O TRAUMA DA ESPERA
Tita
27.04.20
Na maior parte dos casos, a solidão fundamenta-se na ausência de liberdade.
Lembro-me de, quando andava na escola secundária, se chegava mais cedo, começava a angustiar um bocadinho. Depois, logo que aparecia o primeiro colega, passava o malestar e ficava tomada por aquela espécie de energia que anima imenso as pessoas aliviadas. Naturalmente, não gostava deste processo. E enquanto esperava, inevitavelmente pensava nele. No processo. “Mas porque raio me sinto sempre assim tão mal quando estou à espera”? Na altura, não era propriamente uma pessoa introspetiva. O que, dada a idade, seria, por razões óbvias, bom sinal. Bem, mas como ia dizendo, não era muito introspetiva na altura, pelo que nunca chegava a qualquer conclusão sobre a angústia de estar à espera. Julgava-me muito impaciente. E era só.
Mas, na verdade, tudo tinha a ver com a carrinha do senhor Henrique, o motorista que nos levava para o infantário. Havia várias crianças e diferentes infantários. Calhou-me não estar no meu com qualquer criança da minha carrinha. E o senhor Henrique fazia a volta. Eu era a última a ser depositada de manhã. Assim como era a última a ser recolhida ao fim da tarde. Se era desagradável ser depositada, era um alívio ser recolhida. Mas o senhor Henrique demorava-se. E enquanto ele não chegava, eu via as outras crianças saírem. Até não restar outra senão eu. Talvez me tenham dito qualquer coisa na brincadeira. As funcionárias. “Se calhar hoje ficas cá a dormir”. Terá sido o bastante. Porque, crente em tudo o que os adultos diziam, passei a angustiar na espera. Todos os dias. E o senhor Henrique nunca vinha mais cedo. Enfim, eu tinha três ou quatro anos e, naqueles momentos em que a minha vida se suspendia, eu sentia-me muito só.