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CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

CAFÉ EXPRESSO

"A minha frase favorita é a minha quando me sai bem"

VERGONHA NA CARA


Tita

30.12.20

Como superar a tristeza de uma separação, segundo a ciência | Ciência e  Saúde | G1

 

É verdade que o amor e a paixão nos deixam em situações muito desagradáveis quando recebemos a notícia de que não somos amados. Repare-se que estou a confundir o amor com a paixão. É propositado. Porque, em estado de paixão, é mesmo nisso que as pessoas acreditam. Que amam.

Bem, a realidade é que normalmente não recebemos notícia nenhuma. Tenho anotado que as pessoas, a outra pessoa, podem, pode desejar aproveitar a situação. Na maior parte das vezes, porque há um momento em que ainda não se sente suficientemente corajosa para meter os dois pés fora da mesma. Não será mentir se disser que normalmente o amor acaba porque há outra pessoa. Do passado ou uma novidade. Mas há outra pessoa. As mais das vezes.

É claro que o período de indecisão do ser querido, que não será, em muitos casos, de incerteza, cria a dúvida confundindo decisivamente o desamado. E é por isso, e porque estão em dor, que as pessoas cedem e acedem a contextos emocionais caóticos e mais ou menos destrutivos.

Porém, em meu entender, salva-se quem, apesar de tudo, percebe que, por muito que se perca, não pode, não perde, a vergonha na cara. Foi o que disse a quem atualmente vive um processo destes.

 

AZUL - Cap LVII


Tita

11.10.16

Clara virou os olhos em direção ao chão. Ficou a olhar para as pedrinhas no meio da terra. Mexeu-lhes.

Clara: Eu já não posso continuar. Aconteceram coisas.

Joana: Eu sei que aconteceram coisas. Mas o que aconteceu entre nós?

Tal como o rosto, a voz parecia molhada.

Clara: O que sabes tu?

Joana: A Madalena disse-me. A tua mãe revelou que…

Clara: A Madalena. A Madalena anda com a minha mãe desde que acabou contigo. Tu sabias. A minha mãe disse-me que tu sabias. Quem te contou? Foi também a Madalena?

Joana: Não, não. Eu vi a tua mãe a sair de casa dela. Ou melhor só soube que era tua mãe quando nos apresentaste.

Clara: Portanto, tu sabes da minha mãe desde o princípio. E nunca tiveste a decência de me contar.

Joana: Desculpa. Mas não é assim. Eu tive a decência de não te contar. Não podia meter-me entre ti e a tua mãe. Quem tinha o dever de contar era ela.

Clara: Mas quando eu andei aí doida a pensar em contar-lhe de nós… nem aí foste capaz de me ajudar. Se eu soubesse que ela era lésbica…

Joana: Se soubesses por mim, estarias a fazer-me isto igualmente. Mas talvez de uma forma ainda mais grave.

Clara: Não fales do que não sabes, Joana! Além do mais, tu e a minha mãe partilharam a mesma mulher. Que nojo!

Evidenciava toda a raiva que a consumia. Joana calou-se amedrontada. Clara fechou-se então num silêncio eterno. Joana deixou-se invadir pelas lágrimas que há muito lhe molhavam as faces. Conformava-se ali com o peso do mundo que lhe pressionava o corpo. Tinha aquele peso precisamente sobre o colo. Baixou os braços. Se fosse o caso, deixar-se-ia esmagar. Também não olhava Clara. Não queria. Desconhecia-a. Ao fim de um tempo que parecia horas passadas, Clara murmurou:

Clara: A minha mãe é lésbica. E isso é a única coisa que importa aqui.

Estas palavras murmuradas ajudaram Joana a subir. A emergir da ausência de lugar por onde andava a vaguear. Endireitou-se ligeiramente. Clara repetiu-se. Mas agora em tom claramente audível:

Clara: A minha mãe é lésbica de toda a vida.

Parou de dizer. Depois recomeçou no meio de uma gargalhada dolorosa.

Clara: Que disparate! Lésbica de toda a vida. Todas as lésbicas o são. Mesmo que não saibam desde sempre. Eu, por exemplo só soube quando te apertei a mão no cinema. Quem me dera ter podido não fazer isso. A minha mãe é lésbica Joana!

Aumentava o tom. Joana tinha os olhos muito abertos.

Clara: Mentiu-me a vida toda. Era isto que eu devia ter dito logo. A minha mãe é uma mentirosa de toda a vida. A mulher que diz odiar a mentira é a maior mentirosa que eu conheço. E é a minha mãe.

Repetiu a mesma gargalhada com o mesmo toque perfeito de dor.

Clara: Mas ela não acha que mentiu. Ela deixou de… como se diz isto… ela deixou de praticar desde que eu nasci.

Olhou para Joana sem bem a ver. E riu-se de novo.

Clara: Pois aí está. De acordo com a porcaria de definição do teu dicionário de merda, a minha mãe não é lésbica desde os vinte anos. Sendo que agora é de novo. E com a tua Madalena. Pois é. Ela teve uma Madalena na vida dela há vinte anos atrás. O único amor. Agora a mesma Madalena voltou. A tua Madalena. Segundo o teu dicionário, a minha mãe foi lésbica. Deixou de ser. E agora já é de novo. Porque recaiu nos braços da tua Madalena que é o amor da vida dela.

Apontou o olhar para Joana. Esta continuava com os olhos abertos e nem pestanejou no seu silêncio obstinado. Joana queria ouvir tudo. Perceber tudo muito bem. Não sairia dali sem isso.

Clara: Portanto, nos termos do teu dicionário, a minha mãe não mentiu, afinal. Mudou de vida. Omitiu uma parte do passado. Passou a ser outra mulher depois de eu nascer. Depois, durante os últimos anos, durante o tempo da minha estúpida vida ela não foi uma lésbica.

Clara repetia-se.

Clara: Por isso não mentiu a mim nem a ninguém. A seguir a Madalena reaparece e a minha mãe volta a ser lésbica. E é aí que me vem contar. Portanto, como me conta, não mente. Ela é honesta. Acho que foi isto que ela me quis dizer. Não sei. A minha cabeça está a explodira. Mas mente. Oh, se mente! O coração dela pertenceu sempre pertenceu à Madalena. A minha mãe é lésbica de toda a vida, Joana. E isto, este detalhe, é que ela se esqueceu de mencionar no passado. Disto é que não me informou. Enganou-me. E a culpa de tudo é minha. Porque ela se castrou por minha causa. Foi por mim que ela sofreu durante tanto tempo.

Voltou a rir-se. No entanto, o riso, os grossos lábios abertos, estava molhado por dois veios de lágrimas de grosso caudal. E o corpo tremia-lhe levemente.

Clara: E eu também sou lésbica. A minha mãe sacrificou-se para nada, já vês. Enfim, temos este problema na família. Esta praga. Isto entre mim e ti não é resultado de nenhum amor muito especial. Se não fosses tu, seria outra. Por isso o nosso amor, Joana, já não me parece tão belo. Porque… de facto, não é belo. É um sentimento apenas consequente de uma orientação que eu tenho. Poderia ter vivido as maravilhas que vivi contigo com outra que tivesse vindo antes de ti. O nosso amor assim é um acaso. Daqui a uns tempos, quando me curar de todas estas feridas, vou viver as mesmas sensações com quem vier. Nós, juntas, não somos melhor que ninguém. Aliás, tu já tinhas algum passado e muitas vertigens vividas. E eu não me posso esquecer que, além do mais, quando te conheci, tu estavas louca pela Madalena. A Madalena da minha mãe. E sofreste quando ela te trocou pela minha mãe. Não há-de ser mais nem menos do que sofrerás agora que tudo terminou entre nós.

Clara deixou-se cair para trás sobre um tronco de árvore áspero que lhe amparou as costas. E foi de imediato engolida por um choro trémulo e ofegante. Joana esfregou o rosto com uma mão para apanhar a água que ainda não tinha parado de correr. Inspirou profusamente, aspirando pelo nariz os restos de líquido salgado. Levantou-se.

Joana: Acho que não é preciso dizeres mais nada. É melhor não dizeres mais nada. Já percebi. Vou andando. Tenho mesmo que ir. Desculpa.

Deu o primeiro passo. Depois acelerou os movimentos em sentido contrário ao de Clara. Para se antecipar à nova vaga que se aprestava para lhe cobrir o corpo. Não desejava naufragar ali aos olhos de Clara. Que desaparecia, ela própria engolida pelo mar.

AZUL - Cap XLV


Tita

04.10.16

Mantinham-se no chão com os corpos ligeiramente afastados. As mãos de Madalena tapavam a própria cara. Por entre os dedos, escorria-lhe o líquido salgado. Até aos pulsos. Teresa falou baixinho.

Teresa: Desculpa.

Madalena: Desculpo o quê?

Parou um segundo para levantar a voz enquanto se erguia. Ficou sentada. As lágrimas agora percorriam livremente a face, o pescoço e o peito. Encarou Teresa.

Madalena: Deves estar a falar da foda que me deste. Mas disso não tens que pedir desculpa. Eu gostei. Como viste. Não sabia que um dia seria violada e que poderia gostar.

Teresa: Não sejas hipócrita. Eu não te violei.

Madalena: Então estás a pedir desculpa de quê?

Teresa: De ter sido um bocadinho bruta. De te ter esbofeteado…

Madalena: E do resto não? Nada mais te perturba.

Teresa: Escuta-me, Madalena. Eu estou muito confusa e desgostosa.

Madalena: Teresa, levanta-te do chão, veste-te e sai, se faz favor.

Teresa: Porquê, meu amor. Eu amo-te. Não me faças isto.

Madalena: Olha, eu vou tomar um duche. Quando sair não te quero ver cá em casa.

Teresa saiu imediatamente. Veio para a rua pensar que não queria voltar a casa e enfrentar a filha. “Não neste estado humilhado”. Era hora do lanche. Foi à Mexicana. Pediu um café e, ironicamente, uma madalena. Comeu e bebeu depressa. Tinha intenção de caminhar a Avenida de Roma toda até ao cruzamento com a Avenida do Brasil. E voltar pelo mesmo caminho até à Alameda.

Era necessário desentorpecer os músculos. Distrair-se da tragédia que lhe acabara de suceder e respirar. Até porque havia Clara. Com Clara não poderia existir um corte na relação. Como acabara de suceder com Madalena. E que já lhe estava a arder tanto. Mas talvez fosse melhor assim. Era preciso lutar pela filha. Como poderia fazer isso, se estivesse envolvida com Madalena? Aliás, com que moral falaria à filha se lhe tivesse que contar que amava Madalena e que queria partilhar a vida com ela? O essencial era que Clara fosse feliz. “Desde que tudo começou com Joana que a minha filha está outa. Quantas vezes terão dormido juntas? Mais do que as vezes que Clara não dormiu em casa. E que foram mais vezes do que aquelas que Teresa sabia. Deixou-me sem qualquer possibilidade de agir”. Clara, pela omissão, impedira-a de assumir o controlo da situação. Sentia-se de novo furiosa. O que falhara? Afinal chegava à conclusão que a filha não confiava nela. Se Clara lhe tivesse dito alguma coisa antes, podiam ter conversado. “Era possível evitar tanta coisa. Mas não. Hoje atira-me para cima o facto consumado. Isto não é honestidade.”. A raiva levava-a consumir o oxigénio mais rapidamente. A casa passo que dava, sentia-se ofegante. “Agora é tão mais complicado protege-la do sofrimento que ai vem. Porque razão a minha filha há-de passar por uma coisa horrível destas? A culpa é da Joana. Ela veio dos braços da Madalena para alterar as regras do jogo. Que nojo! Num passo de sedução aprendida, a Joana modificou a Clara. Raios! Pensava que a Clara fosse mais forte. Ensinei-a a pensar pela cabeça dela. Como pôde falhar assim?”. Era este o pensamento contorcido de Teresa. E assim virou a Avenida de Roma para trás. Até à Alameda.

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