram/ E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram. /Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram /Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam /Era a noite mais clara daqueles que à noite se deram /E entre os braços da noite, de tanto se amarem, vivendo morreram.

 

E o verso que mais me impressiona é o seguinte: Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram. Significa que uma noite de amor pode ser tão intensa e abrangente que consegue ter o sentido de várias. Para isto ser verdade, exige-se uma paixão com uma força especial e uma certa qualidade na entrega. Há quem consiga.

 

AZUL - Cap LXIV


Tita

16.10.16

Uma semana depois Teresa ainda não tinha o carro. De qualquer modo, não lhe fizera ainda falta. Não tinha muita vontade de sair para longe da Alameda. Fazia tudo a pé no respeito de rotinas muito bem programadas. Todas as manhãs subia a Guerra Junqueiro e ia à Mexicana tomar o pequeno-almoço e ler os jornais. Depois visitava as montras da Avenida de Roma até à hora do almoço. Por vezes comprava uma peça de roupa ou um livro. Almoçava em casa. Saía em seguida para dar um passeio breve no jardim da Igreja da Praça de Londres. Voltava a casa meia hora depois. Pegava no computador e vagueava nas páginas a que sempre se habituara. Ler não conseguia. Jantava cedo em qualquer lado antes de ir para o ginásio. Quando regressava retomava o computador. Ia para a cama perto da meia-noite. Como é evidente Madalena fazia parte destes ramerrões que Teresa projetara. Havia sempre a esperança de esbarrar com ela em algum daqueles lugares. E à noite, na cama, mil vezes as lembranças do amor com ela lhe acendiam o corpo. Num fogo que era necessário apagar. Sentia como se durante toda a vida não tivesse passado um dia sem fazer amor com ela. Estava completamente tomada pelo vício.

Na manhã seguinte Madalena descia a Guerra Junqueiro. Teresa viu-a do outro lado da rua quando subia. Deixou-a avançar uns metros e foi atrás dela. Não sabia se havia de a abordar. Madalenas andava com pressa. Dobrou a esquina ao fundo da rua e subiu á direita. Teresa sentiu um sobressalto. Andou mais depressa e pôde surpreender-se com o que via. Madalena estava parada em frente à porta do seu prédio. Teresa pegou no telemóvel e marcou o número.

Teresa: Madalena, onde estás?

Madalena: Não muito longe, como sempre.

Teresa sentiu-lhe a tensão na voz.

Teresa: Eu não estou em casa.

Madalena: Não? Onde estás?

Teresa: Não muito longe, como sempre.

Teresa ia subindo a rua. Podia vê-la perfeitamente. Com o cabelo liso a cair-lhe sobre a cara pregada no chão.

Madalena: Mas quanto tempo levas a chegar a casa?

Teresa: Porquê?

Madalena: Porque eu estou aqui à tua porta.

Teresa desligou o telefone e falou-lhe a um metro.

Teresa: Então sobe.

Madalena: Jesus!

Teresa: Vens tomar chá?

Madalena: O quê?

Teresa: Chá. Vens tomar chá com a tua amiga muito amiga quase como uma irmã?

Madalena: Nós somos amigas, Teresa.

Teresa: Pois somos.

Entraram em casa.

Madalena: Isto está diferente. Fizeste obras. Mas os móveis são os mesmos. Não estão é nos mesmos sítios. Nem as fotografias. Aqui está a tua mãe.

Teresa: A minha mãe está por todos os lados desta casa. Tomas chá ou não?

Madalena: É muito cedo. Não costumo beber chá de manhã. Prefiro um café. Outro. Já tomei o pequeno-almoço.

Teresa: Pois eu não. Tomo sempre na Mexicana a esta hora. Mas hoje não foi possível porque te vi passar.

Madalena: E porque não me chamaste, imbecil?

Teresa: Por acaso tive essa intenção. Mas tu andaste muito depressa. Vinhas para aqui com muita pressa. Porquê?

Madalena: Eu ando depressa.

Teresa: Não andas nada. Tu vinhas depressa porque tiveste medo de perder a coragem.

Madalena: Coragem para quê?

Teresa: Diz-me tu.

Madalena: Tem sido difícil passar os dias.

Teresa: E as noites.

Madalena: Sim. As noites.

Teresa: Como passas as noites? Fazes-te todas as noites?

Madalena baixou a cabeça.

Teresa: Diz-me.

Madalena: Por vezes de dia também.

Teresa: No entanto, és apenas minha amiga.

Madalena: Não sejas cínica, Teresa.

Teresa: Descarada és tu. Vens aqui para ter sexo comigo. Só para isso. Podias ter ligado há mais tempo. Não percebo o que te fez vir à Alameda. Tens tão más recordações daqui. Não percebo porque queres fazer amor aqui.

Madalena: Também não percebo nada. Ontem chorei muito à noite. Hoje de manhã acordei com esta decisão tomada. Queria ver-te aqui.

Teresa: Descansa. Eu também só penso em fazer amor contigo. Não te vou pedir mais nada. Vem cá.

Madalena aproximou-se. Teresa abraçou-a pela cintura e puxou-a contra si. Ficaram presas pelo ventre. Olharam-se intensamente. E beijaram-se violentamente na boca.

AZUL - Cap LXIII


Tita

16.10.16

Clara: Emagreceste.

Joana: Tu também.

Clara: Não fui capaz de comer grande coisa.

Joana: Eu vomitava.

Clara: Disseste-me. Já estás bem, não é?

Joana: Sim.

Clara: Não foste à faculdade, claro.

Joana: Claro que não. E tu?

Clara: Não.

Calaram-se. Ficaram frente a frente muito tempo. Sem palavras. De olhos cerrados. Estiveram assim até as almas se reanimarem.

Joana: Vamos ver o mar?

Foram comer junto à praia. Comeram imenso. Embora lhes doesse um pouco o estômago. De uma forma tácita, encetaram um processo comum de recuperação. O corpo doía-lhes. Cansado nos músculos e nos ossos. Cada uma tinha uma nódoa negra bem visível no peito. Clara olhou dentro dos olhos azuis de Joana e em seguida virou o seu olhar extenuado para o mar. Fez uma ligação perfeita de cores. Joana segui-lhe o olhar.

Clara: Duvidaste de mim? Achaste que eu não voltava?

Joana: Nunca. Só senti muito a tua falta.

Clara: Eu amo-te tanto!

Um brilho iluminou-lhe o olhar rasgado. Parecia que tinha tomado uma droga qualquer. Olhou Joana por dentro de um sorriso que despontara.

Clara: É perfeito o nosso amor. Como é perfeito! A ti eu não preciso de pedir nada. Tudo vem no ritmo dos meus desejos e necessidades.

Joana: E eu não preciso de te fazer muitas perguntas. Quase tudo o que quero saber descubro no silêncio da tua boca molhada ou através do contacto com a tua pele.

Clara: Eu precisava muito de te beijar agora. Quero todas as respostas. E responder-te a tudo.

Joana: Eu preciso de te beijar agora para saber como foi sem mim.

Levantaram-se da mesa. Descalçaram os sapatos. E atravessaram a areia, até ao mar. Molharam as mãos e a cara. Beijaram-se profundamente com sabor a sal pelo tempo de uma eternidade.

Joana: E se adoecermos de amor? Achas que podemos ficar doentes de amor?

Clara sorriu.

Clara: Não, acho que não. Juntas, não. Separadas, sim. Eu fiquei doente de amor.

Joana: Eu também.

Clara: Perdoa-me, Joana.

Joana: Gostar de ti não é uma decisão. Desejei simplesmente voltar. Aliás, tinha mesmo que voltar.

Clara: Mas perdoas-me ou não, querida?

Joana: Não sei se compreendes porque nos deixaste.

Clara: Porque dizes isso?

Joana: Porque podes voltar a deixar-me, talvez.

Clara: Tu sabes que eu te deixei por causa da minha mãe.

Joana: Tu disseste-me que tinhas de me deixar porque, pelo que vieste a saber da vida da tua mãe, o nosso amor já não te parecia tão belo.

Clara: Não parecia porque eu estava completamente louca. Doente da cabeça por causa daquelas emoções todas. Na altura, o nosso amor não me pareceu belo, de facto. Mas só naquele momento. Compreendes?

Joana: Acho que compreendo mais do que isso. E solidarizo-me contigo. Coloco-me no teu lugar e vejo perfeitamente que o teu mundo desabou.

Clara: É verdade. Perdi o pé. Coloquei tudo em causa. Mas como viver como sou se rejeitasse a minha mãe como é? Se eu não queria que a revelação dela fosse mais do que um pesadelo, como viveria feliz contigo? Foi por isso que terminei.

Joana: Eu sei.

Clara: E perdoas-me.

Joana: Não posso perdoar algo que tu fizeste sem consciência. Só posso compreender. E já compreendi, anjo.

Clara: E já não tens medo que eu te deixe?

Joana: Tu, na verdade, não me deixaste. Mas eu fiquei perdida.

Clara: Pois não. Só enlouqueci momentaneamente. Mas demorei a ir buscar-te porque estava partida por causa da minha mãe. Não lhe falei durante este mês. Nem ela a mim.

Joana: E agora já se falam. Resolveram tudo, como é evidente. O que acha ela de mim? Detestava-me.

Clara: Foi ela quem me ordenou que te telefonasse. Foi ela que me explicou que tu ficarias feliz. Que não me rejeitarias.

Joana: A sério? Olha, eu nunca simpatizei com ela. Confesso-te. Mas acho-a linda de morrer. Por isso posso ultrapassar qualquer obstáculo.

Riu-se.

Joana: A Madalena é uma mulher de sorte.

Clara: A Madalena disse-lhe que não queria mais nada com ela.

Joana: Disse? Mas, olha, eu não acredito. A Madalena é louca por ela.

Clara: Eu sei. Mas tem medo.

Joana: Pois.

Clara: Mas a minha mãe mudou. Creio que o facto de eu ser lésbica a ajudou a mudar. O problema dela era aquela homofobia e a necessidade de parecer perfeita ao mundo. Ela adora a Madalena. Não creio que a fosse deixar outra vez. Não com o que já aprendeu com tudo o que sofreu durante vinte anos e agora. O problema é que a minha mãe decidiu não ir mais atrás da Madalena.

Joana: Ai agora a Madalena vai ter que ultrapassar-se e tomar a iniciativa de ir ter com a tua mãe? Não sei se ela fará isso.

Clara: Nem eu. Ela deve continuar a achar-se uma vítima das coisas que a minha mãe lhe fez no passado. E portanto acredita que tem uma fatura que ainda não está paga.

Joana: Sabes o que acho?

Clara: Diz.

Joana: Acho que elas são duas mulheres marcadas. A maturidade tem isto. Muitas experiências traumáticas. E muitas delas mal absorvidas. Enquanto nós temos o espírito limpo. Confiamos totalmente. Por isso foi tão fácil voltar.

Há já algum tempo que caminhavam à beira mar de mãos dadas. Pararam. E sentaram-se na areia. Ficaram caladas a observar as ondas vigorosas que se lançavam cegas contra a costa. E se desfaziam. Escutavam o barulho plural do mar. Talvez o único que não incomoda ou irrita mas acalma. O barulho que é necessário ouvir quando o silêncio é preciso. As ondas morrem pacificamente. E renascem uma e outra vez. Olhavam juntas para o mar e assistiam a um movimento constante e alternado de vida e de morte. Olhavam para o mar e metia-se-lhes no peito a ideia de renovação. Só de o ver atuar. O mar explicava-lhes como tudo deve ter um fim pacífico. Como é pacífica a fusão entre a água salgada e a massa compacta de grãos de areia. Assim como a força das águas, que consecutivamente renasce nas ondas extraordinárias, apela ao sentimento profundo de vida renovada. Princípio. Sal. Sabor. E a vida que afinal nunca acaba. Os olhos delas transformaram-se em água do mar de tanto olharem. Tinham-nos por isso da mesma cor. Azul. Aquele azul que um dia Clara sonhara ter para si, agora era definitivamente seu.

Clara: O mar. Esta energia. A minha boca ainda sabe a sal. Sinto-me como que renascida. E por isso com necessidades primárias. Tenho muita fome.

Joana: Eu também preciso de te comer toda inteira.

Clara: Sinto formigueiro nas mãos.

Joana: E na língua.

Puxou-a pelo colarinho e deu-lhe um beijo ávido na boca.

Caíram na areia. Os corpos debatiam-se. O beijo não parava de magoar.

Clara: Vamos para casa.

Joana: Vamos.

Foram com as mãos cheias de segredos e mistérios comuns sobre o mar e a vida.

“Hoje fico com a Joana. Gosto muito de si, mãe”.

Teresa sorriu. “Quero ver quando é que tenho o carro de volta”.

 

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